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24 julho 2013

Conto - Colégio Carmim/Rosenrot

Quarta-feira antes do feriado religioso.
Ótimo, maravilha, fantástico.

Estamos começando bem uma bela noite nada agradável em algum cemitério dessa cidade suja e fedida. Não que eu não goste de Bucareste, é um bom lugar para se viver. De dia, é claro. De noite as coisas mudam – as coisas SEMPRE mudam de noite. Um tombo ali, um arranhão aqui, um golpe certeiro no meio do peito do desgraçado que queria ter um pouco de você para ele. Puf, virou pó? Não, não é que nem na Tv ou naqueles filmes trash de classe D que te fazem rir tanto, é sangue espirrado do buraco ferrado no corpo morto, são mãos que tentam te sufocar enquanto luta para conseguir uma regeneração sobrenatural, é o final momento em que o cabo da pá do coveiro sai do peito do desgraçado e você não vê alternativa a não ser tacar a outra extremidade no crânio do camarada.

Hey, sem tanta violência, okay? Ele pode ser um sanguessuga, estar morto, mas também era uma pessoa, tenho ciência disso, às vezes piedade, mas quando você acostuma a fazer esse serviço toda santa noite, então nem precisa mais se deixar levar pelas emoções. O barulho dos ossos esmigalhados após o terceiro golpe com a pá é que me deixa pilhada. Como queria uma noite sossegada, só eu, um sofá confortável, uma lareira aconchegante, meu kit, minha seringa, minha felicidade instantânea.

Pra que diabos vim me meter aqui nesse país esquisito?

- Acabou aí? - pergunta a "mentora" que não faz absolutamente nada a não ser observar os meus deslizes e erros. - Não se esqueça de colocar fogo no corpo, lembra? Não queremos deixar rastros... - eu indico a minha jaqueta toda manchada de terra úmida, sangue e possíveis fragmentos de dentes.
- Eu sigo o protocolo, muito obrigada por lembrar... - ela dá de ombros. É o mínimo que pode fazer.
- Ah você sabe... “Ashes to ashes, funk to funk...” – ela continua no mesmo lugar onde estava, já eu levanto do chão com parte de minha cabeça rodando e a outra parte ainda alerta com um possível ataque vindo de alguma outra tumba. Esses malditos acordam sem avisar muito, sabe?
- "E todos nós sabemos que Major Tom era um drogado?" – completo a eterna música de David Bowie para minha eterna aliada, morta, mas pelo menos aliada, Frau Sonnenblume. - E eu sou também...
- Você deveria parar de dizer isso... – ela diz como se fosse a coisa mais normal do mundo quando estamos falando sobre eu e meu vício.
- É o que a maioria diz... – eu me encolho ao tossir além do que meus pulmões aguentam. Frio horrível de Bucareste. Quando não tá frio, tá chovendo. Detesto esse pedaço de terra esquecido por Deus.

Saímos do lugar tão amaldiçoado por ter lápides demais dos Corvinus. Ela aponta para uma e me cutuca na cabeça.
- Olhe... Esta sou eu! – e ri de um jeito que faz minha espinha se retorcer mais ainda que meus pulmões instantes atrás. Odeio quando ela me lembra de sua condição de morta-viva sugadora de sangue alheio.
- Não gostei. – passo pela lápide manchada pelo tempo e sem adornos. – Muito fora de moda essa daqui...
- Oh sim, por que na Espanha é como?
- Não enterramos corpos na Espanha. E eu não morava na Espanha, é País Basco. Diga isso a um cidadão do País Basco e você vai ser pisoteada por uma multidão de patriotas exacerbados.
- Bom saber... - ela dá de ombros, saindo do lugar e verificando o corpo inerte que deixei desfigurado ali perto.
- Nós cremamos os mortos.
- Não gostei. – ela repete o que digo com a ênfase em meu sotaque nada perfeito do inglês defeituoso que aprendi durante minha estada em Londres.
- Eu deveria te bater com essa pá. – eu respondo inocentemente segurando o instrumento que carrego para disfarçar nossa condição naquele lugar. Graças a Deus que o tal do coveiro deixou a gente entrar pelos fundos.
- E eu deveria acabar com o fio de vida que você ainda deve a minha pessoa. – Como odeio quando ela é educada comigo.

Pego meu isqueiro, tento atear fogo em algumas partes do vestuário impecável do vampiro que acabamos (Acabamos, fui eu que fiz o serviço todo?!) de exterminar da face da Terra, a porcaria não segura nem uma chama. Cansada, dolorida e sem perspectiva alguma de poder cozinhar uma bela mistura de heroína para aquela noite, faço o que devo fazer. Desenho a porcaria do símbolo perto do corpo, repito algumas palavras de poder qualquer e chuto o maldito pro círculo. Com um pouco do fluido do isqueiro, deixo a chama viva cair em um traço do desenho e tudo está acertado.

