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27 novembro 2014

[conto] ode ao desmemoriado sonhar


Tão cansada desses pesadelos.
Cansada pra caralho.

Dá para manter a concentração depois dessa? Sonhar no loop de imagens que NÃO se precisa realmente relembrar. Bem que poderiam inventar aquela pílula de dissolver memória, não me importaria nem um pouco em tomar um pote inteiro e esperar ficar babando em algum canto por aí.

Tão estressada.

Às vezes eles vêm, como sonhos comuns, diários, triviais, disfarçados daquele arzinho de que são inofensivos e então quase no final, BAM! uma palavra, um som, um cheiro, um registro detalhado de cada falha efetuada na sua miserável vida.

É assim que tem que ser, criança. Fez aqui, se paga aqui.
Bobagem do cacete.

Não vim pra pagar coisa alguma, vim pra aprender.

02 novembro 2014

[Projeto Reverso] Como Andar de Bicicleta

Título: Como andar de bicicleta - parte 7/12. (por BRMorgado)
Cenário: Original - Projeto Reverso.
Classificação: 14 anos.
Tamanho: 1007 palavras.
Status: Incompleta.
Resumo: Alguém se deixa levar por muitos pensamentos em uma varanda de madeira de algum esconderijo do grupo.
N/A: Projeto novo na área, Reverso será uma compilação de 12 contos pequenos sobre uma mesma situação, ambientada em um mundo atemporal ao nosso com um grupo de pessoas tentando escapar de alguma catástrofe eminente, o básico de sempre, sabe? E viva os universos paralelos que os sonhos nos proporcionam! Sim, a ordem dos contos está toda embaralhada \o/

SEM TÍTULO [1] - MÁ REPUTAÇÃO [2] - SEM TÍTULO [3] - A GELADEIRA [4]
SEM TÍTULO [5] - SEM TÍTULO [6] - COMO ANDAR DE BICICLETA [7]
A CONTRABANDISTA [8] - SEM TÍTULO [9] - SEM TÍTULO [10]
SEM TÍTULO [11] - SEM TÍTULO [12]

Trilha sonora:

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Como é sentir que vai morrer?
É como andar em uma bicicleta após anos sem praticar.
Sério, não é tão difícil assim. Apenas sentir que todas suas forças se esvaem de seus poros, deixando marcas no chão, nas coisas em que toca, nos outros que estão ao seu redor, tudo retorna ao pó quando se vem do pó. Extrema-unção nunca fez tanto sentido para mim.
O pequeno livrinho preto de capa rasgada está em meu bolso do jaleco, não atingido pela torrente suave que vai tomando conta do deck de madeira, o que importa agora as palavras sábias de antigamente? Quase nada, a não ser que minha mão tremendo está involuntariamente querendo alcançá-lo desde que me deixei vencer pelo cansaço, pela fome, pela hemorragia interna sistêmica.
" - Vai melhorar, você só está cansada" - eu convenço o meu corpo dolorido com essas palavrinhas mágicas, logo delibero o porquê não sentir mais meus dedos dos pés e minha visão estar turva. Algo errado está ocorrendo e eu só consigo sangrar até morrer aqui nessa varanda.

03 outubro 2014

[conto] Projeto Feéricos - Nomes

Título: Nome (por @_brmorgan)
Cenário: Original - Projeto Feéricos.
Classificação: 14 anos.
Tamanho: One-shot ( + 3K palavras)
Status: Completa.
Resumo: Às vezes nomes não fazem diferença na vida das pessoas.
Personagens: Mirela Gauthier, Monique (Mona) Gauthier, mendigo do Arges, Walter McDougal, Philippe Gauthier, Christopher Gauthier.
N/A: Quis imaginar um pouco do cotidiano da família Gauthier da querida feérica Mona e veio dessa forma. O primeiro encontro entre família e enamorados.

Estranho era essa, a criatura humana.

Sentiam pena de si mesmos o tempo todo e quando pecavam à mostra dos outros, precisavam de permissão para conseguir atravessar a humilhação. Indivíduos de todos os tipos de pensamento, conceitos e credos, às vezes lembravam que existiam coisas além deles mesmos e o visitavam na estação.

Os poucos hóspedes de grande risco.

18 agosto 2014

[conto] arrumando o quarto


Título: Arrumando a cama (por @_brmorgan)
Cenário: Original/Cotidiano.
Classificação: 18 anos. (Angst & sorta of Pain, como sempre, um bocadim de insinuações, linguagem inapropriada).
Tamanho: 2.552 palavras
Status: Completa.
Resumo: Diálogo simples ao se arrumar uma cama.
N/A: Fui embalada pelas vibes Nova Orleans e aproveitei o cenário que já tenho (Felicidade Adormecida, em breve um link prestável) para colocar essa pequena peça de diálogo.

===xxx===
A festa de "reinauguração" foi um sucesso.
Bem se sucesso pudesse ser descrito como um bocado de gente entulhada no andar debaixo, com música improvisada com qualquer coisa que estivesse a disposição, então sim: a festa foi um sucesso.

Motivos para chorar todo mundo tem, para sorrir bastava ter essa turma por perto. No meu caso para me lembrar que eu poderia viver mais um dia debaixo daquele teto sem ter um ataque de pânico fodido e me atirar da ponte da interestadual pra terminar de logo de vez com essa vida de merda que vivia.

(Bem, se pensar melhor, todos nós vivíamos uma vida de merda, sem exceção.)

