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29 maio 2017

[Projeto Reverso] a geladeira

Título: A geladeira - parte 4/12. (por BRMorgado)
Cenário: Original - Projeto Reverso.
Classificação: 18 anos (violência, linguagem imprópria).
Tamanho945 palavras.
Status: Incompleta.
Resumo: A viajante acidental no tempo pensou que havia parado no presente, mas uma surpresa a aguarda na porta da geladeira.
N/A: Projeto novo na área, Reverso será uma compilação de 12 contos pequenos sobre uma mesma situação, ambientada em um mundo atemporal ao nosso com um grupo de pessoas tentando escapar de alguma catástrofe eminente, o básico de sempre, sabe? E viva os universos paralelos que os sonhos nos proporcionam! Sim, a ordem dos contos está toda embaralhada \o/

SEM TÍTULO [1] - MÁ REPUTAÇÃO [2] - SEM TÍTULO [3] - A GELADEIRA [4]
SEM TÍTULO [5] - SEM TÍTULO [6] - COMO ANDAR DE BICICLETA [7]
A CONTRABANDISTA [8] - SEM TÍTULO [9] - SEM TÍTULO [10]
SEM TÍTULO [11] - SEM TÍTULO [12]

Trilha sonora:





Abriu a geladeira com os olhos pesados, observando a quantidade de água armazenada e o pouco de comida a ser degustada. Estava com sede mesmo, abriu uma das garrafas e sorveu metade em uma golada só. A solidão iria acabar logo, logo. Se estava mesmo na linha temporal que os cálculos do maldito fizera anos atrás, estaria agora no presente que era seu.

Dá última vez que beberá água de verdade, sem ser feita em laboratório ou colhida da chuva radioativa, filtrada tantas vezes que ainda tinha perigo de estar contaminada, fora algumas horas atrás. Diziam que água não tinha gosto, mentira, aquilo sim tinha gosto de vida. Pura e incessante vida. 

Fechou a geladeira, percebeu que haviam consertado a porta (da última vez que estivera ali, tinha que subir um pouco a porta para encaixar no buraco feito improvisadamente para fechar com a corrente e o cadeado) e girou nos calcanhares para o balcão da cozinha improvisada.



Tudo no laboratório havia se tornado em móvel da pequena morada que conseguira com a matança dos cornudos lá no vale. Meritocracia do caralho que sobrevivia mesmo depois de um colapso na sociedade capitalista. Certos hábitos não morriam, e escavar sucesso para deixar o resto se afundar no buraco cheio de lama era a única forma de subir de posto naquele lugar. 

Bebeu mais da água, soltou um arroto, refluxo. Acontecia sempre quando o estômago estava vazio e recém acordado. Viajar no tempo não era tarefa fácil. A maldita máquina do maldito deixava impressões fixas em seu DNA e aos poucos sentia algo ferrando com seu sistema imunológico, mas ao mesmo tempo dando uma resistência sobrenatural para as violações do mundo. 

Levou uma enxadada na cabeça da última vez, por uma boa razão, tentou roubar comida do grandão dos cornudos, e levou a pior. Mas fazer o quê? Tava com fome, e o resto do bando também. Canibalismo não era uma opção, não quando se sabia o que acontecia com os corpos de quem morria contaminado. 

Bons tempos de botar balas nas fuças de zumbis. Bons tempos. Rendia pesadelos medonhos, mas a euforia após cometer o assassinato de sua própria espécie era grande demais para ignorar na coisinha de hipocrisia que o governo provisório da época tentou acobertar. Aí tudo desandou mesmo, cada um por si, os sem cérebro contra todos, os cornudos nem hesitaram em atacar vivo e morto. 

Arrastou os pés para chegar ao armário de mantimentos, sabia que guardava um naco de tabaco dentro do torrão de carvão que mantinha tudo livre da umidade e cheiro ruim, abriu e desconheceu o conteúdo dali. Leite em pó, comida enlatada, papinha de bebê, ração pra gente (mas tinha gosto de ração de cachorro). 

- Mas que porra é essa? 

Um grito estridente e infantil soou na pequena cozinha mal iluminada e que antes era seu laboratório particular. Aquele som parecia não cessar, uma das mãos foi direto para a faca de caça que sempre guardava na cintura. Seja lá o que fosse, quando o pânico e o medo a sufocavam, cortar a garganta das criaturas sempre resolvia. A outra mão foi para o ouvido ainda bom, tapando como dava. O grito deu lugar para um chamado estranho:

- PAIEEEEEEE!!!!!!!!! 

Avançou em passos largos em direção a ameaça mirim - era possível uma criança humana gritar daquele jeito?! - E com um grunhido para apavorar o oponente que só via a silhueta na escuridão, teve uma surpresa: imensos olhos verdes, tão expressivos, cheios de lágrimas a caírem, o grito estridente voltando com um choro amargo, desolado e desesperado. 

Recebeu o tiro no meio do peito e foi jogada contra a geladeira, amassando a porta da geladeira, da mesma forma com o sulco para dentro quando atuava naquele laboratório anos atrás (Ou anos que viriam?! Onde raios a máquina do maldito a jogará dessa vez?). O sangue morno recém estabelecido inundou seu interior despedaçado pela brutalidade da bala dundum da espingarda que fizera parte da sua infância. A mesma que vira o velhote Adrian botar na boca e puxar o gatilho quando foi mordido por uma daquelas coisas das profundezas. 

É, estava no passado. Não no presente como achou que seria. Nem tinha nascido ainda. Tava ali, circulando nos testículos do babaca redneck que empunhava a espingarda, aprontando outro tiro. Seu corpo escorreu devagar da geladeira para o chão, em uma dança lenta e macabra, sangue saindo por todos os órgãos destroçados no processo, pelo menos não atingira o rosto desta vez. Abriu a boca para dizer algo, qualquer coisa, mesmo que fosse um grito. A menininha de grandes olhos verdes ainda gritava histérica, a mãe chegara correndo, ventre avantajado, puxando a menina para longe da cena grotesca. 

É, não circulava mais nas bolas do redneck, estava ali mesmo, na sua frente, fecundada, nutrida e logo a ser parida. Não lembrava de ter uma irmãzinha.

Sua cabeça quicou ao atingir o chão. Pensou se o fato de morrer na frente de sua progenitora e o redneck babaca ia causar um paradoxo. Pelo tanto que vivera, não tinha feito diferença alguma, pois a progenitora morreu ao dar a luz, o babaca redneck a vendera pros pesquisadores para trabalho infantil escravo e soubera depois que ganhou muito dinheiro com um orfanato de nome esquisito. Da menininha que se apaixonara a primeira vista quando ficara mais velha e senhora do contrabando de drogas alienígenas, apenas vislumbrou um momento de reconhecimento. Ela parara de gritar e segurava o rosto com ambas as mãos quando ficava sem reação e catatônica. 

Como andar de bicicleta. Em seu último suspiro, encarou bem a menininha, deu uma piscadela e murmurou sem voz: 

- Solidão, acaba logo...

[continua em 5/12]

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