O corpo morto entra em combustão quase espontânea, a decrepitude que ele já tinha se esvai em um segundo e logo nada sobra para contar história. Respiro aliviada e me encaminho para o portão dos fundos do cemitério.

Menos um sanguessuga na cidade.

16 maio 2013

[conto] Cons(c)erto nº1

A casa era humilde, datada de muito tempo antes de muita gente nascer. A madeira em que pisavam rangia debaixo das dezenas de pés que já o pisotearam e o amarelado das paredes brancas pintadas com gesso mostrava os anos que aquela pequena residência estava ali, enfrentando vento, chuva e frio, à beira com o Grande Mar, sentindo as ondas incertas baterem em seu alicerce, as pedras de sua base tão firmes que nenhuma rachadura se abrira até então. Sua fachada era um branco sem graça, com as janelas marcadas em um azul escuro que trazia falhas em alguns pedaços, o acabamento das janelas e portas era em madeira sólida, mas como o tempo não perdoava, se encontravam empenadas e com frestas visíveis.

O vento fazia um espetáculo diferente todo dia de chuva, trazendo a brisa fria do Oceano e esfriando o  terreno amplo em que a casa se encontrava, uma fina névoa descansava sobre os terrenos, aumentando a umidade, mas as paredes bem vedadas com madeira e tijolos artesanais faziam com que a casa mantivesse o calor para aconchegar os residentes. O som que o vento produzia era alto e distinguível para quem estivesse dentro da casa, como um assovio mal feito, até ser engasgado pela bufada de vento mais rude.

Aquela casa jazia no meio de uma vila abandonada que não trazia ou levava ninguém. Exatamente ali, escolheram o seu refúgio de muitos anos, a morada de muitos na família, agora jogada ao resto que sobrara após a Guerra. O dono era um senhor robusto, muito alto e de poucos cabelos. O rosto rechonchudo denotava o seu labor diário - era agricultor - e as ancas mostravam que a idade finalmente o vencera. Uma bengala ele segurava firme em uma mão e o cachimbo na outra, sempre cheio de tabaco colhido da sua própria terra,o meio sorriso no lábio superior defeituoso causado por uma antiga cicatriz de briga nos tempos da juventude o deixava mais ameno para a criançada, mas os mais velhos sabiam o quão severo aquele senhor poderia ser quando provocado.

A vida era simples para ele, apesar de tudo.

19 abril 2013

[conto] a garota mais estúpida do mundo - forgiven jojo ulhoa

Título: a garota mais estúpida do mundo (por BRMorgan)
Cenário: Original/Cotidiano, Nova Orleans.
Classificação: 16 anos (distorção de convenções morais, confusão mental).
Tamanho: 802 palavras.
Status: Completo.
Personagens: Joanne Ulhoa.
Resumo: Quando se troca os medicamentos, há sempre as consequências. Jojo sofre de um tipo de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e tenta conviver com isso da forma mais sadia possível.
Disclaimer: Mais sobre Forgiven Jojo Ulhoa tá aqui nesses links [x] [x] [x] - Esse conto faz parte de uma epopéia que comecei na época da Graduação: Forgiven Jojo Ulhoa que conta a história de uma assistente de medicina legal, residente em um Hospital de uma cidadezinha chamada Morgan no distrito de Parish na Lousiana. Teve uma continuação não terminada e não prestou muito para continuar, mas não custa nada postar por aqui.


Eu só sou uma garotinha perdida entre esses corredores, achando que vou encontrar todas as respostas dos enigmas mais mirabolantes do mundo bem aqui na mesa de necropsia. Sou tão perfeitinha! Tudo que faço dá certo, tudo que quero, eu consigo, não desejo mal a ninguém e não desejo amor à ninguém.
Nhé.

E eu pensando que seria fácil. Nunca é fácil.
Você deixa um pedaço seu pra trás quando resolve esquecer as coisas. Tipo memórias não são memórias à toa, são? Tem toda aquele aspecto anatômico de memórias recentes ficarem bem ali na frente da sua testa, não? E aquelas que duram pra sempre lá atrás, bem escondidas bem perto da sua nuca. Vai ver que é por isso que sinto tanta dor de cabeça nessa parte específica acima dos olhos.

04 abril 2013

[conto] as quartas-feiras

[conto curtinho crossover para Forgiven Jojo Ulhoa, um conto que escrevi em 2007]

A semana começava no domingo, o dia em que não trabalhava e nem descansava, mas passava boa parte de seu tempo no parquinho na frente de casa servindo o seu papel muito bem. Os gritinhos de alegria e de comando, a areia entrando nas barras da calça, os baldinhos que viraram de cabeça para baixo para serem castelos de areia próximos um do outro. Muitos brinquedos eram despejados aos seus pés para recorrente manutenção e empréstimos entre as dezenas de crianças que lotavam o parquinho do bairro pacato e ensolarado em Nova Orleans.

