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21 junho 2018

o se cuida

Com a idade vem a ruminação. 
Aprendi essa semana ao fazer o processamento de um livro ensaio sobre uma das teorias do Nietzsche que esse termo traduzido condiz ao se remoer um conceito até a exaustão para dali regurgitar algo. 

Não muito longe do verbo ruminar, a ação que os ruminantes bovinos fazem para completar seu ciclo de alimentação, a ruminação aqui se deve a uma constatação besta de ordem repetitiva. 

Pode ser uma pessoa motivada por um zelo extra ou por não saber o que falar mesmo, mas deparei-me com essa de desejar sempre pra todo mundo que passa por mim e/ou trava algum tipo de diálogo comigo com o "Se cuida.". 

Esse "Se cuida" não está mais reservado a quem tem meu apreço, mas com alcance até quem nem conheço, com a idade vem o peso das besteiras e às vezes, às vezes a gente precisa se cuidar. Ou ser lembrado disso. 

O cuidado consigo mesmo vai em diversas esferas de preservação. Ao dizer "se cuida", espero mesmo que a pessoa tenha cuidado consigo e não se exponha a nada que a tire de um estado normal de status quo. 
Porque o status quo mata, ainda mais quando são pessoas que não estão acostumadas a serem cuidadas, nunca cuidaram de nada ou que cuidaram de todo mundo menos de si mesmo.

20 junho 2018

a semana dos pesadelos

Assim como eventos esporádicos de nossa vida, a semana de pesadelos é um bocado tensa pra mim, pois é um aviso certeiro que minha mente está overloaded de informação.

Os feelings também fazem parte, já que este ano foi rollercoaster de emoções por trocentas coisas e descobertas e novas sensações e experiências.

Estar realizando um bom trabalho também mexe um bocado com os enredos de pesadelos. Então chego a conclusão que quando estou sendo boa demais em algo, é porque vai dar ruim. Fatalismo aqui comigo sempre...

Como já tinha relatado em post anterior, experiências de sonho lúcido foram um modo de coping as angústias de sonhos relativamente dolorosos e com monstros demais para se lutar. Quando se tem uma imaginação fértil para o cognitivo criativo, a vaca que vai pro brejo vira uma vaca revoltada com uma foice, raivosa e bípede. Sim, isso foi uma referência ao meu jogo favorito.

There is no cow level.

Exceto que na semana do pesadelo o círculo de palestras oníricas gira em torno de uma porção de atividades, desde terror noturno e episódios de paralisia do sono - que é o que tá rolando mais e tá agressivo os esquemas de sair do torpor - gatos fazendo rave de madrugada e me fazendo levantar pra ver o que será que derrubaram, viraram, se machucaram e talz. É cansativo.

Na maior parte do dia dá pra abstrair, fazer a rotina de sempre, tentar não me exaurir ao extremo pra chegar em casa, ir pro automático no chuveiro e dormir com metade do corpo fora da cama. Mas há sempre algo e esse algo vira uma série de pequenos enxertos de pesadelos que são costurados nos sonhos habituais (sonhos com rotina são os mais numerosos, eles me confundem às vezes ao acordar quando são intensos na questão de imersão).

Então uma situação que me incomoda no diário VAI vir me perturbar no sonho.
Mesmo tentando evitar de pensar demais nisso.

A semana do pesadelo não me priva de sono, mas me cansa mentalmente e fisicamente quando excede o limite possível. Já teve Passos do Luto, Clube da Luta, os sonhos que apelidei de "Cthulhu Calls" são os sonhos malucos com detalhes nada felizes e sempre terminam IRL com episódio de paralisia do sono. 

Paralisia do sono é aquela sensação em que você acorda e não consegue se mexer, falar, gritar, fazer qualquer coisa e para a cereja do bolo, há a sensação inquietante que há algo ou alguém no quarto em IRL com você. Muitos falam que esse estado de torpor é semilúcido, entre o sono profundo e o despertar, e é possível que tenha alguém (aí vai da crença de cada um, ok?) ali fazendo isso.

O que a semana de pesadelos faz comigo, acho que ninguém em IRL consegue fazer pra me tirar do sério. Pra manter o bom humor durante o dia é um custo, e os cochilos dentro do busão são mais proveitosos do que o conforto da própria cama. 

A falta de seguridade tá me perturbando até em sonhos.
Se não consigo relaxar em casa, no meu quarto que mantenho exclusivamente para dormir, então não sei mesmo como voltar ao ritmo normal e aceitável de descanso.

09 junho 2018

Balanço do semestre


There I go.

Como resumir esse semestre?
Altas doses de oxitocina no começo do ano, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, um alívio imediato por conseguir prosseguir no schedule acadêmico/profissional, aí aquela queda no poço da Samara com direito a aperto emocional de me fazer querer sumir da face da terra, um microondas queimado, receber apoio, dar apoio, sumir de vez em quando pra manutenção da sanidade, bombar em pelo menos duas disciplinas, pois não é saudável nessa altura forçar demais e ter uma crise nervosa, morder a própria língua, engolir o ego e o orgulho, voltar a morar na casa da mãe, melhora substancial de comportamento felino, as dorgas legalizadas que enganam as química dos celebro manolo!, Aurora Nealand, Ranhinha Ostraliana do Glitter, reconhecimento de alguns aspectos da vida, continuar no poço da Samara? Sim, mas agora confiar na rede que não vai me deixar na mão se eu escorregar. Falar pra minha mãe que sou trans não-binarie e não sofrer repreensão, negação, repulsa, incompreensão.

