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23 maio 2020

dissidente, subversivo, indecente

No ensino fundamental em MG durante os anos 90 havia uma disciplina nos currículos de escolas públicas chamada "Práticas agrícolas e comerciais" que eram aulas rombudas (4 na faixa), dividas em 2 partes entre "práticas de agrícolas" e "práticas comerciais".

Ao chegar em Betim-MG em 1994 (De Itajaí-SC), me deparei com esse currículo e essa forma de ensinar aos pequenos objetos de perpetuação da Educação Pública tucaneira da época foi um marco em minha vida de estudante. A gente ia mexer com terra, pegar em enxada, fazer coisas crescerem da terra (Eu tinha esperanças com batatas e abóboras).

E mesmo aos meus 9 anos de idade, recém-transferida para outro estado, com outra cultura, outros costumes, outra visão de realidade, em uma turma que não conhecia ninguém e bem no meio do ano, alimentei um ódio profundo por essa tal disciplina. 

(Debaixo do link, mais alguns atos de subversão velados e mão na enxada)

Primeiro que o professor era um macho ignorante, sem didática alguma e sem noção, que descaradamente dava vantagens aos garotos (pode ir lá pra quadra jogar futebol!). Segundo, porque não me recordo de ser ensinada a amar o meio-ambiente em alguma aula da criatura, apenas que a produção de vegetais, legumes, hortaliças e afins poderia sim ser um meio de fazer capital naquela cidadezinha vilarejo-brejeiro. Nunca ouvi a expressão agricultura familiar, por exemplo, ou coletividade, muito menos incentivo de trabalho em grupo.

Mas sei capinar, arar, preparar a terra para plantio, muito bem, obrigada. Os livros me ensinaram a fazer isso, documentários na Tv Escola também (dentro da biblioteca, escondida? But yeeey!), minha avó materna sem paciência em explicar como funcionava o quintalzinho com a horta e milharal atrás de casa, agradeço até os egípcios nos livros de História por me ensinarem a respeitar onde eu piso, o que vem da terra, o que é produzido pela natureza.

"Práticas comerciais" era algo como "vou te ensinar a costurar e bordar, porque aí você pode casar quando sair do ensino fundamental (8ª série) com as qualidades perfeitas de uma dona de casa." - em apenas 1 mês tivemos contato com máquina de escrever para datilografia. Naquele mês eu devo ter arrebentado com algumas correias (e dedos doloridos) de tanto datilografar trabalhos, pequenos contos que vinham na cabeça durante a aula, cartas que nunca foram mandadas.

A professorinha não era de esquerda, mas muito católica. E que muitas colegas de turma eram feitas para casar, algumas fizeram isso antes de completar a 8ª, outras tiveram filhos, adolescentes praticamente. E era esse o discurso que eu ouvia dos meus 10 anos até os 15, dentro de uma escola pública estadual em um dos bairros mais nobres do vilarejo-brejeiro de MG. 

No Ensino Médio foi menos repetitivo esse mote, já que os professores nos consideravam como gado marcado para terminar o terceirão e ir para a indústria automobilística que fazia (e ainda faz) girar a "economia" do lugar. Apenas 3 professores acreditavam que alguns alunos poderiam ir conseguir um trabalho digno com o Médio completo. Apenas 1 professor parou a aula de Matemática e anunciou que existia algo chamado Universidade e que Vestibular era uma opção válida para seguir a vida. Eu devia ter uns 16 anos ali. Nem todo mundo da minha turma ouviu o recado, não tenho ideia se alguém além de mim manteve aquele pensamento intrusivo (Um dos bons, aliás!) de que dava para fazer algo da vida estudando do que casando, tendo filho, sendo mais um acidente de trabalho nas fábricas automobilísticas ali perto. 

A gente tinha um colega de turma que sempre chegava atrasado, dormia a aula toda e às vezes tava com ataduras ou band-aid nas mãos. Ele era esperto e engraçado, mas não cumpria as responsabilidades de estudante muito bem. Descobrimos em um final de 2º ano que ele trabalhava no turno noturno e de plantão na tal da fábrica de automóveis, era costureiro de bancos, seu sonho era comprar um carro popular da tal fábrica (A que trabalhava). Não sei se conseguiu aos 17 anos. Acho que nem formar ele conseguiu, a gente perde o contato com as pessoas muito fácil, seja 1999 ou 2020.
(A gente chamava ele de K, porque o sobrenome era Potássio. Eu adorava aquele cara.)

A onda de ultraconservadorismo brasileiro com todos seus bostejos cagados pelas cloacas-bocais de muitos políticos por aí e até de nossos ao redor não é novidade. É só o fluxo de propaganda que está mais frenético agora.

Damares e sua sustentação de dogmas no Ministério? Cultura com palhaço bozo e Regina Duarte querendo ser leve? Saúde nas mãos de um morto-vivo? Cidadão de bem com porte de arma e bota com bico de alumínio, vi aos montes. "Educar para casar", "Profissionalizar para trabalhar até morrer"? Linchamento popular de minorias sociais? Segregação descarada de ricos e miseráveis? Violência no campo, legislação e canetada contra indígenas, contra negros, contra mulheres, contra crianças, contra idosos, contra pessoas LGBTQIAP+? Nenhuma novidade debaixo do sol.

Sempre foi assim, tira petê, bota petê, entra tucaneiro do pó, metralhador de favelas, genocida de terno e gravata, travequeiro disfarçado e feminicida, verme desgovernante perverso, roubou, mas fez!, cristão, evangélico, católico, cidadão de bem, temente ao Deus do Velho Testamento.

Não adianta mais ser progressista, se aquela faixa estúpida na bandeira que não me representa tem um "ordem" na frente. 

A gente tem que parar de pensar em progresso, a continuação de algo para melhor ou pior, tem que atualizar a aniquilação daquilo que nos mata diariamente, a destruição do sistema que arruína com corpos, com mentes e compactua com o "Pátria amada, made in Brazeel". Aquele hino nem escrito por um brasileiro foi! Pra que botar mãozinha no coração, estufar o peito e achar que é patriota (American Idiot)?

Em tempos como estamos, ser progressista é mais do mesmo, como um sopro em cima do joelho ralado e com mertiolate (Nem dói hoje em dia!), ser progressista não é o bastante, não é o que precisamos. Novas formas de ser dissidente, subversivo, indecente (o contrário do que consideram como "decente" nessa sociedade podre em que cultivamos desde sempre), aí sim.

Nas práticas agrícolas, de enxada na mão e marcando canteiro de hortaliças com sulcos não muito fundos, aprendi a odiar esse sistema mesquinho de ordem e progresso. Naquele vilarejo-brejeiro eu já vivia o que o ultraconservadorismo estava nos preparando: corpos dóceis para o abatedouro, mão de obra barata e descartável, reprodutores da base.

Tira um governo, bota outro, independente da direção que toma - esquerda e direita virou café com leite nesse mundo comandado pela tirania - as velhas maneiras de se subjugar e dominar continuarão as mesmas. Com guilhotinas ou sem. Com manuais vermelhos ou kit gay. Com fake news ou leis absurdas atentados ao direitos básicos de sobrevivência. Com nazis ou sem bozonazis, quem pegar a peteca no futuro não vai saber lidar com o sistema quando ele já está consolidado. Com petê, sem petê, esse modelo de "democracia" já riu faz tempo - a Antiga Roma que o diga.

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