A sua criança deveria ter uns poucos anos, crescendo exponencialmente com a quantidade absurda de vitamina de maçã e leite, mimos e agrados, exercícios dentro da banheira enorme de sua casa enorme ali mesmo no bairro pacato de Nova Orleans. Financiada, paga com tanto sacrifício que precisou esquecer sua própria vida para poder ter o sonho da família feliz. O marido estava bem ali com os amigos de domingo. Todos igualmente pais de família, todos atarefados durante a semana que o domingo se tornava um dia simbólico para todos envolvidos, quase como um ritual semanal de repor as energias gastas na sociedade capitalista e apressada lá de fora do bairro pacato de Nova Orleans.


[conto] Trecho Final de Drumstorm

[Drumstorm foi um projeto que comecei em meados de 2009 e não vingou. A história era ambientada em um mundo paralelo ao nosso, como um mundo espelho (Onde tudo é ao contrário que deveria ser), e os protagonistas eram um grupo de jovens que enfrentavam o mundo medieval em que caíram, povoado de dragões, e coisas do tipo. Náh. Não deu certo!]

A pasta com suas letras de músicas, a mochila querendo cair pelo ombro direito, a irritante insistência do pé esquerdo doer enquanto caminhava rápido pela multidão de estudantes de Oxford. O final do 1° semestre era agitado e caótico, muitas salas e caminhos para decorar, muitos nomes e datas... A dor no pé acentuou-se ao sentar no fundo da sala de Literatura Anglo-Saxã, a mochila no chão, caderno na mesa e à procura da lapiseira dentro das suas coisas. Pela janela, os corredores pareciam lotados de gente escapando do frio do inverno, um inverno que para ela nada significava como os outros anos.

Sozinha em um mar de gente... 

[Projeto Feérico] Trecho nº 1 - Kittie/Kristevá

[trecho perdido do Projeto Feéricos. A personagem LabGirl Kittie foi engavetada para o melhor fluir do enredo, aqui nesse pedaço há um pouco de como ela silenciava as vozes que ouvia quando entrava em crise de realidade vs o Sonhar]

A cadeira era confortável, a coceira atrás da orelha não. As vozes iam e vinham em intervalos longos como um eco de algo que não estava ali, ou talvez estivesse. Ela apenas não conseguia mais saber o que era real ou não.
- ...Orgulhoso de você, segundo-tenente... Orgulhoso.
" - Pode me dizer o que aconteceu com a minha esposa?"
" - Quantas pessoas você atende aqui embaixo? É difícil assim?"
" - Você sabe que é especial, não pode ir lá fora ficar mostrando o que faz. Eles vão saber."
" - Eles nunca sabem."
" - Eles vão saber."
" - Quem sabe de coisa alguma. Mude, destrua, reconstrua, continue."
" - Você poderia ficar bem aqui. É melhor para todos."
" - É melhor para mim que nós não conversamos mais."
" - É melhor para o mundo se ninguém souber o que você faz."
" - Você não faz nada, menina!"
" - Quantas vezes tenho que dizer para fazer o que eu peço???"
" - Tenente, isso não é coisa que se faça..."

29 março 2013

[contos] As desaventuranças de Psique


[originalmente postado em meu perfil no Facebook no dia 5 de novembro de 2012]


(História verídica.)

Psique conheceu uma bela amiga chamada Métis. Logo travaram uma amizade duradoura e frequente. A jovem não queria deixar que a querida e tão paciente Métis pensasse que ela ainda estava atrás do travesso Eros, mesmo sendo submetida aos trabalhos árduos que Afrodite - em seu eterno rancor e inveja por ela - a havia incumbido.

Métis a apoiou em todos os labores, em cada noite solitária, a cada palavra mal usada, cada olhar atravessado e cada trilha apagada. Psique, em seu crescente desespero em saber o porquê de tantas provações, perguntou se haveria outra maneira de conquistar o respeito de Afrodite e o carinho de Eros novamente, foi então que a deusa titânica - que estava num péssimo dia de trabalho (E já havia tido conversa íntima com Baco por longas horas) - lançou a seguinte resposta sem pensar nas consequências:
- Há o Lete, e ele traz as respostas de modo mais rápido que os meios convencionais...
- Mais que as Sibilas de Apolo?
- Bem mais rápido que você possa pensar.

Então Psique esperou a deusa titânica retornar com um pouco das águas límpidas do Letes e quando o cálice foi oferecido, a jovenzinha sorveu o líquido em um gole só.

