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07 novembro 2017

a privação predatória

A tradução tá bem por cima, gente, mas a mensagem... Foi realmente lá onde queria chegar quando penso nessa de socialização de gênero e vivência como pessoa não-binárie e sim o que ando lendo sobre experiências das pessoas nisso tudo - se substituir algumas coisinhas ali, encaixa direitinho em como muit@s vivem.

~ Todas as lésbicas com que falei concordam que uma das coisas mais humilhantes e desmoralizantes é ter uma garota hétero pensando que você está (conversando) vindo até elas simplesmente porque você gosta de garotas e isso ... realmente ferra com nossos relacionamentos platônicos e românticos, porque enquanto as outras garotas se sentam nos colos das outras, e dormem nas mesmas camas e pegam na bunda umas das outras por diversão, estamos colocando tantos muros apenas no caso de nossas amigas héteros (não) acharem que estamos atrás delas.
e por nossa concepção de relacionamentos com outras meninas em geral é tão fodido e reprimido que não temos idéia de como navegar em nossas emoções quando realmente nos atraímos por uma garota e queremos chegar perto.
Vocês reblogando com "as meninas hétero / caras gays experimentam isso também" ... .nah, isso não é sobre pessoas que pensam que você as quer, é uma experiência excepcionalmente atrofiante para lésbicas que estão excluídas do desenvolvimento de amizades e se comportando ao redor de outras garotas de formas em que todos somos socializadas para (entender que), porque nos julgamos / os outros nos julgam como "predatórias"




Esse tópico me é particularmente delicado por ter/ser/absorver esse julgamento de "predatório" sem ao menos fazer jus ao título. O que a heteronormatividade compulsória nos obriga a ter papéis bem distintos e quadradinhos na socialização em grupos específicos, entre os potenciais pares do LGBT apenas consigo visualizar esse distanciamento entre forma de expressar seus sentidos/pensamentos e a forma como é o entendimento exterior.
Dá um nó na cabeça por não entender como pode um sentimento tão bonito desmoronar com essas assertivas sobre a nossa própria existência. É dar passaporte para um bocado de comportamentos hostis, defensivos, protetivos, distantes entre a miríade de relacionamentos em que se navega durante a vida.

Porque não é normal, saudável e bonito ser chamade de "monstro", "predador", "arruinadora de famílias", "destruidora de sonhos familiares". Se algumas pessoas se tornam imunes a essa fobia extremista por parte da família tradicional brasileira, aguentar calade e sem muita supervisão psicológica acarretou todo um processo de negação. O corpo aí, o pecador, é o mais flagelado: estar com/ficar com/relacionar-se com resumiu-se a um "Até que ponto vão achar que estou me aproveitando por ser quem eu sou, como me enxergo sendo?".

Será que me relacionar com  tal pessoa, em tal idade, com grau de maturidade x é realmente seguro?
Será que me aproximar de fulane y, com todo o background de amizade que temos, em circunstâncias amenas e abertura para novas experimentações é saudável pra minha saúde mental?
Será que ter coragem para falar logo o que sinto por outrém é o mais sábio?

São essas dúvidas que me separam entre o desenvolvimento de um relacionamento duradouro e o entender o que as pessoas querem de mim. Afinal alguma coisa deve ser, apenas não dá para captar quando tudo desanda. Há muito medo também, um medo em várias parcelas escondidas em respeitabilidade, admiração e silêncio. Silêncio é primordial nessas horas.

Então quando a questão predatória bateu/bate na minha porta (pode ser telefonema também de delegacia de Polícia me acusando de crime ao pudor e tudo mais), dá para se avaliar o estrago que virá a seguir. Ou o que deverá ser sacrificado para colocar uma ordem já pré-estabelecida nos eixos. E olhar para um casal hétero de mãos dadas em público, desejar ter a mesma oportunidade de afeição com quem imagino ou desejo e em seguida - no automático - repudiar/negar tal afeto por não desejar ser ameaçade de algum tipo de violência ou opressão. É uma linha tênue entre o querer e o precisar.

Podia ser pior, poderia ter sofrido de agressões mais pesadas e horrorosas que me faz pensar em como minha mãe reagiu quando saí do armário pra ela. Ela me proibiu de ser lésbica, não porque tinha nojo, não respeitava ou era uma tradicionalista duma figa reaça do PMDB: era pra me proteger das violências que viriam. Fingir o cisplay muito bem salvou de muitas enrascadas, mas não ajudou com os sentimentos.

Há algumas atitudes minhas e de outros em meu convívio durante esses anos de armário, saída de armário e entendimento da minha identidade que passeiam volta e meia pelo sótão da minha mente. Não quero revisitá-los nem ferrando, alguns gostaria que fossem deletados eternamente de qualquer memória que tenho, mas há outros em que questionei a condição do argumento feito e chego a conclusão que ter querido quem eu quis fez mais diferença em me assumir como sou do que os "precisares".

Manter a sanidade? Yep, tamos aí.
Manter a postura de asexual, introvertida, não buscar ter uma vida "social" padrão de baladinhas, paquerinhas, tinder e esses rolês também é necessário por diversas razões.

A primeira resposta que recebi ao explicar minha inclinação homoafetiva foi um sonoro "Tudo bem, mas não vá se apaixonar por mim, tá?" - como se essa condição automaticamente me fizesse ser uma potencial máquina de flertes. Ou o de "predar". Abraços durante a infância e adolescência? Eram reservados para ocasiões especiais e com pessoas de muito apego e confiança (Me chamavam de bicho do mato desde os 3 anos de idade). Já encarei uma DR dupla por demonstrar demais minha empolgação por certo seriado com um Dotô maloquêro viajante do espaço-tempo junto com outra pessoa. Me manter afastade de gestos afetuosos não me isentou de tê-los, pessoas mudam o tempo todo, pelo jeito, para não se tornar "predatório" o julgar, a conduta deve seguir uma uniformidade que beira ao androide genuíno. O papinho do "você precisa se tornar mais feminina, buscar a mulher dentro de você" também causou mais estrago de identificação que o "Você parece um menininho, vira bofinho?". Submissão opressiva, o olhar do outro, o pedido de adequação a uma normativa que por entendimento meu é falha, fraca, violenta-zelosa. Nos todos os casos: perda de pontinhos de sanidade.

Eu quero me relacionar com pessoas.
Mas preciso me manter viva, estável emocionalmente.

E é difícil chegar nessas paradas quando tua socialização como criança foi no limiar de dois gêneros promulgados por uma sociedade que não aprova e nunca vai aprovar tua forma de se experienciar a realidade. É difícil dividir parte de si com quem não se sabe se vai realmente saber lidar com a transfobia, a lesbofobia, misoginia.

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