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14 julho 2020

o quietim e indo pelas beiradas

Disclaimer: Este é um post intimista, faz tempo que não faço um desses, então vou botar essa foto de um lolcat aqui para disfarçar e se não quiser ler sobre, vai para uma postagem mais alegre ou sei lá... vai em nova aba e digita https://icanhas.cheezburger.com/ 

Fonte: Aqui nesse link
A pandemia está fazendo algo inédito na minha família: as pessoas estão começando a falar.

E isso é muito bizarro pra mim, porque neste exato momento agora estou com o raciocínio lento pra cacete e uma velocidade de oratória bem menor do que meu cérebro realmente quer. Então eu escuto e reflito.

(Debaixo do link aquelas coisas que precisavam ser ditas em voz alta, mas estão sendo escritas primeiro antes que eu perca a coragem e o fio finiiiiiinho de raciocínio que estou conseguindo cultivar esses dias) 


A família Rex de um lado é bem do modo negação, deixe quieto para ninguém te machucar e autossuficiente. Infelizmente as duas crias que vieram da pessoa mais resiliente e teimosa dessa família (minha mãe) tem esse atributo nas fichas de personagem. Aí dá para imaginar o estrago.

Com toda a fala escutada, algumas lembranças sendo tolhidas e upgradiadas, umas impressões sobre traumas e momentos de referência, as falas sobre as ausências, as carências, as sofrências, um padrão tava sendo formado ali que há um bom tempo atrás tava sacando sem perceber. sacar o padrão vai dando camadas para colocar no escudo de proteção e sobrevivência né?

Só não achava que muitos nós que me prendiam em um passado que não era meu - mas sim de problemas de minha irmã e pais e tios e avós - poderiam remeter a alguns comportamentos obsessivos meus. Já tinha lido sobre, como o trauma de outras gerações passa pra frente sem a geração atingida perceber, mas o diabo vem nos detalhes né?

Os meus demônios se alimentam de detalhes.

O importante nesta fase de papo reto e aberto foi de poder escutar vários ângulos de uma mesma situação e verificar que de fato a gente não soube cultivar afetividade quando se estava em um lugar de vulnerabilidade emocional, financeira e física o tempo todo.

Abuso psicológico foi constante na trajetória de pelo menos umas 3 gerações antes de mim - e infelizmente está se repetindo na próxima depois de mim - e essa resolução de que HÁ ALGO ERRADO demora a sair quando a principal defesa de uma família toda era e é no modo mineirim de lidar com o mundo: quietim e indo pelas beiradas.

Muita coisa foi aguentada em silêncio em nome de decoro familiar, de pretenso Amor (romântico, o mais perverso), para manter o status, para não expor o nome da família (não sei qual, somos um pé-rapados do cacete, classe média com complexo de elite é foda de se livrar). Esse silêncio transborda nos meus pesadelos desde criança, com imagens vívidas de mutilações em meu corpo e principalmente a sensação constante de ter minha garganta costurada por dentro e/ou sufocada por algo muito pesado e de gosto amargo. Esses sonhos ainda me perseguem querendo ou não, apenas me adaptei para saber lidar com eles melhor no mudno onírico e ao acordar.

O quieto e indo pelas beiradas foi e é interpretado como um mecanismo de defesa que me incomodou quando me encontrei em uma beirada de verdade e em um quietude que era palpável. Por pouco não finalizei o que ia fazer, pois o som do Mar lá embaixo me fez rebootar meu sistema e pensar em algo melhor - procurar ajuda, parar com comportamentos destrutivos.

Mas há emanações do quieto e indo pelas beiradas que ainda me assustam quando sou pega no automático ao estar em uma situação de potencial estresse/perigo. Nos pesadelos costumeiros está lá uma ausência de som agonizante ou uma reverberação de barulhos tão altos que quero que minha cabeça exploda. Queria consertar isso o mais rápido possível para não me ferir tanto, não me foder tanto a cabeça na culpa tipicamente cristã de estar fazendo errado (logo vou ser castigada aqui e em algum outro lugar depois de perecer) e por estar constantemente me perguntando ao acordar: "O que qui tô fazeno da mea vida?"

Realmente queria parar de perguntar isso e sei lá, mudar o repertório. Talvez algo com "O que quero de café da manhã hoje?" seria um bom lugar para começar a tirar essa pergunta grotesca que me persegue desde minha adolescência. Queria poder também voltar no Tempo com uma TARDIS e apenas avisar ao meu-eu adolescente que embarcar na piração da herança cognitiva e passiva-agressiva da família não iria ser algo promissor na posteridade.

Por mais que eu tenha essa certeza que o que me moldou hoje como pessoa tenha sido todos esses silêncios e essas beiradas íngremes e cortantes, queria pelo menos ter algo bonitinho para segurar em uma salinha de troféus só minha com uma dedicatória: "Você fez um trabalho legal, Morgan, continue assim, troféu joinha pelo esforço."

Nem isso tou conseguindo visualizar em qualquer ponto da minha vida em que a afetividade foi acionada ou construída: elos muito frágeis, de ritmos não-síncronos, de pouco tempo para se construir uma solidez, de chegar a conclusão aos 16 anos que estaria mais confortável e segura entre os livros e mundos imaginários. Foda verificar que esse modo de pensar lá da juventude persiste no padrão de afetividade estragada herdada da família e machuca, todo maldito dia, todo santo dia, toda vez que me levanto e busco coragem para escrever tudo que tou passando e acabo apagando e jogando fora.

E era isso.
Consertar a vida de 30 anos falhando é um caminho cheio de surpresas.

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