22 fevereiro 2014

[conto] conversações debaixo do viaduto

A direção era controlada e bem calculada, já dentro de sua cabeça o mundo girava em milhares de ideias que nem ela mesmo sabia como freia-las (E não seria enfiando o pé no pedal de aceleração que faria aquilo melhorar). Resoluta de sua decisão nada planejada, no impulso da tarde quente coberta por nuvens escuras e o clima de mormaço caraterístico dos pântanos ali perto, ela deu a volta no Hospital e mais outra volta, e mais outra, e uma última para se certificar que estaria bem a vista de seu "alvo".

As teorias paranóicas dos amigos borbulhavam em seus ouvidos, o amargor na lingua para querer tocar em assuntos que as duas não tratariam em longos anos de amizade, a vontade de simplesmente deixar o fluxo de informações e palavras saírem de sua boca e acabar logo com aquele desconforto interminável de "o que poderia ser" e "o que não deveria ser". Impulso por impulso, ela estava certa (Pelo menos isso ela havia calculado muito bem a sua parte, estava certa, correta e ninguém a dissuadiria disso),o que poderia ser era maravilhoso, vantajoso, incrivelmente novo e surreal em certos pontos. O que não deveria ser era o que pesava mais: não queria estragar amizade de anos desde os tempos do colégio.

Como dar a notícia então? Não dar nenhuma pista? Mas a criatura era péssima para ler pessoas, ótima com os mortos e investigações bizarras, mas nada de saber exatamente o quê o outro pensava, nem quando os sentimentos e todos os sinais estivessem bem ali na sua frente. Isso foi subindo pelo seu pescoço, preenchendo boa parte de sua cabeça com a simples constatação de que ela não daria a mínima caso soubesse.

Esperou no carro, a chuva torrencial antes do turno da madrugada caiu sobre todos com surpresa. Enquanto o resto do mundo se protegia, ela deliberava o porquê de nunca conseguir NADA com a dita cuja, o do porquê de se sujeitar a acordar de madrugada e ir atrás de uma pessoa tapada emocionalmente ainda vestida de pijamas. Será que esperava por um abraço verdadeiro, um beijinho de agradecimento e por Deus... "Oh por Deus, me mostra logo onde é tua cama?" era o que ela pensava no exato momento em que viu a figura desengonçada, emaranhada em cabelos ruivos enormes, uma capa de chuva maior que seu corpinho e a bolsa tira-colo que sempre carregava. Era como se o mundo houvesse acabado ali naquele instante. Um breve instante em que se esquecia o que raios estava fazendo na frente de um Hospital se tudo lá dentro estava tranquilo...

Respirou fundo uma vez e mais vezes até sentir que seu sangue ia ferver seu rosto, pegou o retrovisor frontal e ajeitou o que deveria ajeitar, busto, blusa de pijama, lábios ressequidos, cabelos um pouco elétricos pela correria. Baixou o vidro do carro velho e assoviou com certa intensidade:
 - Hey você! - exclamou a mais nova surpresa com a visita não usual às 4h20 da manhã. - Tá fazendo o quê aqui?
 - Quer carona?
 - Não precisa não, tou beleza... - por um momento achou que verteria fumaça pelas suas orelhas.
 - Entra no carro. - disse seriamente, a criatura tonta não percebeu na gravidade da situação. Havia algo ali em jogo e era o seu coração.
 - Tou bem, darling... Vou a pé mesmo ali pro centro... Tá uma chuvinha tão boa né? - abrindo o guarda chuva distraidamente.
 - Entra-no-maldito-carro. - respondeu a mais velha entredentes e pausadamente. A mais nova a olhou com uma sobrancelha erguida.
 - Cê tá bem? Se estiver com porte de arma, não entro nem a pau... - a porta foi aberta com um empurrão rude da motorista e a chuva pesada ameaçou encharcar o banco do carro.
 - ENTRA LOGO!
 - Tá, não precisa gritar... - retrucou a mais nova entrando com todo cuidado para não molhar o assento e não fazer muita bagunça com suas coisas atrapalhando a passagem. Em um engalfinhamento entre bolsa a tira-colo, cabelos revoltados e capa de chuva transparente, a doutora conseguiu parar no lugar e colocar o cinto de segurança. Não mirou a motorista quando ela deu partida no carro, mas percebeu que algo estava errado.
 - Precisamos conversar.

13 janeiro 2014

[contos] Trust - NSFW - Rating +18

Já avisando, post NSFW, Rating +18,
classificação indicativa +18.
Título: Trust (por @_brmorgan)
Cenário: Original/Cotidiano.
Classificação: 18 anos. (Cenas insinuantes entre mulheres, f/f/f, femdom, leve BDSM, já avisei!).
Tamanho: One-shot (Curtinha)
Status: Completa.
Resumo: Confiança é algo que se conquista com o tempo, mas pode ser destruída em poucos segundos.
N/A: Tive um sonho, resolvi ficcionalizar. Não, não vou falar quem eram as protagonistas (Tá, falo se houver tequila no meio). Don't blame me, blame my pervyness...

Okay, um conto pequeno para testar algumas teorias e tocar algumas superfícies intocadas há alguns tempos. Fazia muuuuuito tempo que não escrevia smut-fic assim do nada, aconteceu que no Ano Novo tive um sonho - ahem - muito confuso e resolvi dar uma recalibrada nas cenas. Juntou isso e o povo do The Rabbit RPG soltar o verbo no grupo e pronto, deu até para fazer um plot legal. E sim, sou fui bem boazinha no enredo para poder exercitar melhor a escrita. 

Então avisando pela ÚLTIMA VEZ, conteúdo abaixo do link NÃO É apropriado para menores de 18 conforme as tabelinhas de classificação indicativa de filmes/seriados/livros e tudo mais oh internet fode tudo, literalmente! então se não gosta dos temas acima, esqueça, vá ler outra coisa, pule de postagem. Não me culpe de corromper vossa mente ou que fui uma má influência. BTW faço isso (o escrever smut-fic, pow!) desde os 13 e ninguém nunca reclamou até agora, então...