E o vício pelo Letes se tornou corriqueiro para a pobre moça.

13 janeiro 2013

Projeto sem Título - planejamentos

Uma das coisas mais belas que já presenciei em minha vida nérdica foi saber que há pessoas lá fora que tem a incrível capacidade de te entender em um piscar de olhos. Não o óbvio, mas as entrelinhas que tanto deixamos para que algum sortudo (Ou decifrador, programador, psicopata, etc) saiba que temos mais conteúdo que a superfície rasa.

Poucas pessoas com quem conversei sobre RPG conhecia o cenário de Mago - a Ascensão - ou Changeling - O Sonhar. Parecia que o Mundo das Trevas da White Wolf era reduzido a Vampiro - a Máscara - e Lobisomem - o Apocalipse. Wraith - the Oblivion? Sequer foi traduzido pela Editora Devir (Detentora dos direitos de tradução e copiões de todos os suplementos que existem do Mundo das Trevas) e dificilmente acharia algum jogador de Múmia - a Ressurreição.

Pois então deparo-me com essa formosa figura que se interessa imensamente pelo cenário de Changeling - o Sonhar - e de ter a mesma sintonia de contos/mini aventuras e cenas sobre o mundinho encantado das fadinhas do Mundo das Trevas. Antes eu só escrevia para mim mesma (Ou tentava persuadir alguém para conhecer esses cenários diferentes da WW), mas devido a linda inspiração vinda da formosa figura, estou cá eu iniciando um Projeto de longo prazo para o Mundo das Trevas. Todo ele se der.

A premissa veio de dois sonhos (As usual, os meus sonhos malucos e com detalhes me fornecem mais idéias para escrita do que qualquer outra coisa) sobre caçadores de relíquias, alguém totalmente clueless do que se passa naquele lugar e monstros do tamanho de ônibus, torneios de pretendentes em Corte Nobre de Sidhes,  lobisomens amantes de sátiros e quimeras, lots of quimeras.

O interessante de mexer com esse Universo todo do Mundo das Trevas é que alguns lores se misturam devagar na massa literária, e realmente minha intenção é explorar o máximo possível de crossovers entre os cenários. Enquanto os contos vão sendo produzidos, deixo algumas coisinhas por aqui para possíveis deliberações posteriores.

10 janeiro 2013

Projeto sem título no Planner 5D - Térreo do Hotel

Projetinho de planta baixa para ambientação de aventuras de Changeling - o Sonhar. Comecei anteontem e já está tomando forma no Planner 5D. É um hotel abandonado, sombrio e de esquina em alguma metrópole qualquer aí desse mundo nosso, tem muito espaço e coisas entulhadas nas paredes, estantes de livros everywhere!

Os protagonistas do conto vivem aí e é o quartel-general para o grupo de caçadores de Quimeras costuma ser ali na cozinha ou na sala de estar com a sinuca. Indo agora para o 1º andar com os quartos vazios ver o que sai. Mais info sobre esse conto postarei posteriormente com um perfil resumido de personagens.


Depois de um belo tempo sem escrever, finalmente consegui a inspiração perfeita e a beta incrível e paciente para indagar e aguentar longas descrições de situações xD Apreciando cada momentinho que tenho nesse projeto, mesmo que seja apenas exercício literário, quem sabe algum dia não aproveite para uma grande aventura em um compêndio como um livro, ahn? Ahn?

Não custa nada Sonhar... (Ah custa sim, custa glamour e o meu é bem temporário lolololol)

03 janeiro 2013

Conto - O Soldado Perdido

Tudo acontece em poucos minutos, como se a decisão tivesse sido feita nesse pequeno intervalo de tempo, tão urgente e apressada que mal sabia se os resultados seriam viáveis. Arrastando sua perna dilacerada por uma bala inimiga, uniforme coberto por lama, suor e sangue, rosto marcado por ferimentos e lágrimas que jamais iriam se curar, o olhar distante e marejado, nas mãos vazias apenas o lenço delicado, bordado com a inicial de seu nome em um verde tão claro que parecia ser transparente. Apesar da aparência doentia, destruída e sem esperanças, o lenço o fazia sorrir.


E ao mirar o pedaço de pano de textura fina, ele sorriu mais uma vez, entre o pesar, o desespero e a alegria fugaz que a lembrança trazia ao ver que um pouco de sua antiga vida sobrevivera ao massacre de milhares de almas naquele campo de batalha vazio.

