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12 abril 2020

Considerações sobre os livros d'O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares

Famoso TL;DR:

Acompanho os livros de Ransom Riggs - O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares desde 2015 (Quando anunciaram que a Eva Green estaria em uma adaptação do Tim Burton, eba!) e muitas coisas me foram apresentadas enquanto folheava os 3 livros que consegui durante os anos que passaram até o lançamento do filme (2016), como sempre, atenta na classificação dos livros como "Infanto-juvenil" ou "Young Adult" lá pros gringos e que nem sei como traduzir isso pro português.

São duas classificações diferentes por assim dizer.
"Infantojuvenil" é para a galerinha pré-adolescente e adolescentes pelo jeito que verifico em algumas livrarias e bibliotecas. "Young Adult" já estaria na prateleira ao lado de outros títulos consagrados da ficção que já passaram pela gente.

Enredo principal: Jacob descobre depois da morte do avô que tem um poder especial de ver monstros. Pais nada sensíveis mandam ele pra uma ilha no meio do nada em Gales para ele "descansar a cabeça", Jacob descobre uma Fenda Temporal que está datada em 03 de setembro de 1943, 1 dia antes de um ataque aéreo da Alemanha Nazista contra a Inglaterra.
(Estranhamente não há nada histórico datado nesse dia que chegue perto de Gales, MAS HEY! Meu aniversário foi no dia anterior, então yey!)

A Fenda Temporal é feita e protegida por uma ymbrine chamada Miss Peregrine, que mantém um orfanato de crianças peculiares, com poderes diferentões assim como Jacob. Ela protege a criançada do mundo frio cruel lá fora e também ensina cada um a dominar sua peculiaridade.

Essa é ela no filme (Uia!)
A mulher é tão foderosa que consegue manter aquele dia rodando no looping por décadas (Cerca de 60 anos) e pode se transformar em um falcão peregrino - um dos seres vivos mais rápidos do mundo. E ela se veste como se estivesse indo a um funeral vitoriano e há razões para isso. Prefiro a personalidade dela no livro, pois é aquela pessoa dominadora sem ser estranguladora. A Eva conseguiu pegar essa parte do maternal e esquisita, mas o visual ficou nos anos 40.

E essa é ela no livro.
Coisas acontecem.
Coisas ruins.
Jornada do herói, procura e resgate, um romancezinho adolescente no meio, descobertas sobre a história secreta da família Portman, coisas que eu esperaria de um livro para pessoas entre 13 a 17 anos.

Só que não.

Algumas considerações que me chamaram atenção ao ler os livros:


1) a narrativa é em 1ª pessoa, algo que odeio do fundo do meu coração, mas é muito bem escrita com o auxilio de fotografias vintage de cenas bizarras como pessoas de freak show, cenários estranhos, montagens fotográficas muito bem feitas.

2) quem narra é Jacob, o protagonista, um rapaz de 16/17 anos que leva uma vida tipicamente de adolescente americano entediado, diagnosticado com algum problema psicológico que não é definido explicitamente, faz uso de remédios controlados, vai ao terapeuta forçado pelos pais ausentes e insensíveis, e que acabou de perder o único parente (seu avô Abbe) que o entendia nesse rolê todo. E em nenhum momento do livro vejo o autor destratar/desrespeitar esse tópico de doença mental na adolescência, mas sim apontar muitas falhas no sistema americano de negligenciar essas pessoas em uma idade turbulenta e sofrendo caladas. Plus? Masculinidade tóxica, yep. Desrespeito intergeracional? Yep. American Way of Life? Yep. Riggs também dá as alfinetadas nesses tópicos já de começo.

Tim Burton acertou nos monstrengos!
3) As crianças peculiares tem poderes exóticos. Óbvio, senão não teria esse título né? Mas um personagem em especial me chamou atenção (E levantou uma red flag ferrada!) de que aquele livro não seria de jeito nenhum um Infantojuvenil como a gente tá configurado a entender.

Enoch é o nome da criança, no livro ele tem 8 anos e a descrição é assustadora. Ele tem o que pode-se chamar de "O Toque de Lázarus", porque ele pode "animar" fantoches com o poder de suas mãos. O que parece inofensivo quando ele demonstra para Jacob o seu pequeno exército de bonequinhos de lama e argila lutando entre si. O negócio é: Enoch só consegue "reanimar" os bonequinhos com um coração de um ser vivo (Passarinhos no caso, muitos passarinhos).

Isso já ferrou com a minha cabeça, porque é uma criança de 8 anos, que viveu cerca de 80 anos (ele é considerado o "mais velho" por ter ficado em outra Fenda por mais tempo e depois transferido para a tutela de Miss Peregrine), tem o poder sobre a Vida e a Morte, sabe dissecar pequenos animais e decide usar seus poderes para brincar de lutinha. E faz sem um pingo de remorso algum. O guri até dá as ideias de matar um cara que era associado aos monstros lá que perseguem os peculiares para abrir ele depois, tirar o coração e botar em um corpo já morto para conseguirem informações sobre os planos maléficos dos bichos.
(No filme colocaram ele com mais de 16 anos e não tão mórbido quanto no livro - Tim Burton sabe o que faz)


Enoch O'Connor no livro e suas bonecas talvez reanimadas

4) tem o mistério das crianças Gêmeas (The Twins). Que ninguém sabe o que são, quem são, como são, porque usam uma roupa que cobre o corpo todo, apenas os olhinhos aparecem, qual língua falam e que a Miss Peregrine trata com muuuuuito cuidado.