Oh pode apostar que há coisas que você não deveria
ler no trabalho ou em locais públicos.

31 dezembro 2013

[conto] breathless

Esse é baseado em um cenário meu e do Oto Guerra sobre alguns apanhados de Drácula de Bram Stoker e História Mundial (E vampiros envolvidos nisso). Com mais calma explico o contexto todo do Colégio Carmim (Ou Rosenrot, yeaaaah Rammstein!). Anyway: eles são caçadores dotados de "superpoderes" (Hunters), a maioria treinado em Rosenrot se especializa em alguma coisinha pra sair debulhando os sanguessugas e é até divertido - se a própria fundação do colégio não fosse amaldiçoada. 

===xxx===

O eterno jogo de gato e rato. Como uma brincadeira infantil encenada nas noites tempestuosas de Bucareste, a emoção da perseguição, o momento entre uma estocada e outra, aquele golpe bem dado, às vezes o sangue espirrando veloz nas paredes dos casarões tombados, a corrida de sempre nas ruas escorregadias de pedras tão sólidas e tão velhas quanto a própria cidade. A rotina do jogo se tornara vício e o vício trazia mais consequências do que imaginava.

O alvo era sempre o mesmo, a caça (que se fingia muito bem de caça, mas estava longe de ser), espreitava nas sombras, esperando o momento decisivo entre o atacar ferozmente e o provocar sofregamente, seu prazer em tudo aquilo era tirar proveito da "caçadora", pois nenhum outro hunter que conhecera tinha tal obstinação quanto aquela jovenzinha de descendência turca, pele escura pelo sol com um aroma persistente de areia do deserto e olhos tão ferozes. Não necessitava de palavras, insultos ou gestos maiores, era apenas se apresentar onde ela estava, caninos salientes, mandíbula pronta para uma mordida destruidora. A caçadora sempre "mordia" a isca, largando tudo que estava fazendo no momento - até cancelar o assassínio de outro vampiro - e correr atrás dela sem pausas.

Estava acostumada a ter atenção exclusiva de seus súditos e de seu gado, mas nunca recebera devoção tão fervorosa em forma de ódio por alguém. Aquela jovenzinha estrangeira ali a surpreendia pela selvageria, pela ausência de medos e pela urgência de alcançá-la e debater-se em uma frenética luta corporal que durava alguns minutos, até a "caça" cansar de brincar com o rato (Ou quando alguém se machucava de forma preocupante).

Não entendia o porquê do clichê estúpido de querer aparecer bem no final da noite, perto do amanhecer, apenas para atiçar o instinto de sobrevivência e vingança da pobre caçadora tão bem instruída em seus ofícios , os dois lados se apaziguavam, seguiam seus rumos e voltavam a se enfrentar na noite seguinte. Era patético.

[conto] rootless tree

Quantos rascunhos de contos deixei na inbox? Tou apavorada! Bem, postando sem terminar!
Sim, em inspirei na homônima música de São Damião dos pseudos-irlandeses pra escrever essa.

===xxx===
Abriu os olhos, pequenos olhos, de perninhas curtas e dormentes, de respiração ofegante já no começo da manhã, do retumbar ecoante dos passos no assoalho de madeira forte, mas que às vezes parecia frágil. Seguiu em passos trôpegos até a mesa do café, não havia nada para seu estômago: "Uma pena" pensou sem sentir as palavras, mesmo que sua Fome estivesse ali presente ao seu lado (Como um espectro amarelado cutucando seu corpo), a diversão lá fora era mais atraente.

Desceu as escadinhas de madeira, deu uma última olhada para a casinha tão humilde que habitava em suas horas de não-vigília e suspirou fundo. Hoje iria saber como era ser grande.

Em muito segundos incontáveis cruzou o quintal dos fundos, tênis surrado nos pés já grandes para prender com cadarços, calças amassadas pelo tempo que passou dormindo na cama improvisada da casa humilde, a blusinha de tecido fino balançava solta em seu corpo miúdo que não engordava nunca - falta de nutrientes, falta de tudo, falta de nada - ajeitou a touca rasgada entre os cabelos negros tão desgrenhados pela falta de banho e se aprofundou na Grande Floresta da Adultice.

[conto] Forgiven: as consultas na madrugada

Mais outro conto que não finalizei, mas não posso ficar com nada na fila do final de ano. Esse é do cenário de Forgiven Jojo Ulhoa, um conto enooooorme e velhaco que fiz em 2007 sobre uma criaturinha que perdura no meu trato digestivo (Não, não andei dando uma de Cronos e comendo meus filhos, mas se é pra dizer que o ego trágico da Jojo costuma estar emaranhado perto do meu baço, aí sim).

Como o incrível resumo do NYAH! Fanfiction diz: A vida de uma legista hipocondríaca e com problemas de aceitação. Com vocês, Joanne Ulhoa, a louca.
(Jzuis, preciso atualizar esse bichinho ano que vem!)


Nunca fui de acreditar em contos-de-fada, muito açucarados para meu gosto, muito exagerados nos detalhes fantasiosos, pouco consistentes com a Realidade que eu constantemente via e vivia. Contos-de-fadas serviam para aliviar pessoas de sua trágica existência, confortavam crianças despedaçadas pela sociedade e às vezes... às vezes, eles costumavam povoar meus sonhos como um enxame de pensamentos aleatórios que ocupavam minhas manhãs mesmo após acordar.

