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12 janeiro 2018

interlúdio - controle de danos

Eis uma rotina que vem atormentando periodicamente. Não é de hoje, nem de meses atrás, é de anos e anos tentando ser âncora pra navio que já afundou há Eras. 

"Mas vamoquevamo.", disseram. 

Primeiro lembrete do dia: paradoxos. 

Onde havia energia e motivação, apenas decepção e cansaço. Não precisa olhar no espelho, só checar o livro de cabeceira, algo aí da graduação que tanto empolgava. 

Não empolga mais. 
Nem faz muita diferença agora. 
Virou o que chamam de "mais outro ponto da lista de afazeres". 
Pede entredentes que não vire obrigação. Porque quando vira obrigação tudo fica bem mais insuportável do que costumava ser. Obrigação parece coisa de quem vai fazer algo sem sentido algum, servindo de bucha de canhão, fazendo papel de cão do sistema, sentado em algum lugar, atrás do balcão sem fazer coisa alguma. Aquele estereótipo de sempre que enojava. 

Agora tá ali, pensando se não seria melhor ser como muitos e apenas sentar atrás do balcão e ser um cão do sistema. Parece sedutor agora que não há motivação para absolutamente nada. Parece plausível com o sistema de tira e bota, do rentável ao imprestável. Prestativo não rendeu muita coisa, só dor de cabeça. 
E costas. 
E pulmões. 
E pernas. 
E coração. 

Pra quê então? 

Minutos se estendem pra sair da cama. Muito mais que o necessário. Hoje era para resolver coisas importantes, pois as coisas importantes serão o futuro daqui uns poucos meses, mas não há vontade de sair de cama ou às vezes da casa.

Hoje, pelo jeito, é dia de não querer sair de casa. 

Mas aí é preciso alimentar os gatos! 
Um deles arranhando a porta do quarto, o outro discreto, miando baixo perto da porta. 
Além dos gatos, se alimentar, manter o mínimo de vontade para fazer algumas coisas. Aquelas coisas importantes que precisam ser resolvidas. Aí vê o sofá e os gatos no sofá, e senta, os companheiros felinos entendem alguma coisa, pulam no colo, pedem carinho, arranham perna. Machuca, dói. Aparar as unhas dos dois quando der tempo. 

Que tempo? Tem tempo de sobra! 
Tá tudo bem hoje, hoje pode não ser dia de sair de casa, mas talvez de fazer a faxina, embalar suas coisas, lavar as roupas, dar comida aos gatos, verificar as caixinhas, não entrar em pânico, tem ainda muita ração e areia novinha. 

Que dia que conseguiu sair da cama pra comprar isso? 
Não lembra bem. 

Do sofá olha em volta e vê que não há ponto de fazer absolutamente nada. Porque pela lógica seguida é dessas tarefas, não há o que fazer, já que não há motivo grande para fazer algo mais. Posso deixar para amanhã pelo jeito. Ou não. Não sei mais.

Oh comer! Sim! 
E abrir a geladeira e ver a pia entulhada de trecos, e cozinhar. 
Cozinhar. 

Aí vem a parte perigosa do dia. 
Porque na cozinha há coisas e na cabeça há outras. Distração é uma delas, entre o ponto de deixar algo queimar ou de esquecer de esquentar algo. E as coisas da cabeça às vezes alertam sobre outras coisas que podem acontecer se não tiver mais cuidado com o que pensa, porque na cozinha há coisas. 
(afiadas, pontiagudas, quentes demais, um acidente pode parecer convidativo quando o dia...) 

Aí vem as mensagens. 
Alguém que importa. Alguém importante. 
Bons dias, bons dias, tudos bens, tudos bens, tá tudo legal? Tá tudo legal. Agora tá. Parece estar bem, agora, nesse momento. Aí o dia parece legal pra poder fazer algo. Comer um pouco, fazer a lista de que tem que fazer, pegar a oportunidade pra ir e ir! Senão da porta não passa. 

E é estranho.
Porque sair por aquela porta era fácil antes. Era só ter a rotina, o vale-transporte, o banho tomado, os gatos alimentados e tudo limpinho e abrir a porta. 

Abrir a porta demora mais que se levantar de manhã. Às vezes, mais que dias para abrir a porta. 

