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18 janeiro 2015

[Projeto Feérico] Conversas ao amanhecer

Título: Conversas ao amanhecer (por BRMorgan)

Cenário: Original - Projeto Feéricos.
Classificação: PG.
Tamanho: 1808 palavras.
Status: Completa.
Resumo: Após uma noite de comemoração, Raine e Angie discutem sobre o que é o Amor.
Personagens: Angela, Raine.

A comemoração da noite anterior fora um sucesso-desastre. Sucesso, pois a caçada ao monstro do Lago (Que nem era tão monstro assim) havia sido finalizada, com grandes expectativas para o próximo contrato e uma recompensa muito boa para os Caçadores de Quimeras. Desastre, pois boa parte da recompensa agora estava depositada em grandes barris de cerveja envelhecida que abarrotavam a sala de jogos e Hall do Hotel.

Do chão perto do sofá na janela, uma figura meio torta tentava pegar uma caneca com mais líquido fermentado de cor escura e aroma achocolatado, uma mão esguia de longos dedos estapeou a mão pequena e com um grunhido depositou um copo d'água e comprimidos contra ressaca. Outro grunhido foi a resposta, o próximo grunhido foi abafado por um corpo maior se sentando no sofá confortável e se deixando deitar com a cabeça no braço de madeira antiga.

 - Bom dia, raio de sol... - rasgou a voz sonolenta de Angela, Filha dos Ventos, para a líder do grupo Raine. Pela tonalidade nada harmoniosa da menina Eshu, a Sidhe percebeu de imediato que alguém ali estava pior do que ela na questão da bebedeira.
 - Dia, querida Angela...
 - Quem colocou esse efeito legal no teto?
 - Que efeito?
 - Ele tá girando...
 - São apenas seus olhos, querida... - respondeu Raine com um leve sorriso no rosto pálido, olhos verdes ainda lânguidos pela quantidade de álcool circulando em seu corpo.
 - Cadê todo mundo?
 - Cansados e embriagados...
 - E o Tobbinho?
 - Debaixo da escada em sua forma mais branda...
 - Como é que ele consegue beber tanto e virar cachorrinho de madame depois? - perguntou a menina levantando a cabeça.
 - Segredos da natureza dos lupinos, menina...
 - Cara, o que que tinha nessa stout...? - a mão de Angela foi automaticamente para a caneca com a bebida, mas Raine a tirou de perto com um olhar fulminante, mesmo ainda anuviado.
 - Chega de levedo por hoje.
 - É malte! - disse Angela com certa aspereza.
 - Não discuta, sou sua Rainha. - Raine colocou o ponto final na conversa com um pouco de sarcasmo, a menina Eshu fez uma cara fechada, mas logo sorriu bobamente.
 - Oh sim Majestade... - tentando reverenciar Raine, mas falhando miseravelmente por sentir o corpo pesado demais para isso. Deixou sua cabeça quicar ao chão e boca amarga do sono induzido pela quantidade de cerveja que tomara.


Momentos em silêncio tomaram conta da sala de jogos, a mesa de sinuca estava bagunçada com bolas de bilhar, tacos espalhados, cartas de pôquer jogadas, cinzeiros revirados e alguns objetos perdidos (Provavelmente os donos viriam reclamar após se sentirem um pouco menos incapacitados pela bebida). O placar que anunciava os times de sinuca estava coberto por pó de giz, rabiscos inteligíveis e uma carinha smiley desdentada. o sol ainda não havia aparecido lá fora e a fina cortina de tecido claro não denunciava seus raios na sala mais escura do edifício. Raine se ajeitou no sofá, esperando que o remédio caseiro desse jeito de levar aquele torpor de bebida fora de seu sistema, já Angela estava largada no chão, em seus pijamas favoritos, joelhos encolhidos perto do estômago e de vez em quando balbuciando algo para o pé do sofá.

