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02 março 2014

[conto com Angie] a amazona de prata - parte 1

[cenário: trailer debaixo do viaduto, grupo de caçadores de quimeras estão em seu disfarce habitual, comendo cachorro quente e papeando sobre o que farão em seguida no próximo contrato. Uma jovenzinha de 20 e poucos anos chega esbaforida, passos desacertados em seus saltos altos plataforma chamando atenção de todos.]

 - Galera, galeraaaaaaaaa!! - e quando os trabalhadores noturnos na pausa olharam para ela. - Não vocês, galera! Acertamos o bingo amanhã, Zé Ferreira? - um dos trabalhadores levantou o copo de plástico de refrigerante e falou algo com a boca cheia. E chegando nos companheiros de caçada, ela firmou-se bem no lugar e pediu atenção com gestos dramáticos. - Parem tudo que estiverem fazendo! A-G-O-R-A! - os companheiros olharam para ela com cara desconfiada. - É, todo mundo, até você aí que não aparece muito... Prestenção, óia só que barato!

"Tava lá eu dentro do buzão certo? Aquela galera de madrugada, tudo meio sonolento, meio pra lá, meio pra cá, belezoca, eu tinha tirado meu cochilim, tava meio grogue por conta da festa... Não, naõ me perguntem que festa, sou uma dama e tenho uam reputação a zelar... Aí do nada, assim DO NADA!! olho pela janela esse buzão enorme pegando fogo! Piração na soda!!

O motorista acelerou mesmo com gente tendo que soltar ali perto, mas parecia ser tumulto de manifestação, mó doidera! Uns manés lá na frente começaram a gravar, como se desse, gente gritando, batendo pedaço de pau nas lixeiras, muita confusão, nada a ver com nada e aí BAM!! o buzão em chamas soltou essa rajada de sei lá do quê e putisgrila um dragão enorme!!"

 - Dragão ou dragonete? Há diferença... - perguntou Smithens, o baixinho carrancudo palitando os dentes.
 - Deixa eu explicar, por favor? Tou empolgada na narrativa aqui...

"Um imenso dragão flamejante wtf sei lá das contas!! Claro que ninguém viu, né? Só feérico pode ver esses trem, muuuuuita piração na soda, tou falando... Aí a coisa começou a bafejar ar quente na galera já alterada, tava chamando rebuliço pros camarada, pode?! Os metralha foram descendo né? Com fuzil, colete a prova de tudo e já descendo o couro nos que tavam na frente...."

 - Peraê, isso aí não é por causa daquelas manifestações bobas que os Filhos-mais-Novos estão fazendo por aí não? - foi a vez do Pomposo perguntar com incredulidade, o olhar que Raine deu a ele o fez se aprumar no lugar. Ela era a favor desse tipo de reação popular, pois trazia novos sonhos e expectativas para aquele mundo tão cinzento, apenas não concordava com o oportunismo de uns que se aproveitavam da violência para chegarem aos seus objetivos.
 - Era não, sô... Era coisa mais grave. Esses trem de policial entrar no morro e sair atirando a esmo? Pois é...

"Mas a bagunça tava feita e feia! O dragão baforando o povo, jogando aquela carga negativa ruim que essas quimera maluca faz na gente quando não sabemos o que fazer... Acredite, já enfrentei mais do que devia..."



 - É por isso que se recusa a abrir o armário de limpeza da copa...? - perguntou aquele que não aparecia muito, mas que Angie se recusava a falar durante aquela semana, haviam brigado novamente, e de novo, parecia um loop eterno de desencontros, farpas e silêncios.
 - Era uma quiemra dracônica elemental de fogo na minha frente, tá? Não tenho tempo pra me preocupar com armários de limpeza da copa...
 - O que eu encontrei lá explica bastante esse seu temperamento...
 - Olha, tou tentando alertar um trem perigoso aqui e cê quer ter mesmo essa conversa?
 - Como podemos garantir que vocês está em seu estado normal de consciência?
 - Ele tem razão Angie... Você usou uma vez e a doutora disse que ficaria alguns dias ainda em transe... - disse Raine com certa amabilidade pela garota.
 - Escuta, povo! Tem uma ultra-mega-blaster quimera na quitanda e vocês tão no modo "intervenção do ano"?!
 - Deixa a pirralha falar, oras! - resmungou Smithens interessado no que Ângela falava.
 - Pois bem... - concordou relutantemente Stardancer, cruzando os braços. Raine se levantou devagar do lugar e passou perto de Angie, não sentiu nada alterado em sua aura feérica, apenas a empolgação normal que ela sempre excedia quando estava contando uma história.

"Certo, quimera flamejante, ultra-mega-blaster-módafóca dragão e tudo mais! A galera embaixo já saindo no pau com os milicos, é pau é pedra é o fim do caminho, rapá! Eu sentindo que ia dar problema se aquilo ficasse muito tempo soprando no ouvido dos outros, decidi soltar né?"

