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14 abril 2018

o medo

Acho que a melhor forma de descrever a minha infância é que durante os primeiros anos eu morria medo de gente e me escondia de tudo e todos, para uma fase de desconstruir coisas e ideias antes de conhecer os conceitos dessas coisas - e me fuder muito com rejeição, negação, correção e adequação normativa - e culminar nesse ser inquieto de 9 anos que NÃO DEVERIA ter lido o conto mais pavoroso de Edgar Allan Poe, porque leu a resenha do bendito na cama da irmã mais velha.

Ela também não deveria ter me apavorado tanto com a história dos espelhos que roubam almas quando tá trovejando. E lido sobre como fotografias do século XIV também faziam isso.

Alguém deveria ter me avisado e tirado os livros de terror e suspense psicológico enquanto dava tempo (não é leitura saudável pra uma criança de 11 anos gente). Agatha Christie? Edgarzinho? Emily Bronte? Carai por que deixaram eu futucar na prateleira e achar o Horror de Dunwich do Lovecraft?! E me darem aval pra levar pra casa e ler?!

Cine Trash , Contos da Cripta, Hora do Arrepio, okay quem foi que não desligou Sessão da Tarde com Elvira, a Rainha das Trevas e me expor aquele mundo tão macabro entre o burlesco, o grotesco, o horror dos anos 50/60, a mescla inusitada entre comédia-punk-gótica desconstrução da powha da sociedade do consumo de massa Hollywoodiano?!
Por que não me deixaram só com os Trapalhões e Lua de Cristal?
(Nem sabia que a Rainha dos baixinhos tinha pacto com entidades estranhas)

Definitivamente não deveria ter me enfiado tão cedo em uma noção de cunho espiritual pautada na danação eterna do meu corpo em detrenimento da minha mente. Ou de me fazerem ler o Apocalipse antes de tudo que tinha antes e me apavorar com as descrições simbólicas.

Porque não fizeram o favor de me explicarem explicitamente o que acontecia com gente viada e sapatona na cidadezinha vilarejo brejeiro onde eu morava e sim ler no jornaleco local ou ouvir na escola que adolescentes da minha idade eram linchados pela própria família e vizinhos por serem gays, lésbicas, trans?

Entendam: se eu não tivesse entendido muito cedo que essa powha de mundo era um lugar horrível de se viver e que em alguma hora eu ia cansar - intelectualmente, fisicamente, psicologicamente, espiritualmente - precocemente disso tudo, nem teria ido pra outra fila e contestado a fessora sobre papeis de gênero na hora do hino da bandeira no pátio da escola.

Por tudo que me é sagrado e pessoal: estaria casada aos 18 com filhos e uma vida normal e estável de acordo com a sociedade patriarcal. E igualmente sem pontos de sanidade.

E não estaria escrevendo sarcasticamente sobre minha experiência com o medo.

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