Ficar em casa também não é algo incrível, é suportável, como daquela vez em que sair da conchinha consumiu tanto que fui obrigado a pedir arrego e procurar ajuda de especialista. Só que nem tudo dura pra sempre. Por exemplo, antes havia listas de prioridades, o que fazer, com o que gastar, quem pagar, onde não comprar, como fazer quando tudo for pro ralo. Agora parece suportável, daqui a pouco não mais. Deve ter algo na geladeira para comer, sem cozinhar, esquentar talvez, nada de se aproximar de coisas da cozinha e não deixar as coisas da cabeça virem a superfície. 

É um acordo legal. 
Não de bacana, mas de legalidade. 
Afinal de contas, é a sanidade aqui que está em jogo.

No jogo também se distrai. A distração é permitida. Ou algum tempo de distração, tem que fazer as coisas importantes, não é? Mas hoje é dia de ficar em casa! Não abrir a porta! Não precisa cozinhar! Manter o mínimo, controle de danos, controle de danos. 

Danos. 
Não teve nenhum até agora. 
Agora tá tudo bem. 
Até agora. 
Até hoje. 
Hoje tá indo.
Amanhã não sei.
Controle de danos.
Não dá pra pensar em amanhã e ser que nem hoje.

Outra mensagem, alguém liga. Alguém importante. 
Tá tudo bem aí? 
Tá, agora.

Paradoxos.
Daqui a pouco não estará.
Fica no sofá ou vai pra cama?
E se for pra cama e não acordar mais?
Quem vai alimentar os gatos?

Então amanhã vai ser diferente.
Não como hoje.
Sem paradoxos.
Com controle de danos.
Amanhã vai estar tudo bem, melhor que hoje.
Tudo bem.

10 janeiro 2018

patrono abençoai o ano com muito lolz, kthnxpls?

O blues costuma vir sempre no começo do ano por quê?
Porque a minha terceira avó (E a de milhares de pessoas órfãs desde 2016) voltou para o planeta onde essa pessoa linda deve ter nascido ou brotado, acho que foi espontaneamente surgido em uma nuvem de glitter.

Enquanto a minha cabeça deu um pane de não prestar atenção no que ele produziu nos últimos anos depois de Heathen para frente, não por falta de interesse, mas por descobrir que a minha terceira avó é também o Patrono mais awesome do povo da Letras. Foi meio uma viagem reversa ao tempo, da fase EBM fui pra Trilogia de Berlim (Minha favorita, aliás), para então estacionar em Ziggy Stardust Era.

Ai caracoles, passear nessa linha temporal desalinhada do Patrono é como um episódio de Doctor Who. Um episódio bem bom, com final feliz, só que ao contrário, em um desconexo fluxo temporal sem muita... ahn... deixa pra lá...
(Aliás, créditos para BFF effing awesome Bea por passar esse link totalmente nonsense, mas incrivelmente "yeah faz sentido!")

Já que janeiro me faz sentir que a perda é maior que o jazz (Blues ali em cima, sacou?), resolvi tirar o recesso do Blog e voltar a escrever. Não antes sem expressar minha gratidão a única criatura intergaláctica que me moldou o que sou hoje. Esse... trem... chuchu... cara... tipo meio pessoa, mas alien e... oras! vocês sabem quem é!













Com isso tudo acertadinho, e a vida prossegue sem muitas surpresas, mas vários desconhecidos, David Bowie vive. Em cada um de nós, netinhos, netinhas e netinhes que ele deixou aqui na Terra para causar alguma diferença nesse mundo tão banal.

Bora fazer a diferença?
Gimme some Lolz, Patrono!

01 janeiro 2018

ano novo, faxina (virtual) nova

Arrumando a casa dá nisso, ajeitar o Archive of Our Own todo para abrigar tudo que escrevo de contos e fanfictions.


Então se você se interessa em ler coisas que escrevo, tá lá no site indicado nos links, a interface é mais limpinha, fácil de navegar e não pesa tanto em ler no celular. A preferência para o AO3 é por conta puramente biblioteconomística - obrigade sistema de tags pra fazer folksonomia direitinho! - mas também valorizando a melhor forma de quem lê.

Vou deixar aqui os principais trabalhos em progresso que estou organizando, adicionando mais conforme for postando por lá.


Rating: Mature
Resumo: As crianças do massacre em Quel'Thalas querem saber o motivo da Eterna Guerra. Sorena Atwood vivia em dúvida sobre seu passado até um corvo agourento fazer o chamado de sua vida.
Site gêmeo de puro lolz: Tem um Warlock no Meu Sofá.

Forgiven Jojo Ulhoa 
Fandom: Original Work
Rating: Mature
Resumo: Conheçam Joanne Ulhoa, a assistente de médico-legista mais hipocondríaca que você respeita.