 - Você o quê?! - Emilio que estava dentro do trailer deixou a a espátula cair na chapa com o ovo de forma perfeita se desalinhar e esparramar tudo na grelha.
 - Aaaaaaah essa pirralha tem coragem, sabia! - riu Smithens dando um tapa em sua coxa robusta.

"Tava lá eu, né? Sozinha, desci, motorista gritando que não ia parar, mas tinha muita gente que ia pra Luz sacas? Sabia que não ia conseguiri catar o Zé Quimera sozinha, mas pelo menos distrair o bicho eu ia! Tava perigoso demais! Bicho assoprando, gente já levando porrada nas fuça, muita bagunça, uia! Dei a volta na quitanda, passei pela pracinha e tentei atrair o bicho pra lá..."

 - Ih caramba... Mestre Marcelo não curtiu isso... - opinou o garçom manco, Toby, passando por eles e pegando mais outra leva de comida para as mesas lotadas de clientes da madrugada.
 - Onde tá esses caras quando a gente precisa?!
 - Eles viajaram com a alcatéia...
 - Ah, eles tem nomes bonitos agora?
 - Não implica...
 - Quem não implica, se estrumbica, Toddynho meu... - ela cantarolou dando uma piscadela para ele.

"Dei a volta, fui ver se os doguinhos de madame estariam lá né? Podiam me ajudar a manter o bicho de fogo na encolha, aí aconteceu..."

[A garota de saltos altos impossíveis e roupa cyberpunk fez um gesto dramático no ar. Os companheiros de caçada a olhavam com atenção.]

 - O que ela tá fazendo? - perguntou Smithens para Toby.
 - Pausa dramática. - Toby respondeu rapidamente.
 - Não estraga o momento, pô! - ralhou Angie para os dois e continuou.

"Na ascensão da aurora no horizonte cinzento, entre paredes de concreto e vigas de metal, altos tabernáculos e torres neoclássicas, aí vem... Prateada, pura e sólida, empunhando uma espada de fio afiado, ilimitado, doloroso de se tocar... escudo sem sigil, um escudo vazio, pronto para golpear e defender o cavaleiro sem sua montaria...!"

[Todos esperavam o restante da narrativa, um tanto exaltados... A jovem feérica estava no auge de sua empolgação criativa de narração de histórias e isso não passava despercebido pelos outros]

"Cavaleiro sem montaria? Não, amazona! Alta, austera, foooooooorça na peruca! Pele ébano como os nossos ancestrais, braços armados de corrente, de ferro, não! Aço! Pulou sei lá da onde, veio do céu! Brotou da terra? Primeiro golpe: ZÁS!! Bafejador de intriga e revolta ralhou nas venta! Uuuuuuuia!! Chamou o a quimera no cantinho, fez a finta e BANG!! Escudo na cabeça dura do mané cheio de azia quimeral... O trem tomou forma, gente! De fumaça! Ficou carrancudo que neeeeem... Terceira porrada! Essa foi da quimera, derrubou a menina no chão, os milico não ajudaram muito, acho que estavam sob efeito da revolução do dragão baforento... Tentei chegar perto pra ajudar, quase levei rodopio de cassetete no braço, desviei né? Sou ágil! Fiz as minhas lições direitim com a Raine.

Joguei pedra nos milico! Não podia deixar a menina se distrair não! O bicho tava tomando forma bruta, muita fumaça, muita tossida, muita gente caindo pelos tamancos por conta do calor, o BUUUUUUM!! O trem explode!!"