Com o tempo fui aprendendo que contos-de-fada são construções simbólicas de determinações morais de nossa modernidade, algo que a burguesia capitalista instituiu em nosso meio para padronizar comportamentos, taxar aspectos moralistas, vincular o status quo com a existência humana. Muitos filósofos e pesquisadores desprezavam tal literatura para instruir seus discípulos, mas as massas, elas adoravam contos-de-fada.

A vida nos ensina que contos-de-fada não são reais, não há "Era uma vez" cada manhã que se acorda, não há "Final Feliz" no final do dia, não há príncipe encantado de armadura reluzente em seu alazão, nem beijo apaixonado no final da tarde com o sol a se pôr, os mocinhos se dão bem, os vilões sempre se dão mal. Nada disso acontece realmente. Não há extremos na vida que vivo, apenas borrões entre os termos. Como odeio isso.

Arrasto-me para mais outro plantão, minha cabeça pulsando mesmo com o gosto amargo da aspirina em meu paladar, o cochilo na sala dos internos não adiantou muito para remover os resquícios de uma bebedeira na noite anterior, jamais deveria ter pedido o turno de final de ano, sabendo o quanto de álcool poderia ser consumido pelos meus amigos (o que raios a Tracy não me ligou até agora? Coloquei a guria no táxi e ela nem para dar notícias se tinha chegado bem?!), jamais deveria ter enfiado meus pés pelas mãos ao tentar me aproximar novamente do meu projeto científico mais interessante em todos aqueles anos.

Aperto o botão para o subsolo e sou seguida pelo senhor da manutenção, um homenzinho mirrado, grisalho, com cheiro de água sanitária, desinfetante floral e uniforme mais desgastado que aquele prédio. Ele sorri em silêncio, respondo com um breve aceno de cabeça, não sei se meus lábios estão preparados para arriscar um sorriso amarelo (Não quero tentar igualmente), esperamos até o elevador chegar ao seu destino e a porta abrir com um rangido esquisito. Agradeço-o por manter a porta aberta para mim e me preparo para o pior: as macas no corredor para o necrotério do Hospital.

Essa rotina maluca de visitar o sujeito de pesquisa não estava fazendo bem para minha cabeça. Tudo bem lidar com os problemas dos outros, lares destruídos, casais com problemas, insegurança de homenzarrões do Exército, mas nada superaria o impacto que eu tinha toda vez que saía daquele elevador e dava de cara com aquele corredor vazio, gelado, de iluminação absurdamente alta, com zumbidos de maquinário funcionando para manter a temperatura ideal para retardar a decomposição dos cadáveres esperando nas macas enfileiradas, apenas esperando a próxima rodada. Odiava mais ainda o que teria que lidar quando entrasse na sala de atendimento, era como revisitar o Katrina e ter todo o tipo de lembrança ruim que aquele lugar perturbado trouxera para a gente. Eu felizmente conseguira me manter sã e salva com muita meditação, aulas intensivas de pilates, limpando bem meu corpo com uma nova dieta saudável e bem formulada, e felizmente tendo alguém para conversar quando o pânico e os pesadelos chegavam. Já o meu sujeito de pesquisa se enterrara em um PhD maluco em outro estado, achando que iria espantar seus demônios com trabalho de campo e estudos.

Como se a Ciência pudesse salvar a gente.

[conto] parada pra breja

Comecei a escrever, não terminei, vou postar assim mesmo.
(Aí sou obrigada a terminar porque postei, lalalalala)

===xxx===
A criaturinha miúda arrastando os pés descalços, vestida como um acidente de carro, totalmente de preto e maquiagem pesada, parou na frente do balcão do trailer, deixando seus sapatos de salto agulha impossíveis no chão e pousou o queixo redondo na superfície de madeira pintada.
 - Baixa uma breja, monsenhor! - pediu ela levantando o dedinho mindinho e fechando os olhos com um longo suspiro. O homenzarrão que atendia dentro do trailer, alternando entre a preparação de um cachorro quente e uma leva de batatas fritas virou-se para ela com um hambúrguer lotado de recheio.
 - Chica, você sabe muito bem que não sirvo bebida alcoólica pra criança... - e batendo os dedos na travessa de alumínio com condimentos, ele chamou: - Mesa 42... - Angie pensou que o hambúrguer era para ela, mas levou um belo tapinha repreensivo do cozinheiro, indignada em seu estado de exaustão no meio da madrugada ela o olhou com revolta.
 - E-eu não sou criança! Tenho mais de 18 anos! - Emilio virou-se de novo para a chapa e continuou o preparo de mais um prato rápido para os poucos clientes da madrugada.
 - Apresente um documento de identidade válido e aí libero a bebida... - ela procurou nos bolsos inexistentes de sua saia frufru em fiapos e cheia de cintas de couro, rolou os olhos para o lado. A mesa 42 estava vazia. - Mesa... - Toby chegou esbaforido, ajeitando o pano de prato no ombro e sorrindo largamente para a cliente de sempre.
 - Boa noite, Angela...
 - Buenas noches, doguitozito... - ela disse sorrindo cansada para ele e o cumprimentando com o toque de mãos que haviam ensaiado tanto durante as reuniões no Clube de Caça. Toby pegou o hambúrguer e foi para a mesa 42. - Oh seu Emilio Santiago, não tem ninguém na 42, posso comer no lugar do cidadão faltante?
 - Tá maluca, anjinha? - questionou Emilio olhando para a mesa e acenando seriamente.
 - Tou vendo ninguém ali... - e realmente não havia ninguém sentado na mesinha de plástico barato com banquinhos de alumínio, o sanduíche entregue sumiu assim que tocou a mesinha. - Eeeeeeeita, o que é isso?! - exclamou a menina acordando de seu estado letárgico, seu corpo reagiu na hora com o sumiço do sanduíche. Toby veio andando com um gingado diferente no andar manco. - Tá soltinho aí por quê, oh Toddynho? Cê acabou de ver...
 - Os parentes do Toby finalmente estão frequentando o lugar...
 - O quê?! - Angie perguntou boquiaberta.
 - Alguns não gostam de aparecer para os humanos, então só dão um pulinho rápido por aqui e somem pro outro lado do véu... - explicou o menino-lobo endireitando a postura dela com uma puxada de leve nos ombros dela para trás. A garota feérica o olhou entediada.
 - Alguém pode explicar para eles que isso não é elegante? Tipo, confraternizar com a comida é algo sagrado nas minhas bandas... E não fazer sanduíches sumirem não é lá... muito... perigoso para um filho mais novo ver? - a pergunta foi feita para Emilio, mas quem estava ao lado de Angie era o mendigo do Arges, devorando silenciosamente as batatinhas fritas e sorvendo todo o refrigerante escuro que Angie detestava colocar na boca. - Okay, aparições como essa também assustam os clientes... Por isso você não tem caixinha no final do turno, Emilio. - ela tentou desconversar, olhando o mendigo de cima abaixo.
 - Bom ver você, Willian... - o mendigo grunhiu uma resposta positiva e continuou comendo sem parar.
 - Por Danu, olhe só você... Mal saiu lá do subterrâneo e está engordando com comida saudável e o líquido corrosivo do capitalismo... Parabéns...