Felicidade Adormecida
Fandom: Original Work
Rating: Mature
Resumo: Felicidade Adormecida é como chamava em seu coração, heroína nas ruas.

Feéricos - contos para sonhar
Fandom: Original Work
Rating: Mature
Resumo: Uma metrópole comum em algum lugar do mundo.O grupo de caçadores liderado por Raine é especializado em capturar criaturas criadas pelo imaginário dos Filhos-Mais-Novos (os humanos) e pelo seu próprio povo (os feéricos), manter tudo na devida ordem e paz nunca foi tão difícil até encontrarem um desafio a altura.
Esse projeto acompanha: Conto com Angie - Os Escorregadios.


31 dezembro 2017

reminiscências de 2016 para 2017

[EDITANDO: postei esse textão no facebook no dia 30/12/2016 por uma razão em particular, mas achei pertinente postar aqui no meu repositório antiesquecimento por razões óbvias. Vivi muitas situações esse ano em que infelizmente respeitar a babaquice dos outros foi a prova de fogo desse 2017.]

"AVISO:
obrigado
por notar esse
novo aviso.
Seu notar
tem sido notado
(e será reportado
para as autoridades)"
Tem umas coisinhas que é bom manter um nível de respeitabilidade e tolerância, mesmo que não concorde. Desapegar de termos foi um dos desafios que mais me deram nó na cabeça nessa vida de escriba.

Então chuchuzinhos, mesmo que não concordem com os termos usados por um grupo específico ou ideologias ou até a questão do ponto de vista de realidades e vivências de outras pessoas, tudo bem, vocês têm todo direito de se expressarem sobre isso.

Mas apenas informando que isso não vai mudar as coisas assim no ato. Ler postagens sobre discussão de termos e conceitos e tudo ali envolvido e chegar a conclusão que nem as minorias são inclusivas (E esquece o papo de solidariedade aqui, Internet é um lugar essencialmente anarquico), as pessoas não são tolerantes e muito menos pode haver algum tipo de diálogo com quem não quer/sabe ouvir.

Humanos amam categorizar, fazemos isso o tempo todo, é uma forma estranha de se classificar quem, o que e porque as coisas são coisas, as pessoas são pessoas e todo status quo.

E a porra do status quo sabe como oprimir mais que criar entendimento.

14 dezembro 2017

[conto] jogando pôquer


Título: Jogando pôquer (por BRMorgan)
Cenário: Original/Cotidiano - Sobrenatural
Classificação: PG-13.
Tamanho: 5.974 palavras.
Status: Completa.
Resumo: Um partida de pôquer que poucos conhecem, mas muitos vivenciam em algum momento de suas vidas. 
N/A: Há elementos de cristianismo (cunho mais católico), mitologia greco-romana (óbvio!) e sincronicidade entre diálogos. 
Trilha Sonora: I'll see your heart and raise it mine - da banda irlandesa Bell X1

Mesa redonda, fichas coloridas espalhadas, uma nuvem de fumaça de um lado, charuto, do outro champanhe, no meio um velho senhor distribuindo as cartas já amassadas pelo tempo. Uma música antiga tocando de fundo, em ambiente tão boêmio, óbvio que o jazz moderno não tomaria conta. A melodia passou por gerações, o arranjo espetacular no improviso, não há letra alguma.

Do lado do charuto algumas quinquilharias na mesa, perto da mão solta não ocupada em segurar as cartas, anéis, botões de rosa, pingentes de brilhantes, algumas cartas perfumadas empilhadas.

O típico.

Baforada número 1 antes da primeira aposta.



Do lado mais limpo e organizado, a garrafa do champanhe mais caro, formulários guardados em uma pequena caixa organizadora, um sistema de senhas resumido em um aparelho do tamanho de um punho. O primeiro gole do borbulhante para a primeira aposta.

 - Falaram que hoje foram tomar café... - disse um.
 - Grandes coisas... Todo mundo toma café. - disse outro.
 - Não assim, juntos.
 - Ué, tem diferença?
 - Claro que sim...! - o um exclamou olhando suas cartas.
 - Foi o quê?
 - Café com leite, duplo.
 - Não faz diferença nenhuma
 - Quem pediu foi a outra.
 - Gentileza? Pessoas podem ser gentis também, não?
 - Vindo de você, não duvido.

13 dezembro 2017

disclaimer de final de ano

Como é que chama aquele feeling que começa fermentar bem assim do ladinho do estômago com uma pitadinha de pimenta malagueta que vai sendo adicionada aos poucos na infusão de bile amarga e suco gástrico?