 - Que trem? Não era um ônibus? - perguntou Smithens perplexo e confuso.
 - Era um ônibus, caro ferreiro... - explicou calmamente Stardancer para o baixinho - Essa é a forma como ela se expressa para coisas que ela não consegue entender ainda...
 - Boa! Vou te chamar de Trem agora. Talvez faça efeito. - disparou a menina com sarcasmo, o olhar do antigo mestre não a intimidou, mas a deixou desconfortável.
 - Tantos nomes já tive e nenhum deles me incomodou até então...
 - Oh se soubesse a lista de nomes que andei catando por aí afora, aí ficaria preocupado...
 - Você o quê?! - o murmúrio de Stardancer fez a garota sorrir de orelha a orelha, conseguira finalmente atingir um ponto fraco. Se é que era, mas a lista de nomes era mesmo enorme.
 - Fica tranquilo, Gaimer... Nenhuma informação coletada pela menina nas suas andanças foi prejudicial... - assegurou Raine com seriedade. Todos ali sabiam muito bem que quando um feérico tinha muitos nomes, problemas vinham com eles.
 - E a guria, o que aconteceu?! - Angie deu de ombros.
 - Sei lá. Na primeira bordoada do milico, saí correndo pra não levar bola de borracha ou gás nas fuça. Saí varada!
 - E toda essa narração foi...? - perguntou Pomposo terminando de fechar o score mais alto de um joguinho de seu celular.
 - Olááááá?! Eu não sei o que aconteceu com a quimera módafóca flamejante! Só ouvi dentro do outro buzão que a coisa lá na quitanda ficou feia e deu gente em hospital e tudo mais... - Raine prontificou-se já tocando o braço de Pomposo, Smithens e Stardancer.
 - Cavalheiros, temos um dragão quimérico para amansar... Smithens, preciso de bélico de primeira.
 - Sim, Chefia, mando brasa com os ferros... - disse o homem baixinho estalando os dedos e ajeitando o pouco cabelo em sua cabeça. - Em 10 minutos tou na quitanda com o carrinho.
 - Perfeito. - disse Raine com convicção, beliscou o queixo de Pomposo para que ele tirasse os olhos do celular.
 - Já tou mandando o garoto-inseto pra lá. Ele vai adorar capturar um desses pra coleção. - disse o bonitão do grupo e com um sorrisinho malicioso completou. - Essa vai render uma quantia boa... Tou escaneando a região...
 - Stardancer e eu iremos verificar o perímetro. Talvez essa quimera esteja enraizada além do ônibus pegando fogo. Temos que tomar todas as precauções. - o quieto nômade do Caminho Prateado passou perto da antiga aprendiz e tocou seu ombro de leve, Angie tentou disfarçar sua dor com um tapa bem dado na mão do homem mais velho.
 - O que que é hein? - o olhar dado por Stardancer fez Angie querer soltar mais outra baforada de provocações, mas ele apenas indicou com a cabeça o cliente solitário sentado perto do trailer, devorando um sanduíche enorme como um esfomeado. Ela o olhou com cara de "Não, não, eu não!", Stardancer apenas beijou a testa dela e se encaminhou atrás de Raine.
 - Hey! Eu quero ir! - exclamou Emilio tirando a touquinha de proteção de seus cabelos e já descendo do trailer. - Vocês não se atrevam a me deixar de lado com uma quimera dracônica aí fora!
 - Sim, vai lá Emilio! Pode ir que eu e o Toby vamos cuidar aqui do trailer... De boa... - complementou Angie com entusiasmo, o cozinheiro deu uma olhadela longa nela e verificou suas pálpebras.
 - Ñinha, você já se arriscou demais chegando perto dela, trata de ficar sossegada aqui. - e para os trabalhadores. - Rapaziada, vou precisar fechar cedo! Todo mundo acertou a conta? - os trabalhadores concordaram em sua maioria. - Toby, fecha o caixa, termina de servir ali o senhor Walter e leve essa menina pro Hotel.
 - Mas... mas... mas...! - Angie foi protestar, mas Toby a abraçou forte pela cintura a afastando do trailer. - Eu sei virar hámburguer na chapaaaaaa!! - os caçadores atravessaram a grande avenida do viaduto e sumiram na próxima esquina. Toby a colocou sentada com o cliente de capote maltrapilho, barba emaranhada e grandes olhos verdes, esfomeado como sempre.
 - Qualquer coisa que ele querer, me fala tá?
 - Esse cabra ganha lanche grátis e eu não?! - Angie ficou indignada quase derrubando um saleiro na mesa, o mendigo pegou na hora. Toby deu de ombros.
 - Ordens do Chefinho... - a menina se virou exausta e ofegante.
 - Tá... Então filhotim de cruz-credo... Como está se sentindo?
 - Faminto.
 - Bem, temos algo em comum... - o olhar esverdeado perdeu o brilho ao encarar a jovenzinha muito maquiada. Angie fazia circulos em espiral com um palito no plástico que cobria a mesa. - A eterna fome dos curiosos... A guria de escudo e espada é tua?
 - Não que eu lembre...
 - Não seria teus zumbi, não?
 - Não. - e enchendo a boca com uma mastigada - E não sou zumbi.
 - Mas tá meio aqui, meio lá, nem coração tem.
 - Meu coração pertence a outra pessoa.
 - É, tou sabendo... - e chiando baixinho para aliviar a dor que sentia por enfrentar uma quimera tão poderosa, ela tirou algo do bolso da jaqueta parcialmente suja e chamuscada. - Isso aqui serve? - mostrando uma escama de tamanho de um palmo para ele, o mendigo mastigava seu lanche com cuidado e fungou ao tomar um enorme gole do refrigerante de fruta.
 - Não sou capaz de fazer efeitos com materiais ígneos, menina...
 - Ah carambolinhas! Me estressei toda por nada?
 - Mas há quem faça.
 - Opa, isso me interessa. Quem? - Sir Walter deixou o sanduíche no pratinho de plástico e ajeitou as costas. Arrumou a barba atrapalhando seu gesticular e estalou a língua para poder falar no idioma da garota sem errar nenhuma palavra.
 - Conhece alguma Salamandra?
 - No mangue?
 - Não, Salamandra Real?
 - Talvez uma, não tenho certeza, ela meio que não se apresenta assim... - ele deu um sorriso fraco de dentes falhos e voltou ao seu lanche. - O que eu faço com isso?
 - Você que sabe. Não é você que levanta os mortos do túmulo?
 - Opa, peralá que você foi o primeiro! E nem morto estava, só meio... passado do prazo de validade...
 - Sinto falta dos chás da Lenore... - ele desabafou, dando a última abocanhada no lache. Angie também suspirou.
 - Eu também, Sir Walter... Eu também...

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