29 novembro 2013

[conto] conversações com alguém em particular


Os biscoitos delicados se esparramaram do pratinho decorado com entalhes prateados para o chão de cascalhos, pétalas de ipês roxos e areia fina e perfumada. As mãos desajeitadas que deixara cair o complemento daquele chá costumeiro antes do anoitecer não conseguiram alcançar o chão e limpar a bagunça feita, o nervosismo aparente da pessoa mais alta, suja e de aparência maltratada pelo tempo não deixava sua coordenação motora muito boa.

Quem apanhou os biscoitinhos delicadamente foi sua eterna musa, donzela tão afável e fagueira que o acompanhara desde criança quando ainda era uma pequena criança inocente no velho Eire. As mãozinhas delicadas da ninfa recolheram os fragmentos dos biscoitos finos e os colocaram de volta ao prato de onde haviam caído. Após um breve momento de silêncio constrangedor, o gesto convidativo da ninfa para o pratinho decorado foi aceito com um rápido gesto, mãos desajeitadas que trituravam o alimento, levando todos os biscoitos diretamente a boca. De boca cheia e mãos descoordenadas por muito tempo atadas às costas, mãos que não serviam mais para fazer absolutamente nada que prestasse quando era vivo, apenas o agarrar grotesco e trêmulo em cima do alimento que o serviam para aliviar sua doença.

A ninfa, graciosa em seu jeito de ser, perfumada naturalmente com uma fragrância de morangos e vinho branco, sentou-se a frente dele, serviu uma xícara de chá para si e em um pote de madeira entalhada serviu o de seu convidado inesperado. O suspiro satisfeito dado pela linda filha da Grande Floresta chamou atenção do mais alto - desconfiado do jeito que sempre fora - agora tentava se lembrar como era o comportamento de um gentleman que fora antes. Seu rosto quadrado e muito desfigurado dos séculos de castigos corporais, sol, tempestades de areia e destroços tombou para um lado, decifrando aquele suspiro vindo dela, a pessoa que mais confiava dentro de seu coração.
 - Não seja tímido... Vamos, beba... - ela anunciou indicando o chá servido no pote. Ele titubeou na resposta corporal, poderia estar delirando novamente como muitas vezes delirara em sua prisão. Poderia ser uma armadilha e aquele pote fosse o seu passaporte para o tormento temporário de muitas dores infligidas e que seu corpo cansado jamais se acostumava. - Ou poderia ser só chá de morango, Annami... Vamos... Beba…
 - O nome é Willian... - ele resmungou pegando o pote como conseguia e surpreso ao ver a mágica feérica tomar conta daquele objeto emadeirado se encaixar exatamente nas curvas nodosas de suas mãos atrofiadas. O segurar na mão esquerda estava firme pela primeira vez em 125 anos, um sorriso surgiu debaixo da barba espessa e irregular, lábios ressequidos alcançaram a borda do pote e beberam todo o conteúdo sem derramar uma gota fora, um risinho amigável vindo da ninfa encheu seu coração de novas energias.
 - Você pode mudar de nome, de rosto, até de corpo, mas para mim sempre será Annami... - ela bebericou o seu chá com uma fineza impecável, ele recuperando um pouco das forças, forçou os ombros para trás para ficar ereto na postura, mas os ossos doloridos de estar sempre nessa posição no cativeiro, o fizeram mudar de ideia. Curvado ficou, mas entendeu que deveria se portar como um moço de família, como um cavalheiro, estava na presença de uma melíade, não poderia se envergonhar com suas maneiras primitivas. - Você pensa demais... - ela disse pegando um morango açucarado e retirando um pedacinho da pontinha. Com a destreza de uma elemental da terra (E mais por ser uma criatura travessa), apontou o fruto no nariz do homem turrão a sua frente e o acertou em cheio.

20 setembro 2013

Revista Pacheco: Café Literário: Testamento de Uma Mendiga

Revista Pacheco: Café Literário: Testamento de Uma Mendiga: Aos meus pais, deixo meu desprezo, tamanha é minha revolta pelo abandono; Para as madames de nariz fino, deixo o odor de minha carne a de...

Esse conto é um #AngieFeelings do dia.
O Roe Mesquita foi uma criatura linda que conheci na FIQ de 2011, com uma cabeça feita tão boa e mente aberta tão expansiva que não há o que comentar aqui o quanto ele é FODA no que faz.

