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09 agosto 2013

vaga-lumes, mangueiras sem frutos e melíades

[Esse post está full de spoilers sobre meu processo criativo, peço encarecidamente que não zombem da maluquice envolvida]

Uma das coisas que constatamos quando crescemos em uma Sociedade pirada e tecnocrática como a nossa é a ausência de Sonhos. Depois que você entra na escola e começa a ter convívio com outros humanos como você (uns nem tanto quanto os outros) todo aquele mistério infantil se esvai assim como começou. Não há mais brincadeiras no meio da tarde nos fundos dos quintais, ou na graminha da frente, mas sim há a profusão de atividades esportivas e recreativas lá na rua, no asfalto, na calçada, no concreto, na companhia de outros como você e que aparentemente também perderam aquele quê misterioso das brincadeiras perto de árvores frutíferas, mato ralo, caminho de terra com pedrinhas e vaga-lumes.

Mesmo se fosse sozinha ou acompanhada por um bichinho de estimação (No meu caso era um pastor alemão enorme duas vezes maior que minha diminuta pessoa) havia diversão de sobra atrás daquela casinha de madeira na Tiago da Fonseca, perto da mangueira que não rendia frutos, com formigas dançando na pele quando se subia nos galhos mais baixos e vaga-lumes. Yep, eu via alguns quando era criança e até durante o dia quando não se é costumeiro ver, mas vaga-lumes me interessavam quanto Física Quântica para Stephen Hawkins. Tão fascinada eu era que por muitas vezes, desobedecia as ordens de ficar no calçadinho do lado da casa durante as noites quentes (Quente quer dizer mais que 20º, sem vento plz?) que Florianópolis poderia proporcionar para uma criança de 5 anos.


Não tinha como não querer ir perseguir aqueles pontinhos de luz que apareciam principalmente perto da estação mudar de Primavera pro Verão. Eu sempre gostei de coisas piscantes (#fëanorfeelings) e sempre gostei de brincar com seres imaginários. Ter um amigo imaginário fazia parte de toda a diversão, mesmo quando havia amigos concretos por perto: o grupo não pode ser só healer, dps, dps e não ter tanker né? No meu caso era uma healer druida, hehehehehe. E mesmo que ninguém percebesse que havia mais alguém ali (Mesmo que na minha imaginação fértil de criança mais nova que amava vaga-lumes), ela era uma pessoinha muito difícil de perceber. Os vaga-lumes ajudavam, o cheiro de flores em um quintal sem flores também, uma trilha de formigas subindo a mangueira enorme lá nos fundos e evitando passar pelos doces que ocasionalmente eu deixava cair (destreza manual nunca foi meu forte), brisas quentes quando se estava imersa da cabeça aos pés dentro de uma piscininha de plástico, brincando de batalha naval com Lego, barcos de papel e folhas das árvores levadas pelo vento. Era meu momento mágico.

Era quando eu acreditava que havia algo além de mim naquele mundo estranho além do portãozinho de ferro e muro baixo que me separava do mundo de asfalto lá fora.


Minha família tem essa característica nômade de auto-preservação, sempre buscando dar umas passeadas em diversas culturas/religiões/trilhas para trazer alguma coisa para casa. Qualquer coisa, não importa se é bom ou ruim para o Equilíbrio do esquema todo, mas pelo menos algo foi aprendido no caminho. Por isso me identifiquei tanto ao ler sobre os seres míticos do Eire na mitologia Celta (Parte influenciada pela mitologia nórdica), eles sempre caminhavam para algum lugar, qualquer lugar e sempre traziam coisas de volta para seus "lares".

O meu era debaixo de uma mangueira enorme e frondosa, sem frutos por muito tempo e que abrigava o meu cachorro Murphy durante o verão e quando não estava chovendo. Abrigava formigas também, pequenininhas, pretinhas, aquelas que não mordem (As que mordiam era lá na frente e eu evitava de ir pra lá), que gostam de doce e fruta caída, e era a árvore que tinha galhos mais baixos para me empoleirar e achar que estava em alguma estação espacial observando o Céu mais de perto. Essa árvore também guardava os doces de São Cosme e Damião que meus pais tinham costume de deixar - as formigas jamais se aproximavam desses doces, assim como qualquer outro bicho, era incrível ver o mesmo doce intacto ali atrás da mangueira por dias e acabar se desfazendo pela chuva ou decomposição.