Oh gastrite nervosa?
Úlcera?
Epopeia estomacal?

A garotada chama de ranço.
Então é isso mesmo que vou acabar nomeando esse estado de completa aversão a qualquer coisa vinda de certa universidade que não irei nomear, because...

Vai demorar pra expelir essa toxicidade do meu organismo pelo jeito.
(Acreditar 100% no potencial desse curso como relevante pra sociedade? Oremos para algum milagre.)

05 dezembro 2017

manifesto da legitimação da conchinha 3.1


Aos 27 havia escrito isso aqui [x], agora após um burnout do quoaralio, a única reação para demonstrar tal é repostar o que postei 4 anos atrás.
(Quede o botão de reblog desse tréco?!)



A conchinha está de volta por motivos de segurança nacional (Ou patrimonial corporal/mental).

Já que o pouco de tecido cinzento cerebral que me sobrou em 4 anos de academicice está chegando ao ponto de ser incinerado, é decidido em sessão extraordinária que haja a legitimação da conchinha, padronizada durante anos de pesquisa, arquitetura social e estratégia válida de autopreservação psicológica e física.

[...]

A presente pessoa escrivã desse Blog se entrega inteiramente ao encarceramento consentido na então intitulada Conchinha de Gary (meow) para que danos maiores não sejam perpetuados em larga escala.


Conclusão: Não tem como mais ficar fingindo que tudo está ok e sorrindo. Tá na hora da autorreflexão.

29 novembro 2017

já estamos em recesso

Tem rascunhos demais nessa fila, tentarei finalizá-los até o final desse ano, MAS já avisando que para efeitos de descanso acadêmico que não está sendo mais uma experiência prazerosa, estarei fazendo - vou estar fazendo - updates metalinguísticos/gamísticos no Tem um Warlock no meu Sofá.

Vai ter bastante updates de Contos, pois há uma dezena de capítulos de estórias que estou rascunhando e não publicando. se quiser ler ficção pra distrair, continue aqui de boas, se for sobre serviço de referência, movimento estudantil e qualquer assunto profundo de filosofia acadêmica (Que no final das contas não serve pra powha nenhuma, sorry/not so sorry), esquece. Vai descansar, vá ler um livro, vá jogar videogame, vá sei lá, ser feliz. Começa por aí.

Resolvi reduzir praticamente tudo que estava me causando dano agravado em questionamentos possíveis, inclusive esse amor pela carreira que escolhi para mim mesme. Espero que botar a linda Biblioteconomia para dormir no sofá (opa) durante o período de recesso faça bem para nós - ela enquanto entidade intangível que me enamoro a cada vivência, eu como corpo tangível que às vezes não aguenta mais as incoerências do mundo acadêmico - e para nosso relacionamento com o mundo.

And Bibliotequices de molho because apontar dedo na cara tá sendo muito fácil esses dias. Paciência é mínima pra tentar dialogar, logo: Parle à ma main.


23 novembro 2017

referências, referências a todo instante


A gente esquece que é criança também.
Bem lá nos fundilhos, uma fagulhinha, só esperando ser reanimada pra poder acender.

Causar incêndio, explodir um quarteirão inteiro?

Não, pra não perder um bocado da inocência e das referências.
Referência é tudo, gente.
ABNT não, pelamooooooooor!

Anyways, sou suspeito pra falar o porquê amo biblioteca escolar.
Ali é um celeiro de ideias pipocando a cada criaturinha entrando pela porta, falando nonsense no balcão, as situações bisonhas e bizarras, a rotina que nunca é a mesma. Biblioteca Escolar pra mim é como voltar a ter 9 anos de idade, dentro daquela salinha meio escura cheia de livros enfurnados lá na roça onde cresci com o pouco que sabia.

O divertido é ver como a criançada reage a algumas referências, quando se joga no ar.

Assucedeu-se que fui dar um pulinho no banheiro do local onde estou estagiando atualmente (Soon, saindo, my <3 indo por ralo abaixo), eu com jarra para medir água da cafeteira na mão, entrei no box, fiz meu pipi, lavei minhas mãos, fui vendo a fila se formando para o único box funfando para o pipi, alguns olhares curiosos pra saber o porquê de estar carregando uma jarra de vidro.

Então resolvo jogar uma referência aleatória de Bob Esponja.