O soldado se arrastou mais alguns metros, sentindo a dor na perna se tornar nada além de um estímulo distante, ali no meio daquele campo vazio, ele se endireitou, face virada para a névoa que cobria os corpos de seus companheiros e inimigos, cobria a vergonha e a insensatez, cobria principalmente suas esperanças de voltar para casa. O Sol não existia naquele pedaço de Inferno na Terra, apenas o frio da manhã que engelerava seus ossos, o pestilento ar úmido dos cadáveres pútridos sendo consumidos pela terra em que pisavam, o vento que assoviava tão alto que era difícil manter uma conversa com qualquer um. Mas afinal de contas: Quem gostaria de conversar em cenário tão deplorável?

14 novembro 2012

Conto - Intrusão

O breve roçar nos joelhos fez com que a brincadeira iniciasse.

O tempo era curto e precioso demais para se desperdiçar em papo furado (Certo de que o papo furado também servia como pretexto para o jogo, mas esse não era o caso agora.), um joelho no outro, como se fosse apenas uma cutucada para acordar a pessoa do lado. E assim começou a intrusão.

A brincadeira inocente, não trouxe a disputa de quem tinha mais forças de empurrar o joelho de quem, mas forçou a aproximação entre as duas pessoas, como uma conexão imediata, logo ombros e quadris estavam no mesmo alinhamento e grudados um ao outro. Até então, nada era arriscado, nada era tão impossível e definitivamente nada era tão divertido quanto estar ali, sentada ao lado da pessoa que mais admirava em uma briguinha silenciosa iniciada por um breve roçar de joelhos.

Suspirou, não iria ganhar muita coisa demonstrando apenas isso, mas preferiu deixar a brincadeira seguir as regras da outra pessoa, sem se importar se conseguiria mais que o toque breve nas pernas, no quadril ou no ombro. Realmente não importava muito ter qualquer outra demonstração mais ávida de afeto, contando que aquele corpo ali não se afastasse do seu. Aí sim seria angustiante.

Suspirou novamente, a troca de olhares foi inevitável, assim como o risinho nervoso e sem graça. O joelho desafiado agora balançava na sua direção, batendo de vez em quando na sua cartilagem e produzindo um ritmo estável no seu corpo, estavam dançando e nem sabiam que música que tocava.

Os campos de proteção e vigilância para qualquer limite ultrapassado estavam ligados, armadilhas de ferro em volta, nenhum movimento brusco para não dissipar esse pequeno momento de movimento bobo de uma perna para outra, duradouro era o toque quando o joelho se encontrava com a coxa e ali ficava por alguns segundos antes de voltar a fazer o ritmo viciante de ninar. Queria estar com sono, mas não poderia, não daquele jeito.

Outra troca de sorrisos, mais timidez ainda, uma formiga intrometida circulando a mão fria da outra pessoa, sem pensar em consequência alguma, avançou o espaço pessoal dela e tentou enxotar o inseto. Conseguiu, mas percebera a intrusão tarde demais. 

07 outubro 2012

[contos] Dizia a lenda certa vez


[Dizia a lenda certa vez] por: BRMorgado.
Cenário: Mitologia Grega e imaginário grego-romano.
Classificação: 14 anos.
Tamanho: 1.412 palavras.
Status: Incompleta.
Resumo: Psiquê não saberia o que é pior: Ter seus segredos desvendados ou eles serem deixados de lado.
N/A: Baseado na alegoria/mito de Cupido e Psiquê.


Dizia a lenda que quando o menino tão estabanado de passos apressados e coração dolorido na garganta a viu, sua primeira reação foi cair em completo desespero. Não por estar desarmado e nenhum de seus artifícios anteriores funcionarem direito: É porque havia bebido do mesmo veneno que produzia.

O garoto, tão jovem, mas tão sábio em sua Arte de enfeitar a Realidade de seus semelhantes, era tão travesso quanto uma criança de 6 anos, inconsequente de seus atos tão inocentes, mas terrivelmente ameaçadores. Sua mãe não o continha por momento algum, seu pai aprendera a não admoesta-lo e assim se seguiu por anos a fio, preso naquela forma de rapazola encantador, charmoso e irresistível.

Seu nome não era tão importante, na verdade ninguém sabia pronunciá-lo direito e muitos apenas se importavam com as fofocas das suas irmãs, ela cresceu assim, fiando uma jaula transparente contra qualquer um que tentasse chegar muito perto. Quase foi bem sucedida, apenas nessa única vez em que o Destino (Ou será que eram aquelas irmãs fiadeiras que sempre a acompanhavam desde criança?) decidiu que seria diferente. E foi.