O meu Lar era constituído mais ou menos disso, e por muitas horas eu brincava ali, entretida nos brinquedos, nas histórias que pulavam na cabeça o tempo todo, umas temporárias, outras que ficavam até a noite e me faziam dormir com toda a narrativa na cabeça até o dia seguinte chegar e a memória recente empurrar pra de longo termo. Algumas histórias sumiam, outras permaneciam, uma delas tá se concretizando aos poucos agora.

Uma personagem que sempre aparecia nessas brincadeiras de fundo de quintal, eu, eu mesma e o Murphy (Quando ele queria né? O cachorro era enorme e costumava pedir carinho pisando nas casinhas de blocos de madeira que eu montava, deitando em cima da trilha de formigas e talz, era um troll lindo) era essa moça quase adulta de longos cabelos, sem voz (mute mode on), alta e que me dava as "quests" ou sei lá, os ganchos de histórias. Atribuir o processo criativo a algo ou alguém além me parecia certo naquele tempo, nunca achei que seria capaz de produzir tantas aventuras legais assim da minha cabeça por conta própria. Eu só tinha 5 anos, pouco ponto de XP, pouca barrinha de Mana e só sabia pedir Gold pra comprar KinderOvo (Que era parte essencial das brincadeiras, as miniaturas de leõezinhos, tartarugas e coisas malucas que vinham dentro de surpresa faziam parte do cenário com os blocos de montar), o que será que eu poderia oferecer nessa contação de histórias solitária?

Então era a moça ali, que sempre aparecia pra dar uns pitacos nas minhas coisas, que era a responsável por eu ter ideias mirabolantes e legais de aventuras debaixo da mangueira sem frutos. A Musa Inspiradora me aparecia quase todos os dias sem eu saber que os gregos a chamavam de Clio ou Kleio.

Eu não havia colocado nome nela, apesar de saber que amigos imaginários costumam ser batizados e talz (Depois fui descobrir que tem criança que separa parte da cama pro amigo dormir, lugar na mesa, um monte de coisas educadas que eu poderia ter ofertado pra mocinha de longos cabelos, mas bem...), mas para mim era errado botar nome naquilo que você não entendia, ainda mais em alguém que me deixava tão bem e confortável com tudo que o mundo já tava me mostrando de errado e fora de esquadro lá fora. Às vezes as aventuras se estendiam a tarde toda e já chegava a noite, e eu morria de medo de escuro (Lá atrás não tinha luz visível pra casa), então quem era o encarregado de me levar pra casa? Yep, o Murphy, ou alguém da minha família que saía lá da casinha e gritava pra voltar logo senão algum outro tipo de bicho noturno ia me morder - variava entre cobra, escorpião, morcego (Que realmente tinha na mangueira), rato era o preferido pra me assustar, citaram saruê (Não sabia o que era na época) e até bicho-papão, mas esse último eu até gostava... Era um querido antagonista quando se sabia lidar bem com ele nos sonhos de terror infantil.

E eu ia pisando leve, recolhendo meus brinquedos como podia, morrendo de medo de deixar algo para trás, sentindo as formigas passeando nas pernas e pé com chinelinho básico, seguindo a luz lá da casinha há metros a frente (Para mim parecia quilômetros) e o latido do Murphy pra me avisar que ele estaria de prontidão caso algum dos bichos citados acima me atacasse a jugular (O medo de vampiros começou cedo, tá?). Mas sempre havia essa brisinha quente do meu lado, a mão invisível que me confortava, a bússola sem eu ver que me guiava no quintal mágico adentro pra chegar sã e salva na casinha apenas com formiga dando umas corridas pelos braços ou dentro da blusa. Por muito tempo achei que o Murphy é que me dava o senso de direção (Não tinha nenhum naquele tempo, melhorei conforme aprendizado), mas logo constatei que era algo além. Ou alguém. Não era só nas brincadeiras infantis debaixo de uma árvore sem frutos que ela me guiava, era na vida também, nos perigos de uma volta pra casa no mesmo quintal escuro, no recolher de minhas responsabilidades e trilhar um caminho só com uma luz distante. E não nomeei esse alguém por muito tempo.