08 setembro 2013

[conto] nunca duvide do zelador

A madrugada se estendia quando sua vida era cercada de códigos para se desvendar, segredos para se criptografar, mensagens para se codificar e reter mais líquidos para hidratar o corpo curvado e cansado que a maioria de seus "colegas" de profissão.


Ser a programadora júnior do laboratório de banco de dados de uma grande universidade não era algo que ela almejava em sua curta vida. Era um emprego bom, pagava as contas, mantinha sua dieta fraca e nada saudável, conseguia ter mais acesso a lugares mais distantes do que ao fazer sozinha em casa em seu modem mixuruca impregnado de limitações dos Tecnocratas, ali na universidade o poder de alcance era explorado ao máximo, para que assim ela pudesse estar conectada a Realidade Virtual sem ter o incômodo de ter alguém espreitando pelo seu cangote ou ter a Polícia Secreta batendo na porta dando voz de prisão por "crime virtual".

30 agosto 2013

[Projeto Feérico] Trecho nº 3 - Estrelas estão no chão

A conversa não era tão amena como costumava ser. Havia aquela sensação de urgência disfarçada, às vezes palavras escapavam sem poder se conter. Na maioria das vezes era melhor respeitar o maldito silêncio que pregavam do que ter uma conversa amigável.
 - Andas muito quieta. Aprontando alguma? - a voz ao seu lado a fez sair dos pensamentos difusos que tinha para o próximo plano. Não era tão arriscado, mas precisava ter certeza que nada sairia errado. Não desta vez. Havia muita coisa nas entrelinhas para alguém perceber no que realmente aquela caçada a quimera-ônibus-escolar realmente significava. Ela fora o começo, e pelo jeito seria o fim.
 - Não que eu saiba... O clima não tá muito bom pra travessuras... - respondeu apenas abanando a cabeça com uma das mãos enluvadas.
 - Perdes um pouco do brilho quando o Inverno chega.
 - É esse vento frio chatonildo... Não gosto de ficar tremendo que nem vara verde... - o homem ao seu lado riu baixo, como se estivesse esperando aquela exata resposta. Tudo com ele parecia ser tão esperado e constatado, ele sabia de absolutamente tudo sobre ela, e ela apenas sabia que seu Dom da Sina não adivinhava nada sobre ele. Deu de ombros, não poderia reagir de outra forma. Quando criança ainda tinha fôlego para discutir sobre os encantos e adivinhações enigmáticas do Mestre, agora que passava para a vida adulta aprendera a escolher bem as palavras com algumas pessoas. Os dois mirando a escuridão do céu limpo do Inverno na Metrópole era como um ritual de entendimento solidário e solitário. Cada um em sua forma de se expressar carinho. A aprendiz cobriu a cabeça com o capuz felpudo de seu casaco, soltou um suspiro de frio e viu a condensação do ar formando em volta de seu rosto pálido, gostou do que viu. - Cê acha que vai nevar?

26 agosto 2013

[conto] defiance - o grupo sem nome

[o grupo sem nome] por: @_brmorgan.
Cenário: Defiance - jogo e parcialmente alusão ao seriado.
Classificação: 16 anos (morte, distorção de convenções morais, violência)
Capítulos: 1/?
Resumo: Na nova Terra de 2046, um grupo distinto e sem nome vaga pela Paradise (Antes território de San Francisco, EUA) combatendo o Exército Mundial de Coalisão - EMC - por motivos não tão nobres assim.

N/A: Era pra ser um one-shot direto, só com diálogos, acabou sendo transformado nessa contextualização chata aí. Mas sempre é bom, entendo que muitas pessoas jamais viram ou jogaram o game e conhecem pouco do seriado. Então não sejam bobinhooooooos, tira o atraso e vão ver Defiance!

Capítulos: [1] - [2] - [3] - [?]

===xxx===
A dinâmica de línguas não era comum a todos na pequena comunidade nômade em que viviam. As pessoas de fora os chamavam de outcasters, favelados, madrugueiros, ladrões, sequestradores de crianças, roovers, e outras palavras em diversos idiomas que talvez eles não tivessem nunca ouvido na vida. Eram poucos, de algumas raças, votanis e humanos, de idades variadas e especialidades múltiplas, todos com o mesmo objetivo: proteger as pessoas do EMC - Exército Mundial de Coalisão.


18 agosto 2013

[conto] o banco e a conversa

O primeiro encontro foi por acaso, algo como estar na vendinha 24 horas e "coincidentemente" topar com a pessoa assim sem saber como. Apesar de muitos anos terem se passado entre as duas, o primeiro olhar trocado depois de tanto tempo mostrava que a distância não havia mudado muito o que sentiam uma pela outra. Sorriram uma para a outra, trocaram algumas palavras triviais sobre a rotina e ao abrir a porta de vidro da lojinha, cada uma tomava sua direção.

Algumas vezes isso acontecia no meio da tarde, outras vezes no meio da madrugada, poucas vezes a "coincidência" se mostrava genuína, porque sempre havia ali um pequeno carrinho de emoções a ser segurado por uma das duas. Era muito tempo sem se falarem direito, uma distância conhecida quando não se conhece mais com quem está conversando, mesmo se uma delas fora a primeira pessoa a jurar a outra que iria passar o resto da vida ao seu lado.