O que importava no entanto era sua beleza inigualável, tanto que muitos a invejavam por sua fisionomia perfeitamente simétrica e sua beldade jovial tão bem colocada. Um presente dos deuses! Muitos diziam, poucos sabiam o quanto era uma tortura para a bela jovem, ser reconhecida por sua beleza não era bem o que imaginava para si desde criança. E assim foi. Por anos a fio ela mostrava que não era apenas a beleza em seus traços que fazia jus ao seu nome nada importante, era sua astúcia. E ela mantinha esses sentimentos e palavras lacrados em um pedaço de pergaminho entre seus dedos, enquanto dormir. Deixava o segredo de sua beleza ali, para que qualquer um se sentisse tentado retirar o pequeno pedaço de conhecimento, abrir e espiar o que ela tanto exprimia tão bem em palavras do que para os outros, mas principalmente o segurava bem perto de seu peito para ver quem se atrevia a querer saber mais além de seu belo rosto de moça quase mulher. Alguém que se importasse com o que ela sabia e não o que ela sentia. Isso era reconfortante quando colocava a cabeça no travesseiro e se entregava a Morfeu para a imensa noite a levar.

E muitos tentaram e muitos tentaram, poucos conseguiram chegar a um passo da cama, um palmo do pergaminho, uma palavra do segredo, mas ninguém realmente conseguia compreender o porque se arriscar por acordá-la dos sonhos ao tentar pegar o pequeno pergaminho se não significava tanto assim. A maioria estava contente apenas com sua Beleza e apenas isso. Uma pena poucos perceberem.

Era noite e estava quente, era noite e nenhuma estrela ao Céu anunciou a sua chegada, nenhum passo a ecoar em seu quarto, nenhum intruso a ameaçar seu sono. Era assim que Psiquê se preparava para dormir em seu leito de pura aventura Onírica. Era justamente essa noite, em que seus sonhos estavam além de qualquer coisa imaginada por deuses e homens, em que o Amor apareceu. Não o menino travesso com as setas envenenadas de sua essência mortal, era a Própria em pessoa.

Enciumada e cheia de ódio por outra mortal ser mais interessante que Ela, a Deusa do Amor decidiu investigar o que tanto a jovem possuía para enlouquecer mentes com o poder avassalador de uma paixão efêmera pelo Belo. Com mil planos em sua mente, a Deusa do Amor teria sua vingança, ninguém poderia se comparar a ela, ninguém poderia disputar o seu lugar, ninguém...

"Oh uma carta secreta... O que será que há escrita? E por quê ela a segura tão forte assim? Seria o segredo de sua Beleza e Juventude? Seria a resolução de meus problemas?"

E como qualquer deus ou humano, a Curiosidade - Deusa de todas as Dúvidas - chamou mais alto o seu nome. Afrodite se aproximou da bela jovem de longos cabelos escuros, mirou bem a mão em que levava o pergaminho e com uma delicadeza surreal puxou o pergaminho de entre os dedos da garota. A cada momento de resgate do pergaminho, Afrodite sentia seu coração ressoar com a incrível sensação de descoberta e curiosidade, quase um contentamento maior que receber a notícia de qual era o segredo da Beleza de Psiquê Sempre atenta aos movimentos da jovem em sono pesado, Afrodite abriu o pergaminho com cuidado, apurando seus olhos divinos para ler a letra miúda e uniforme da jovem no papel tão amassado e de má qualidade.

Escrito estava uma simples frase que talvez fosse direcionada a ela, ou a qualquer um que se atrevesse a querer o segredo do coração de Psiquê. "Eu esperava você ler esta frase mais do que imaginas.".

Indignada com sua habilidade furtiva ser desperdiçada em uma carta sem sentido algum, Afrodite desapareceu, se recolhendo a ignorância pela charada na carta. Disposta a deixar a Vaidade comandar mais que sua Consciência, Afrodite ordenou ao filho que se executasse sua vingança: Faria com que Eros a atingisse com uma das setas envenenadas com o Puro Amor Avassalador, enviaria um bicho asqueroso e horrível para que ela caísse em apuros de paixão e todos sairiam ganhando nessa equação.

Por muitas noites Afrodite voltara perto da cama de Psiquê para encontrar um animal perfeito para executar sua fria vingança - e havia escolhido muitos, desde insetos e mamíferos, mas nunca um que pudesse igualar ao ciúmes sentido pela Deusa. Nessas noites ao divagar sobre qual seria a punição adequada a quem ameaçava seus dotes, Afrodite releu a carta tão secreta protegida perto do coração de Psiquê se surpreendera pelo conteúdo mudar a cada noite com uma mensagem singela, tudo isso atraía a Curiosidade da Deusa do Amor. A ameaça ainda estava bem acesa, mas a Gloriosa Deusa se intrigava cada vez mais com a troca de confidências noturnas. Confusa e impulsiva, Afrodite respondeu as missivas que encontrava com a jovem toda noite que a visitava: Uma maldição "Teu Destino és casar com a mais horrenda criatura do mundo e se assim recusares a se deixar levar, permanecerás solitária até teu envelhecer."