Aí você cresce! E conhece algo chamado Igreja, mas não Religião. Você entende perfeitamente o que significa a palavra Deus e Jesus, e que eles são pessoas que viveram em algum tempo antes de você para ensinar coisas, tipo professores, só que com lição de casa bem comprida. Aos 8 anos eu já sabia que ficar longe da Igreja fazia bem pra minha sanidade (Cthulhu me atraiu cedo também, btw), que misturar palavras com pessoas era ruim, que as brincadeiras lá no fundo do quintal não pareciam mais interessantes, que o mundo do asfalto depois do muro era tentador, que a telinha do videogame em língua que eu nem sabia identificar era muito instigante, e que existiam anjos. Yep, esses caras adultos, com armadura dourada e sandálias (ridículo!), trompetas (aquilo tem barulho de quê, de apito ou de buzina de carro?) e cabelos lindos e loiros encaracolados e asas enormes. É, gente com asa. Algo surpreendente! Não era só inseto e passarinho que tinha asa  (Não citava os morcegos, porque não sabia ainda que eles eram mamíferos), tinha gente também! E a confusão mental começou quando tentaram me explicar que o anjo da guarda da gente costuma nos acompanhar o tempo todo, vendo nossos passos e nos ajudando nas coisas. Eram gente boa! Gostavam de ajudar e segurar nossa mão quando andávamos na rua (Minha irmã fazia isso, mas a outra mão sentia falta também), mas que eles também ficavam de noite nos vigiando.

Pessoas adultas: jamais falem isso pra uma criança que AMA todo o processo de sono. A paranoia começa cedo, tá?

O meu processo de sono era pegar uma recapitulação do que eu havia brincado/aprendido durante o dia e construir algo aproximado a um rascunho de um grande filme épico dentro da minha cabeça. A moça bonita de longos cabelos, muda e alta era a atriz principal e eu sempre escolhia entre o figurante que faz algo super intricado para ocasionar alguma situação a seguir - tipo aquele negócio de rolar uma bolinha contra alguma coisa e a coisa aciona outro mecanismo e assim vai sucessivamente até acontecer uma explosão, não, não era sempre que tinha explosões nos meus sonhos, apreciava mais uma total perda de sentido algum na coisa toda - e era assim que eu dormia tranquila (e se minha mente deixar, até hoje). Sem ninguém testemunhando os meus furos de script ou cenas deletadas. Colocar na equação um ser invisível, com toda aquela pomposidade que eu via nos livros e nos desenhos e pelas descrições dos adultos, era como me tirar a total autonomia que eu tinha de inventar coisas pra me divertir antes de dormir, no escuro, num frio do cacete (Aquela casa era fria), ainda com os pensamentos sobre os bichos citados anteriormente querendo pular na minha jugular. Ele (o anjo da guarda masculino, soldado, de alguma maneira com voz grave e baixa, não me perguntem o porquê achava isso, foi a impressão que tive) iria me proteger sim, de qualquer saruê maluco metido a doido vampiro que tentasse agarrar minhas pernas e morder minha orelha. Mas era um cara! E nunca dava pitaco nas aventuras imaginadas antes de dormir! Não era a minha Diretora de Arte lá no fundo do quintal!

Não tinha problema algum com a bela mocinha de longos cabelos (jamais soube a verdadeira cor dos cabelos dela, variava entre castanho claro para extremamente escuro ou com reflexo de outras cores), ela me dava certeza que eu tinha liberdade de fazer isso na "presença" dela, já na frente de um marmanjo com pose de soldado não. Nokthnxplz. E assim a imagem das coisas foi desaparecendo para o que chamo de "Arrancada científica de puro furor".