  - Angie... O que é o Amor pra você? - perguntou a feérica mais velha, esperando uma resposta completamente aleatória.
 - Peraê que você tá sendo reducionista demais... Filtra esse trem aí... - resmungou a menina, tirando os cabelos negros da frente dos olhos e ficando de barriga para cima para respirar direito.
 - Somos ensinados desde pequenos a nos preparar para esse sentimento sublime... Mas poucos conseguem atingir essa perfeição... O que é o Amor para você?
 - Não seria melhor perguntar: o que raios eu penso dessa coisa toda de namoricos?
 - Não foi exatamente isso que quis dizer...
 - Raine, com todo perdão de minha pobre educação nômade, mas estamos claramente bêbadas, o sol nem veio ainda e você tá me perguntando o que é Amor? - a menina falou isso rapidamente, tirando uma risada rouca da líder que cobriu seus olhos com um dos braços. - Cê não tem o que fazer não?
 - Eu amo a Caçada. - disse Raine em tom ameno e de certa forma... gentil (Nada usual para ela). - Amo correr entre as árvores, farejando o ar, descobrindo as pistas que a Mãe nos deixa escapar a cada passo na relva, amo rastejar entre as folhas caídas, a terra batida de chuva e orvalho, espreitar entre os arbustos, preparar a armadilha perfeita e finalmente... - fazendo menção de segurar um arco e flecha, apontando para o teto. - Isso me excita, fascina, me adormece...
 - Eu prefiro uma macarronada com queijo... - suspirou Angela se endireitando no chão, joelhos dobrados para cima e mãos no estômago. - Essa coisa aí é difícil dizer... Cada um tem sua visão... Você ama caçar... Eu amo comer... Tobbinho ali ama fazer xixi no poste... Emilio ama ajudar os outros, Pomposo ama dar uns pegas em menininhas inocentes e não sei o que o Smithens ama...
 - Resmungar... - as duas riram ao mesmo tempo tomadas pelo efeito da bebida. Ao se recuperar, Angela suspirou fundo e decidiu tomar a água com o remédio, queria estar melhor antes do meio-dia.
 - Você já se apaixonou nessa vida, menina nômade? - a pergunta pegou a mais nova de surpresa, mas como a resposta era claramente simples, Angie apenas negou com a cabeça. Os olhos intimidadores de Raine se abriram em surpresa. - Está mentindo pra sua Rainha?! - a mão da menina levantou pedindo um tempo, estava no meio de um gole generoso da água após colocar o comprimido na boca, se recompôs um pouco, ajeitou a postura e pigarreou.
 - Meu objetivo não é esse... Tipo... Objetivo de vida, o que seja... - disse ela seriamente, Raine virou-se lentamente para ouvir a menina Eshu falar, eram esses os raros momentos em que a herdeira de Hibérnia sabia que os anos de andanças da Filha dos Ventos traria à tona alguma resposta a angústia particular dela. - Perguntar o que é Amor não é exatamente colocar tudo em uma categoria, certo? - Raine sorriu consentindo. - E aposto que você só perguntou isso pra me ver tagarelando né?
 - Mais óbvia que isso, não consigo ser.
 - Alguma coisa em que eu possa ajudar em particular? O que é o Amor para você então?
 - Eu amo a Caçada. Não amo como os amantes e as bonitas histórias da Corte. - Angie suspirou profundamente para ela. - Isso me irrita, pois sei que meu objetivo aqui é exatamente esse: a Caçada. Mas o que será de meu futuro se a bênção de Danuu nunca chegar a minha porta...? - a última frase foi como um sussurro, envergonhado, contido, sem jeito.
 - A Vó Danuu tem os modos dela... - Raine riu sonoramente pelo tratamento informal que Angie tinha com os deuses de sua espécie. - Talvez não seja esse o modo como todos romanceiam, ou talvez as músicas sobre não estejam certas... Já percebeu que a maioria das músicas que falam de Amor sempre acabam tristes? - pontuou a menina com a caneca e tomando outro gole. - Por que essa necessidade estúpida do ser humano de chorar pitangas quando estão apaixonados? Por que então sofrer mais sentindo Amor do que outro sentimento? Definitivamente nunca vi alguém com dor-de-cotovelo em um balcão de boteco por odiar alguém, cê já viu? - Raine concordou muda, havia algo ali por trás das palavras misturadas que fazia uma pequena linha de raciocínio brotar em sua mente. - Amor é algo que os deuses inventaram pra ver a gente fora de nossa normalidade. O que pode ser bom... e ruim ao mesmo tempo. Talvez os segredos da Mãe sejam apenas mal interpretados pela gente... Somos pequenininhos perto dela, tipo micróbios, bem bem bem beeeeeem pequenininhos assim... - Angie foi sinalizando suas palavras com os dedos da mão esquerda como se estivesse reduzindo algo imaginário. - Talvez o seu Amor pela Caçada seja o grande mistério a ser desvendado. Talvez você queira encontrar razão por não seguir o que esperam de você, mas no final das contas a Caçada é que te faz sentir viva, completa, perto da Mãe Danuu...
 - Vó Danuu... - corrigiu Raine tentando ser cômica, Angela fez uma careta e segurou os peitos ofendida.
 - Hereeeege! Falando assim da Mãe de Todos!
 - E você pode?
 - Sou café com leite no esquema do Universo, posso tudo... - e levantando a mão - Menos rodas gigantes... Não consigo suportar rodas gigantes...
 - Angela... - Raine riu-se e voltou a olhar o teto com certa tranquilidade instalada em seu coração. Algo estava para acontecer em breve, ela sentia isso, apenas não conseguia saber se sua angústia era derivada de tudo que os outros colocavam em seus ombros ou se eram seus extintos mais primitivos gritando que algo faltava.
 - Nunca me apaixonei porque essa não é a minha meta aqui, agora. - a menina apontou para o chão - Há muitas coisas a se fazer nessa vida, nessa aqui, nesse Tempo, nesse pequeno espacinho que me foi ofertado. Amar não é um luxo que eu possa me reservar a ter. Se já tive vontade? Várias vezes, e como! Tantas pessoas interessantes que conheci nesse caminho prateado! Poucos que me cativaram em segundos, mas mesmo assim... - a garota olhou para a mais velha, deitada no sofá, segurando o olhar pensativo para as cortinas ao seu lado no sofá. - Eu acho que... Interpretamos o Amor de forma muito muito muito parcial e egoísta. E acho que você não deveria se prender a essa concepção que tanto te ensinaram desde pequena... - a voz de Angie estava mais sóbria e séria. - Myrna Reiners... Se sua vida é caçar, então se deixe caçar. Não complique aquilo que é simples. Isso sim é Amor: simples, prático, indolor. Como uma flecha que você gosta tanto de atirar... - a linha de pensamento de Raine foi tomando forma, como um nevoeiro se dissipando para mostrar a real paisagem.
 - Sua sabedoria me atormenta, pequena Eshu...
 - Ah cê sabe... Tou aqui pra isso... - silêncio entre as duas, Raine franziu a testa e virou-se para a garota no chão.
 - Por que me chamou de Myrna? - Angie deu de ombros como quem não quer nada.
 - Porque sei lá... Gosto do som das sílabas? - Angie levantou em um movimento só e pegou a caneca com stout, tomou em uma golada só e botou a lingua pra fora, indo para a cozinha. - Blergh, tá quente!! - exclamou arrastando os pés. O olhar de Raine ficou estático debaixo da mesa de bilhar.

Um crachá de Hospital.

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