As visitas cessaram quando a ordem invejosa foi acatada, o filho estabanado obedeceu a mãe e tentou usar sua seta envenenada com o viscoso e escuro poder da Poção do Amor perto da garota, ignorando a carta, o segredo e a Curiosidade, Eros entrou no quarto, apontou uma das setas bem no rosto da jovem que afligia ciúmes na mãe. Com cuidado ele se aproximou e tentou espetar o belo rosto, com o esforço da acuidade ele produziu ruído e assim Psiquê acordou, sendo espetada pelo deus travesso e infligindo dano nele igualmente.

Diz a lenda que Eros percebeu que Psiquê o olhara diretamente nos olhos - apesar de sua invisibilidade - quando ele a atingiu, assim que sentiu a afiada ponta raspar seus dedos, o Cupido teve certeza que aquela era a mulher de toda sua vida. Psiquê era a sua amada e nada nesse mundo poderia interferir com esse Destino. Ou pelo menos era assim que ele queria que as fiandeiras tecessem.

Claro que decisões tiveram que ser feitas, choro e ranger de dentes, mas Psiquê permanecia apática a maldição, ao Amor desenfreado e aos apelos de Eros para que ela não casasse com ninguém além dele. E assim se foi por meses, em que ela viu a terra minguar, as flores murcharem e o Amor tão impregnado no detalhe das coisas morrer aos poucos pela exigência boba de um deus travesso. No final das contas a jovem percebeu que as pequenas cartas que segurava nas mãos antes de dormir eram retiradas dali e pousadas no chão, como se fossem apenas pedaços de pergaminho inúteis. O lado efêmero conquistara Eros. Jamais sua essência.

Condenada ela era a passar os dias ouvindo elogios por sua Beleza, nunca sua Essência, pacientemente ela ouvia sussurros nas noites, a agradar seus ouvidos, mas jamais perguntar sobre as cartas. Uma pena, a jovem deliberava com um suspiro insatisfeito (Fruto da Dúvida e da Curiosidade), ninguém desperdiçaria tanto tempo investigando além de seu atrativo físico.

E assim se foi quando o Oráculo alertou aos familiares da maldição da pobre moça, o exílio foi o seu castigo, algum outro deus dos ventos a levou para longe do Destino Pior (E esses, nem as fiandeiras poderiam se recusar a fiar), alguma grande história de Amor inventado. Todos sabemos então, a seta de Eros é que causou toda a confusão, mas jamais trouxe a Verdade à tona. Uma pena, a jovem deliberava antes de cair ao sono no imenso palácio ornado de pétalas de rosas e mimos românticos do Deus do Amor, ninguém sequer queria mais saber de suas cartas.

20 janeiro 2012

Contos Espalhados - Vozes

[originalmente escrito em 14:39 25/10/2007]

Vozes.
Vozes por todos os lados, vozes de poucos que contém meu coração
Vozes de muitos que sequer não estão mais
Vozes de alguns que me lembro
Vozes ao longe, ao léu, do além
Vozes.

Difícil explicar o que se assucede.
Vozes por todos os cantos.
Como acreditar em santo que não existe
Santo vivo que festeja o nosso dia
Prece mal resolvida mais atendida
Vozes de anjos que não tem asas
Não são querubins, não pretendem te levar ao Céu
Apenas anjos de carne e osso
Que fazem o dia melhorar sem trombetas
Que fazem sua vida melhorar sem promessas

Vozes
Vozes do além de Deus de Eru
Vozes que não vou escutar tão cedo
Vozes de quem não está por perto
Telefone
Vozes

Já tenho esse costume de dizer que mal sei escrever poesia, e não sei. Poesia é coisa abstrata de coisas mais abstratas ainda. Pode falar do real, mas sempre será no imaginário. Textos são de minha preferência, eles explicam bastante coisa com muita enrolação. O que se compara ao que eu faço da vida, escrever. É complicado viver de escrever e escrever do viver, ainda mais quando não se sabe fazer poesia. Tudo vira real, concreto, mecanizado. Posso culpar a sociedade, posso falar que é o sujeito fragmentado, posso dizer que é outra manifestação artística, mas tudo que sobra são vozes. Como no pseudo-poema ali em cima.
Como a minha vida continua seguindo.
Por vozes e apenas vozes.

Você nasce, cresce, reproduz e morre, postulou alguém aí. Eu acredito piamente no que ele diz, eu vivo o que ele diz. Você nasce e tem alguém que está do seu lado ensinando o que fazer ao crescer. Você pode culpar a sociedade, falar do sujeito fragmentado, dizer que é manifestação corporal ativa de algum ser parecido com você, mas tudo acaba em vozes.
A 1ª voz que você ouve ao nascer. A 1ª voz que te ordena. A 1ª voz  que te diz "eu te amo", mesmo você não sabendo do significado das palavras, você algum dia tentará acompanhar o mesmo caminho, tentará seguir a mesma corrente, mas como aquele famoso filósofo falou, nunca somos os mesmos ao passar por um fio d'água duas vezes.