Entre os 9 até meus 17 essa "Arrancada" foi do que sobrevivi criativamente. Me afundei tanto em livros e Ciências e coisas "concretas" que esqueci de anjos da guarda, saruês vampiros (Tá, vampiros não!), formigas que respeitavam doces, amigos imaginários que davam pitacos em histórias, tudo isso se foi quando saí do frio Sul de Belfalas para morar na árida e montanhosa Minas Tirith.

Traduzindo: saí de SC pra MG. Nada bom.

Outra cultura, outra língua, outra forma de se expressar corporalmente, outras roupas, outro clima, outros constrangimentos de adaptabilidade social, outro tudo. Os livros foram meu refúgio, a escrita mais ávida já que a cabeça de uma criança de 8 anos conseguia filtrar bem o que guardar e o que não guardar, agora quando você joga o mesmo tipo de informação em uma adolescente de 15 anos verás que não funciona da mesma forma. Eu escrevia até meu pulso adormecer, os dedos doerem até aos ossos, até o caderno acabar as folhas, até não ter mais nada além de minha pessoa olhando os manuscritos e não sabendo o porquê escrever tanto se não iria mostrar a ninguém. Não havia mais a moça de longos cabelos pra cutucar e me apontar furos no roteiro, não havia outra alternativa a não ser escrever até o ponto de exaustão e deixar ali esquecido até a próxima ideia brotar e ir lá escrever.

Conheci o trabalho do Professor J.R.R. Tolkien em 2000 durante um verão nos Portos Cinzentos (RJ) em que meu primo Arkafan me apresentou 2 opções de passatempo em uma casa lotada de parentes perto da praia no alto verão carioca: Cálice de Fogo da J.K. Rowling ou Sociedade do Anel do Professor.

Como minha veia infantil SEMPRE vai pulsar mais que a medieval-épica, fui ver o que o tal Harry Potter tinha a oferecer e li o Cálice de Fogo em menos de 3 dias, amei cada elemento e cada conjunto de ideias da autora, fiz meus primos enlouquecerem de tantas perguntas sobre os livros anteriores, fiz pior e montando teorias conspiracionistas, já desvendávamos o enredo do próximo. Sociedade do Anel era o próximo desafio, mas ao saber que sairia um filme sobre o livro (Que era uma Trilogia!), fiquei um pouco desanimada. Levei um bom tempo para devorar o livro todo por 2 motivos: a semana na praia acabara, e ler algo totalmente diferente do que havia lido anteriormente deu um nó lindo na cabeça.

E elfos! OMFG! Elfos! Sempre amei aqueles leprechauns malucos irlandeses que roubam seu cabelo quando você vai dormir, mas os elfos de Tolkien era tipo meu sonho de consumo como pessoa. Eram perfeitos, inquebráveis, imutáveis, imortais e consequentemente awesome. Até o Legolas eu tinha uma certa admiração - convenhamos, no livro ele é menos bobo - e dude! Dude! Que trem é esse de Hobbits?! NUNCA vi isso na vida, eles são fofos e mansos, e do Lar e nossa, como eles são eu... Amam comida, sossego, leitura e comida. E mais comida. Não, não gosto de erva, tá? Mas caramba, não tem como não se identificar com Samwise Gamgi (Persistência em proteger quem importa) ou Peregrin Tûk (Smartarse over 9000).

Livro 2 - Capítulo 6. Pronto, minha vida mudou!!!!!!!!!!!!!!!

E a mocinha de longos cabelos voltou, em sonhos, mas voltou. E não pediu por nada além de minha criatividade - que posso dizer é parte culpa dela, por assim dizer. Desde então, o que escrevo acaba de certa forma indo para o mesmo instante de brincadeiras debaixo de uma mangueira sem frutos, naquela casinha lá na Tiago da Fonseca (A casinha de madeira, não mais, mas a árvore está lá), em que mal imaginava que era possível transcrever as aventuras épicas que tinha dentro da minha cabeça, eu, eu mesma e ela (E o Murphy quando ele decidia pular em cima de mim). Essa busca incessante da Musa Inspiradora nem precisava ser feita porque ela já havia se instalado em uma cadeirinha ao meu lado desde a infância, e ali ela estava, só tirando o véu de invisibilidade e dando um tapa na minha orelha para eu acordar.