Teorias dizem que sejam peculiares que adotam aquela forma para não aparecerem tão assustadores, outros dizem que são Górgonas (Tipo a Medusa?) e podem transformar criaturas em pedra (Tim Burton se aproveitou disso no filme), mas até agora? Nada sobre, apenas que se movem em uníssono, estão sempre em silêncio, parecem deslocados no grupo, comem por meio de canudinhos.
(O meu headcanon é que sejam górgonas gregas fodásticas em formato pocket, agêneros e que só se comunicam por sibilos e estão observando os peculiares e as ymbrines para poderem algum dia voltarem lá pra Antiga Grécia e falarem "Véi vai dar ruim, vamos ficar por aqui. Anglo-saxões são perdedores!")

The Twins agênero e sem nomes.
5) todas as crianças peculiares que aparecem nos livros tem algum passado com abuso parental, exclusão e preconceito social, de gênero e racial. Inclusive as ymbrines. Miss Peregrine manca porque foi vítima de agressões contínuas de seu irmão mais velho Caul, que a invejava por ter nascido uma ymbrine (A que pode se transformar em ave e manipular o Tempo). 

6) há uma parte do livro "Cidade dos Etéreos" que é na Inglaterra durante a 2ª Guerra Mundial, no pior dia possível quando os nazistas invadiram Londres e saíram bombardeando tudo (inclusive a casa da Virginia Woolf?). Eles se refugiam na Catedral de São Paulo, conhecida igreja lá dos britânicos.
Atenção aos pombos da catedral, eles são malignos.

Malignos? Eles são perversos!
As cenas descritas também são intensas, nada felizes, definitivamente não recomendaria para o meu eu de 13 anos ler. Talvez o meu eu de 17 anos e com mais maturidade sim. Ainda assim teria pensamentos ruins pro resto do dia.

A Humanidade é horrível!

7) em "Biblioteca das Almas" muita coisa vai sendo explicada, inclusive o porquê toda a sociedade peculiar dar mó respeito e exclusividade às ymbrines como mantenedoras do sistema todo. Que o irmão babaca incitava as pessoas peculiares de camadas mais humildes e sem instrução para forçar um golpe político no sistema matriarcal das ymbrines. De acordo com Caul, a sociedade peculiar precisava de "liberdade, de poder individual, de progresso" e só conseguiriam com a extinção das ymbrines. Esse discurso a gente já não ouviu em algum lugar?!

8) cheguei ao "Mapa dos Dias" e uma página me fez revirar as entranhas ao lembrar dessa jornada toda, quando Jacob leva a galera para comprar roupas modernas (Eles estão no tempo atual agora) em um shopping center e Hugh - o menino que cospe abelhas - comenta indignado que aqueles adolescentes são inúteis! 
Ora por quê?!

Porque aos 5 anos de idade já tinha sido mandado pelos pais para uma fábrica para trabalhar várias horas e dar sustento pra família. Olive - a menina que usa sapatos de chumbo para não sair voando por aí - relembra que desde pequena trabalhava em uma fábrica de graxa e odiava.

Jacob naquele momento (E eu, que não havia aberto um livro desde o ano passado) percebe que todo o grupo de peculiares que conheceu não sabia o que era adolescência. Que o conceito de juventude era pós-guerra (E lembra que eles ficaram décadas no looping de 1944???), que todos ali, com exceção dele, haviam sido operários, trabalhadores, serviçais e massacrados pelo sistema. Jacob percebe o seu privilégio branco, suburbano, american way of life, mesmo sendo um excluído do mundinho adolescente ilusório. 

Ali já foi outro tapa na minha cara.
Um livro classificado como infantojuvenil/Young Adults tratando de assuntos que nós adultos SEQUER passamos por perto quando o assunto cai na rodinha? E quando cai, a gente não sabe o que argumentar?

Olha, eu já analisei criticamente aquele livro daquela escritora que não é mais nomeada por diversas vezes, para verificar essas nuances de mundo real, mundo adulto, mundo capitalista selvagem, mundo difícil de explicar para uma criança por que raios há tanta desigualdade, ódio, violência e dor.

Riggs acerta em cheio em quase tudo quando se trata disso.

(Apenas um furo que tou achando estranho dele tratar com maus olhos a sociedade matriarcal das ymbrines - não vejo problema nenhum, aliás adoraria, por que não?)

E esse foi meu TEDTalk, vou voltar pro livro e ter mais momentos de * insira aqui emoji de cabeça explodindo *

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