As compras foram poucas, para uma as sacolas com comida eram incógnitas sobre uma indecisão do que comer quando chegasse em casa (Nunca sabia o que alimentar os filhos sem se repetir), já para a outra era uma simples distração do que poderia fazer agora que voltara para casa (Nem fome sentia direito). Antes da porta de vidro abrir e fechar automaticamente, a mais velha lançou uma pergunta simples, mas que incomodava bastante as duas:

 - Quer conversar um pouquinho?
 - Conversar? Já não estamos? - respondeu a mais nova esperando que a mais velha desistisse da ideia. Conversar estava fora da sua esfera de sociabilidade, não enquanto pudesse consultar o conselheiro novamente e perguntar se era necessário restabelecer algum contato, qualquer contato com pessoas de seu passado. Tudo era muito delicado naquele novo mundo desde que voltara do outro lado do globo terrestre.
 - Tudo bem se não quiser, eu...
 - Não, beleza... Bora conversar então... - a mais nova se ofereceu para carregar algumas compras, a mais velha recusou, uma argumentação sobre peso de compras e estatísticas de problemas de coluna na família da mais velha foi o pretexto para dividirem as sacolas. Uma conhecia bem a outra para recusar um gesto de gentileza.

24 julho 2013

Conto - Colégio Carmim/Rosenrot

Quarta-feira antes do feriado religioso.
Ótimo, maravilha, fantástico.

Estamos começando bem uma bela noite nada agradável em algum cemitério dessa cidade suja e fedida. Não que eu não goste de Bucareste, é um bom lugar para se viver. De dia, é claro. De noite as coisas mudam – as coisas SEMPRE mudam de noite. Um tombo ali, um arranhão aqui, um golpe certeiro no meio do peito do desgraçado que queria ter um pouco de você para ele. Puf, virou pó? Não, não é que nem na Tv ou naqueles filmes trash de classe D que te fazem rir tanto, é sangue espirrado do buraco ferrado no corpo morto, são mãos que tentam te sufocar enquanto luta para conseguir uma regeneração sobrenatural, é o final momento em que o cabo da pá do coveiro sai do peito do desgraçado e você não vê alternativa a não ser tacar a outra extremidade no crânio do camarada.

Hey, sem tanta violência, okay? Ele pode ser um sanguessuga, estar morto, mas também era uma pessoa, tenho ciência disso, às vezes piedade, mas quando você acostuma a fazer esse serviço toda santa noite, então nem precisa mais se deixar levar pelas emoções. O barulho dos ossos esmigalhados após o terceiro golpe com a pá é que me deixa pilhada. Como queria uma noite sossegada, só eu, um sofá confortável, uma lareira aconchegante, meu kit, minha seringa, minha felicidade instantânea.

Pra que diabos vim me meter aqui nesse país esquisito?

- Acabou aí? - pergunta a "mentora" que não faz absolutamente nada a não ser observar os meus deslizes e erros. - Não se esqueça de colocar fogo no corpo, lembra? Não queremos deixar rastros... - eu indico a minha jaqueta toda manchada de terra úmida, sangue e possíveis fragmentos de dentes.
- Eu sigo o protocolo, muito obrigada por lembrar... - ela dá de ombros. É o mínimo que pode fazer.
- Ah você sabe... “Ashes to ashes, funk to funk...” – ela continua no mesmo lugar onde estava, já eu levanto do chão com parte de minha cabeça rodando e a outra parte ainda alerta com um possível ataque vindo de alguma outra tumba. Esses malditos acordam sem avisar muito, sabe?
- "E todos nós sabemos que Major Tom era um drogado?" – completo a eterna música de David Bowie para minha eterna aliada, morta, mas pelo menos aliada, Frau Sonnenblume. - E eu sou também...
- Você deveria parar de dizer isso... – ela diz como se fosse a coisa mais normal do mundo quando estamos falando sobre eu e meu vício.
- É o que a maioria diz... – eu me encolho ao tossir além do que meus pulmões aguentam. Frio horrível de Bucareste. Quando não tá frio, tá chovendo. Detesto esse pedaço de terra esquecido por Deus.

Saímos do lugar tão amaldiçoado por ter lápides demais dos Corvinus. Ela aponta para uma e me cutuca na cabeça.
- Olhe... Esta sou eu! – e ri de um jeito que faz minha espinha se retorcer mais ainda que meus pulmões instantes atrás. Odeio quando ela me lembra de sua condição de morta-viva sugadora de sangue alheio.
- Não gostei. – passo pela lápide manchada pelo tempo e sem adornos. – Muito fora de moda essa daqui...
- Oh sim, por que na Espanha é como?
- Não enterramos corpos na Espanha. E eu não morava na Espanha, é País Basco. Diga isso a um cidadão do País Basco e você vai ser pisoteada por uma multidão de patriotas exacerbados.
- Bom saber... - ela dá de ombros, saindo do lugar e verificando o corpo inerte que deixei desfigurado ali perto.
- Nós cremamos os mortos.
- Não gostei. – ela repete o que digo com a ênfase em meu sotaque nada perfeito do inglês defeituoso que aprendi durante minha estada em Londres.
- Eu deveria te bater com essa pá. – eu respondo inocentemente segurando o instrumento que carrego para disfarçar nossa condição naquele lugar. Graças a Deus que o tal do coveiro deixou a gente entrar pelos fundos.
- E eu deveria acabar com o fio de vida que você ainda deve a minha pessoa. – Como odeio quando ela é educada comigo.

Pego meu isqueiro, tento atear fogo em algumas partes do vestuário impecável do vampiro que acabamos (Acabamos, fui eu que fiz o serviço todo?!) de exterminar da face da Terra, a porcaria não segura nem uma chama. Cansada, dolorida e sem perspectiva alguma de poder cozinhar uma bela mistura de heroína para aquela noite, faço o que devo fazer. Desenho a porcaria do símbolo perto do corpo, repito algumas palavras de poder qualquer e chuto o maldito pro círculo. Com um pouco do fluido do isqueiro, deixo a chama viva cair em um traço do desenho e tudo está acertado.