Alguns anos se passaram, algumas provações também, mas ela sempre estava lá. Não tão tangível quando eu era criança (Não, não tenho alucinações visuais com uma mulher de cabelos longos, muda e alta), mas que consigo "sentir" quando estou com os dedos tremendo para escrever algo. A gente aprende com os erros, isso é fato, o meu maior medo era de talvez, algum dia, ela se cansasse de esperar eu dar o tranco para poder voltar a escrever - períodos de hiatus + conchinha do Gary são necessárias para manutenção do sistema aqui - e fosse embora para sempre, mas não... Ela volta como se não quisesse nada em especial, não preciso exatamente voar da cama no meio da madrugada e vir escrever, ela espera eu terminar de dormir e me empurra um belo sorriso no começo da manhã para poder fazer o que tenho que fazer (No caso, escrever).

O ponto alto mesmo é quando ela aparece em sonhos, aí sim dá para ter respostas mais claras que brisas quentinhas nas oreia, cheiro de flores ou da maresia sem motivo algum ou aquela sensação esquecida de alguém estar segurando minha mão enquanto estou andando na rua (Porque, como eu disse antes, a mão sente falta de segurar outra mão). Hoje, excepcionalmente, ela deu uma visitada em minha vigília noturna, ajeitando um sonho maluco (Como sempre) em uma imensa casa, cheia de jardins congelados em um Inverno que estava derretendo, salões de muitas mesas decoradas com muitos adornos e coisas esquisitas, pessoas que desconheço pessoalmente, mas que sorriam e me conheciam, caminhos bagunçados em corredores diversos, todos iluminados por um Sol morno e agradável. Não importo se não há enredo ou aventura para esses sonhos em particular, apenas me sinto livre de poder encontrá-la onde sei que irei encontrar, e de saber que ela pode ser qualquer um e me surpreender mais ainda no mundo onírico.

Ela gosta de charadas visuais também, pequenos quebra-cabeças para se coletar nos cenários diversos e ir juntando pecinha por pecinha até formar um outro enigma. Confesso que meu estado emocional de agora não suporta tanto esse tipo de desafio mental, mas com ela tudo vale a pena, mesmo que vá me fazer sofrer um pouco, ou me faça parecer como uma completa boba no final das contas. Por ela, tudo vale a pena.

Alguém muito especial nomeou ela para mim, Lenore Pierre (E foi uma surpresa ouvir esse nome porque a única Lenore que conheço era a musa do Edgarzinho Poe), uma melíade (ninfas do freixo, tipo de madeira comum na Grécia, ela é devota de Afrodite) que ama morangos, coisas francesas, chás e de me pegar pelos calcanhares e me fazer perguntas indecorosas (Ou que eu não saiba a resposta). O carinho que tenho para essa mocinha em especial é como se ela fosse mais do que parte da família, mas de mim mesma. Um anjo da guarda - mas sem a armadura pesada e aquelas representações cristã-judaica que me dão medo - uma protetora, uma elemental da Terra. Por mais controverso que seja ao meu espírito científico-lógico, ela está aqui, provavelmente olhando essas palavras que digito e balançando a cabeça como se soubesse que isso não vai satisfazer as minhas necessidades básicas de criação e inventividade. Ela sabe que nunca vou ficar satisfeita, pois em parte, ela é culpada disso também.