Só que eu exclamei "CAFÉÉÉÉÉ!!"
A primeira criança que estava na fila abriu o olhão e respondeu na hora: "Café?!"
Resolvi entrar no embalo e retruquei com: "CAFÉÉÉÉÉ!!"
Ela ia dizer novamente o "CAFÉÉÉÉÉ!!", mas aí parou no meio de caminho e virou serenamente: "É que nem aquele moço do Bob esponja gritando "CHOCOLAAAAAATE!!" no episódio né?!"
E eu: "Issaê!"

Dividimos um high-five, gritamos CAFÉÉÉÉÉÉ mais uma vez e pronto, saí do banheiro, com um punhado de crianças nos olhando e rindo da cena.

Isso que renova a minha alma criançola, saber que essa garotada não tá tão bitolada como esses adultos chateeeeeenhos tanto gostam de dizer.

21 novembro 2017

Não é meu lugar pra falar

E depois de uma aula de comunicação incrível, 

Não é meu lugar para falar de algumas pautas.

Eu tenho consciência disso.
Gostaria muito que as pessoas ao meu redor também tivessem essa noção.

Não é meu lugar pra falar.

A gente silencia o Outro (em letra maiúscula, pois é uma entidade que é além de mim como ser humano e vivência. O Outro às vezes me fascina e também me assusta.) com palavras que fazem parte de nosso vocabulário, mas não são realidade para Este.
A gente silencia de tal forma que ao se tentar falar do Outro há estranhamento de mim mesme.

Mesme.
Isso, não mesma ou mesmo.
Aí tenho lugar para falar.
(Acho.
(Tenho? Posso falar?)

E olha só que absurdo!
A fala alocada a um lugar em um espaço-tempo que NÃO me pertence, mas que vivo mesmo assim.

Mesmo.
Como outra pessoa qualquer que não denota a minha condição.
O meu ser.
O meu estar.
O que sou.
O que estou.

Não é meu lugar pra falar.
Pois mesmo tendo o silenciamento como um tiro rápido, estampido em uma silenciadora (um acessório luxuoso para armas, tecnologia de ponta para abafar uma bala direcionada pro meio da testa da vítima), o Outro é feito da mesma matéria que a minha.
E não é meu lugar pra falar.

É minha vez de CALAR A BOCA É ESCUTAR.
Que seja na forma de discurso direto, envergonhamento contraído, palavra lida, ação feita, exagero impertinente, violência aceita.
Não é meu lugar pra falar.

Não é meu lugar pra falar sobre cotistas.
De políticas igualitárias entre pessoas.
A balança ideal de equilíbrio social e fantasia de um projeto de docilidade de corpos. 
Não é meu lugar de fala para falar desse mês, o que significa para muitos mais que eu.
Não é meu lugar discutir violência policial.
Não é meu lugar questionar o status quo. 
Não é meu lugar puxar uma vertente do feminismo e dialogar.
Ou sequer tentar dialogar.
(Posso dialogar?) 

É minha vez de calar a boca e escutar.
Pelo menos uma vez na vida.
Esquecer por um momento que o meu lugar silencia muitos outros.
Rasura o Outro.
Rasga, retalha, atira com silenciadora ou com bala de borracha espetada de alfinete, chumbinho. Baixa cacetete, canetada, conceitos acadêmicos, diminui direitos conquistados, silenciosamente. 
Não é meu lugar pra falar.

Sequer agir.
Por tudo que considero sagrado, minha língua vernácula que me maltrata a cada pronome de tratamento, não é meu lugar.

A Dor do Outro não é minha.
O choro e ranger de dentes não é meu.
Não é meu lugar pra falar disso.

Mas há.
Está ali.
Existe.

Reconhecer os privilégios para abafar a própria culpa.
Retroceder na fala dos privilégios e escutar.
Calar essa minha boca e escutar.
De uma vez por todas: ESCUTA!

No envergonhamento, na censura, na privação, na vigilância, na obediência, na ameaça pairante de uma silenciadora verbal na minha testa. ESCUTA!

Não é meu lugar pra falar certos tópicos.
E não me atrevo mais.
Não comparo mais.
Não associo mais.
Não relaciono com quê.
Apenas não.

Não é meu lugar.
Não é omissão, é entender que não é meu lugar de fala.
Não é meu íntimo, não é meu corpo, não é meu fardo social comunamente programado para ser exterminado pelo Estado, pelos meus privilégios, pela minha língua materna.

Não sou eu. 
Não é você. 
É o Outro. 
Ele quer falar. 
Ela quer falar. 
A pessoa quer falar. 

Então não é meu lugar pra falar.