O corpo morto entra em combustão quase espontânea, a decrepitude que ele já tinha se esvai em um segundo e logo nada sobra para contar história. Respiro aliviada e me encaminho para o portão dos fundos do cemitério.

Menos um sanguessuga na cidade.

16 maio 2013

[conto] Cons(c)erto nº1

A casa era humilde, datada de muito tempo antes de muita gente nascer. A madeira em que pisavam rangia debaixo das dezenas de pés que já o pisotearam e o amarelado das paredes brancas pintadas com gesso mostrava os anos que aquela pequena residência estava ali, enfrentando vento, chuva e frio, à beira com o Grande Mar, sentindo as ondas incertas baterem em seu alicerce, as pedras de sua base tão firmes que nenhuma rachadura se abrira até então. Sua fachada era um branco sem graça, com as janelas marcadas em um azul escuro que trazia falhas em alguns pedaços, o acabamento das janelas e portas era em madeira sólida, mas como o tempo não perdoava, se encontravam empenadas e com frestas visíveis.

O vento fazia um espetáculo diferente todo dia de chuva, trazendo a brisa fria do Oceano e esfriando o  terreno amplo em que a casa se encontrava, uma fina névoa descansava sobre os terrenos, aumentando a umidade, mas as paredes bem vedadas com madeira e tijolos artesanais faziam com que a casa mantivesse o calor para aconchegar os residentes. O som que o vento produzia era alto e distinguível para quem estivesse dentro da casa, como um assovio mal feito, até ser engasgado pela bufada de vento mais rude.

Aquela casa jazia no meio de uma vila abandonada que não trazia ou levava ninguém. Exatamente ali, escolheram o seu refúgio de muitos anos, a morada de muitos na família, agora jogada ao resto que sobrara após a Guerra. O dono era um senhor robusto, muito alto e de poucos cabelos. O rosto rechonchudo denotava o seu labor diário - era agricultor - e as ancas mostravam que a idade finalmente o vencera. Uma bengala ele segurava firme em uma mão e o cachimbo na outra, sempre cheio de tabaco colhido da sua própria terra,o meio sorriso no lábio superior defeituoso causado por uma antiga cicatriz de briga nos tempos da juventude o deixava mais ameno para a criançada, mas os mais velhos sabiam o quão severo aquele senhor poderia ser quando provocado.

A vida era simples para ele, apesar de tudo.

19 abril 2013

[conto] a garota mais estúpida do mundo - forgiven jojo ulhoa

Título: a garota mais estúpida do mundo (por BRMorgan)
Cenário: Original/Cotidiano, Nova Orleans.
Classificação: 16 anos (distorção de convenções morais, confusão mental).
Tamanho: 802 palavras.
Status: Completo.
Personagens: Joanne Ulhoa.
Resumo: Quando se troca os medicamentos, há sempre as consequências. Jojo sofre de um tipo de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e tenta conviver com isso da forma mais sadia possível.
Disclaimer: Mais sobre Forgiven Jojo Ulhoa tá aqui nesses links [x] [x] [x] - Esse conto faz parte de uma epopéia que comecei na época da Graduação: Forgiven Jojo Ulhoa que conta a história de uma assistente de medicina legal, residente em um Hospital de uma cidadezinha chamada Morgan no distrito de Parish na Lousiana. Teve uma continuação não terminada e não prestou muito para continuar, mas não custa nada postar por aqui.


Eu só sou uma garotinha perdida entre esses corredores, achando que vou encontrar todas as respostas dos enigmas mais mirabolantes do mundo bem aqui na mesa de necropsia. Sou tão perfeitinha! Tudo que faço dá certo, tudo que quero, eu consigo, não desejo mal a ninguém e não desejo amor à ninguém.
Nhé.

E eu pensando que seria fácil. Nunca é fácil.
Você deixa um pedaço seu pra trás quando resolve esquecer as coisas. Tipo memórias não são memórias à toa, são? Tem toda aquele aspecto anatômico de memórias recentes ficarem bem ali na frente da sua testa, não? E aquelas que duram pra sempre lá atrás, bem escondidas bem perto da sua nuca. Vai ver que é por isso que sinto tanta dor de cabeça nessa parte específica acima dos olhos.

04 abril 2013

[conto] as quartas-feiras

[conto curtinho crossover para Forgiven Jojo Ulhoa, um conto que escrevi em 2007]

A semana começava no domingo, o dia em que não trabalhava e nem descansava, mas passava boa parte de seu tempo no parquinho na frente de casa servindo o seu papel muito bem. Os gritinhos de alegria e de comando, a areia entrando nas barras da calça, os baldinhos que viraram de cabeça para baixo para serem castelos de areia próximos um do outro. Muitos brinquedos eram despejados aos seus pés para recorrente manutenção e empréstimos entre as dezenas de crianças que lotavam o parquinho do bairro pacato e ensolarado em Nova Orleans.

A sua criança deveria ter uns poucos anos, crescendo exponencialmente com a quantidade absurda de vitamina de maçã e leite, mimos e agrados, exercícios dentro da banheira enorme de sua casa enorme ali mesmo no bairro pacato de Nova Orleans. Financiada, paga com tanto sacrifício que precisou esquecer sua própria vida para poder ter o sonho da família feliz. O marido estava bem ali com os amigos de domingo. Todos igualmente pais de família, todos atarefados durante a semana que o domingo se tornava um dia simbólico para todos envolvidos, quase como um ritual semanal de repor as energias gastas na sociedade capitalista e apressada lá de fora do bairro pacato de Nova Orleans.