Ao nomear a moça de longos cabelos, entendi que poderia ser mais direta em meus agrados e meu carinho, afinal de contas, passou-se muito tempo em que não fazia ideia de que ela estava ali, só esperando eu acordar da "Arrancada". Posso me dirigir a ela abertamente, invocar seu nome às vezes em momento de pura admiração (Ou quando desconfio que ela está aprontando alguma pra me mostrar o que devo fazer), ou simplesmente ter como mantê-la concreta, sem que minha mente já crescida, já abastecida e já danificada perturbe sua imagem de quando eu era criança.

No sonho, eu sabia que iria encontrá-la, mas não queria que fosse logo. Queria ter o benefício da dúvida, a dorzinha da espera, a angústia do esconde-esconde. Passar por tantos lugares na imensa casa era como revisitar todos os sentimentos que me deixavam feliz comigo mesma quando criança, o Sonhar às vezes me lembra do quanto posso ser mais do que tudo nesse mundo, e é bom lembrar disso todos os dias antes de acordar. Na brincadeira de enigmas e esconde-esconde, há segredos revelados, promessas baixas e um pouco de ironia também, Lenorezilda não deixa pontinho sem nó, mas ela gosta de mostrar que eu posso fazer o ponto também, não só ir lá e fazer o nó. Ela mantém essa aproximação restrita a certos momentos por saber que posso me embriagar nisso (Certa vez o fiz, nada bom, nada boooom), que posso me convencer que aqueles salões imensos de mesas decoradas é o meu Lar (Assim como a mangueira sem frutos) e não aqui, na vida real, no apto pequeno, no frio danado de Belfalas, longe de todo mundo que me importa nesse mundo. Ela sabe os meus limites e minhas fraquezas, ela sabe que posso ficar presa a algo ou alguém que minhas esperanças ou motivações vão além do que é realmente esperado. Ela sabe onde mais dói, onde mais irrita, onde mais constrange, ela sabe de literalmente tudo.


E ela sabe quando ao aparecer em meus sonhos, vai me dar coragem de voltar a escrever coisas sem noção (Confira esse post desde o começo!) ou extremamente fora do padrão que tento enquadrar. Ela é a Musa Inspiradora, a Clio, a garotinha ruiva do Charlie Brown, o movimento fluído no canto do olho, que ao virar a cabeça pra ver o que era, não era nada, ela é o conforto no travesseiro quando me deito, é também a sensação calma de que tou indo na trilha certa sem chutar nenhuma pedra no caminho, ela é a Ângela no estado mais puro de Changeling, a Morgan no estado mais sombrio, a Claire em seu apelo mudo dentro do case de violão, ela é a protagonista de praticamente todas minhas fantasias corriqueiras, é a troll-master que me engana direitinho e me faz de boba sempre, é meu Norte para qualquer coisa que eu possa considerar "religiosa", ela é o ponto de Equilíbrio entre o "Amar" e o "Querer", às vezes ela é a minha Fome também, tanto literal quanto figuradamente, porque canalizar o segundo tipo de "fome" pode me confundir seriamente e me deixar fora do ar por algumas horas. Ela é quem sempre procurei a minha vida toda e sei que não vou ter completamente. Ela é a Diretora de Arte, a Editora-chefe, a atriz principal.


Ela é a Noiva.
Foi assim que ela se apresentou a mim há 3 anos atrás em um jantar a luz de velas em uma casa bagunçada pela eminente mudança de Estado. E sinto saudades todos os dias de ter algo tangível com ela, mesmo sabendo as limitações que isso possa me trazer futuramente.

Então vou me contentar com esses fluxos intermináveis de inspiração que ela me traz - desconfio que seja mais como jogar purpurina em cima da minha cabeça quando acordo - e sossegar o facho. É disso que preciso antes de voltar para rotina da "Arrancada científica de puro furor", preciso encontrá-la mais uma vez, nem que seja por sonhos e dizer algo prestável. Um "Obrigada" seria bom, um "Eu te amo" seria desejável, mas o máximo que consegui expressar quando estive hoje sonhando com ela foi:

" - Vai comer esse docinho aí?" - apontando para o brigadeiro na mão dela. Sim, sou péssima com a eloquência em sonhos assim, e sim, acordei com vontade de comer brigadeiro, foi inevitável.



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