Ida e volta. Coisas que não retornam, sentimentos que ficam ali trancados até uma voz desprender o que você gostaria de sentir. Porque sentir são exercícios de voz. Cada vez que você fala uma coisa, você está demonstrando os seus sentimentos.

Vozes.
Começa e termina nela.
Você nasce, cresce e esquece que ela existia antes mesmo de você. A voz que te guia para os caminhos corretos, a voz que te mostra o teu erro, a voz que te acalma numa noite de quarta-feira, a voz que parece cansada e admite que esteja cansada, mas que ao mesmo tempo vai retirando todo o seu cansaço. A voz de quem você ama.
Você sente porque você fala, não pelo que você sente.

Para alguns demora a perceber o quanto a voz é importante. A voz que te cala, que te repreende, que te humilha, que te amaldiçoa, que te prende ao círculo vicioso da vida. Nascer, crescer, reproduzir e morrer.
Última coisa que vai ouvir e primeira coisa que irá escutar ao acordar.

Forma mínima e medíocre de falar: "Escrever"
Escrever é simplório perto da voz. Escrever é tentar expressar com pares de coisinhas escritas em papel vagabundo o quanto se sente. Na maioria das vezes, culpar a sociedade, falar do sujeito fragmentado, dizer que é manifestação apostólica de alguma entidade divina. Ela tem voz, você não.
Então você escreve, eu faço isso também. E sou exatamente medíocre por essa razão. Eu escrevo pra não admitir que sinto, que falo, que quero ter razão de viver.
Eu escrevo. E faço isso bem. e vou fazer isso sempre quando puder para o resto da minha vida.
Nascer, crescer, escrever, reproduzir o que escrevo e morrer escrevendo.
Ponha os meus livros e escritos no meu caixão, feche e beije.  Daqui pra eternidade morrerei com livros debaixo da terra.
(E eu desisto de poesia, mas ainda desistirei de escrever.)

Vozes dos sonhos que me dizem como agir.
Foi meu subconsciente inconsciente em estado de semi-servidão. Posso culpar a sociedade, posso dizer que é o sujeito fragmentado, posso até dizer que é manifestação de Nienna em meus sonhos, mas não irei ouvir a voz dela em meus sonhos.
A 1ª voz que você acorda, a última voz que você pensa ao dormir.
(A música chega perto, mas agora prefiro que as notas falem por si só, elas sim falam de verdade, parecido com as vozes que ouço quase todos os dias da minha quase vida.)

De todas que escutei apenas poucas deram importância ao meu silêncio, ao meu escrever, a minha mediocridade de escrever tão escondida do sentir. Poucas que nem ouviram o que eu escrevia, mas leram e acharam que seria bom eu falar mais delas. Mas ainda tenho vergonha e provavelmente morrerei com elas só escritas.

A voz.
A sua voz principalmente.
A voz que me obriga a admitir quando estou errada, quando sou fraca, quando tenho medo. A sua voz e a de mais ninguém. Até a de quem eu achava que conseguiria extrair o meu eu de mim mesma não consegue chegar perto da sua entonação.
A sua voz. A de mais ninguém.
As palavras escritas complicam muito a nossa vida não é?
Olha só o que escrevi em menos de 20 minutos. Para falar eu demoraria uns 20 anos no mínimo.
Escrever é um ato vil contra os sentimentos. Palavras não sentem, elas incitam o sentimento, mas nunca a vontade.

Vozes.
De todas a sua eu prefiro anteriormente da gente se conhecer.
A sua voz que está cansada em uma noite de quarta-feira em algum canto do seu quarto e eu aqui no meu exercício de sentir.
Queria ter palavras escritas para definir o que é sentir a sua voz, mas ainda não inventaram algumas palavras para essa finalidade. Eu posso culpar a sociedade, falar que é o meu sujeito fragmentado, dizer que é uma manifestação de Mandos vingativo sobre minha vidinha de escrever, posso escrever sobre tudo isso, mas a cada dia que passa eu percebo o quanto é difícil falar a frase mais singela do mundo.

Não, não é a famosa: "Eu te amo"
É "Ammë" mesmo...

Aliás... A 1ª fala que a gente tem depois de nascer e provavelmente a última que ficará no fundo da nossa mente quando morrermos.
(E cada dia que passa é mais dificil ainda dizer a outra frase, mesmo que seja o que a gente sente de verdade, mas não tem coragem de dizer.)