Dor.
Saudades. 
Escrita voltou. 

E que meu curso, de acordo com os doutores mais conceituados em suas bolhas alheias ao mundo real, NÃO É DA EDUCAÇÃO. Vixi Mary.

Foi um tanto de coisa, mas tô aqui, sobrevivendo. Tentando não entrar no ciclo vicioso de pensamentos infelizes e ações piores ainda.

Até deu pra notar novamente que meu coraçãozinho rude e gelado ainda funciona! Parece milagre, mas é só o atestado de que a maturidade emocional veio, então deve ser que haja alguma coisa boa para se aproveitar na vida além de querer causar caos e gerar questionamentos.

Ah! Voltei a sonhar.
Talvez seja a hora de reler os contos de fada com outros olhos.

06 junho 2018

empirismo não me decepciona

Empirismo não me decepciona

Além do sarcasmo e da apatia, algo que me rende bons frutos (e menos ansiedade, dores no corpo e afins) é o empirismo condicional da vida corrente.

E como qualquer criatura ansiosa e insegura, é de lei que irei me basear na vivência mundana através de fatos e não de lados. Porque lados há muitos, se apenas vemos em 3 dimensões, miguxe, experimenta passar dias em medicação forte pra ver o quanto de percepção a gente capta em poucos segundos de observação.

Já fui trouxa, admito com certo orgulho, pois a trouxice me ensinou a medir empiricamente os limites entre a minha realidade e a do Outro, essa esfinge inabalável com charadas ferinas na ponta da língua e muito silêncio constrangedor.

Diferente de Édipo e Perseu, não tou nem aí em decifrar charada pra ir adiante, prefiro bater aquele papo com a Medusa, ser tão estimável e subestimado na categoria de "monstros da mitologia" - lembrando que a Medusa foi amaldiçoada por Atena, sim aquela deusa da "Justiça" que esqueceu o detalhe básico de que a moça antes humana estava sendo assediada constantemente e então violada por Poseidon no templo dela.

Conversar com a Medusa traz solidez (bora começar com os trocadilhos?!), traz convicção, traz sinceridade. Olhar em seus olhos mágicos e instantaneamente se petrificar com o fato ali dado: não adianta fazer muita coisa se só vai quebrar a cara.

Então, em certa situação, vamos dizer, em que pai e filho, encarcerados em um Palácio estonteante no meio de um labirinto de desespero, têm a brilhante ideia de construírem asas enormes de penas resistentes coladas com cera para escaparem dali para a liberdade. O pai preocupado com o filho avisa que podem haver consequências graves se voarem muito perto do Sol, mas o ímpeto do filho (éesua admiração/curiosidade ao deus-sol) é tanto que é certo sua queda fatal.

Pai em luto esquece sua invenção, sua liberdade, sua promessa de felicidade para reaver o defunto do filho tão jovem, tão cheio de ideias, de sabores, de amores, de projetos e planos. Foi assim que Dédalo e Ícaro terminaram, o guri estropiado indo pro Hades, pai se sentindo eternamente culpado por não ter contido o episódio funesto, mesmo sabendo das consequências de se fabricar asas coladas com cera.

Se substituir pai por minha vontade de criar e filho como as ideias que costumava ter, temos esse paralelo super bonitinho para se deliberar. Engessamento nas práticas dentro de um ambiente educacional mata mentes criativas. O excesso de ordem e progresso mata quem precisa se expressar constantemente em forma de atuação direta com a sociedade. Sonhos são esmagados ao darmos a autoridade maior ao sol e não quem produz as asas com cera.

Não foi isso que me obrigo a acordar todos os dias, mas tá sendo o default.

Mas como sempre, toda vida, porém, contudo, o capitalismo tem uma vozinha de sereia atacando a nau de Ulisses: se hipnotizar com a harmonia do sistema e se afogar com sua falácia até findar mais outro Ícaro.

E ver Ícaros caindo tem sido constante nesses últimos tempos, e dói mais quando a cera usada nas asas deles também é base pra minha. A qualquer momento o sol/Hélio pode muito bem chegar e decidir aumentar de temperatura, esquecer das ordens de Apolo e me transformar em torresmo. E ele vai, essa é a certeza.

Então antes de acontecer: se aprochegue a miguxa Medusa. Mais precisa e com um toque de realidade. Um exterior esculpido em pedra, para quê voar se minhas asas estão debaixo dessa carapaça petrificada?

O mais importante: por que ter asas se a esfinge está apenas esperando abocanhar suas palavras, seus sonhos, suas ideias, sua criatividade com as intermináveis charadas?

Por que tentar se o padrãozinho medíocre sócio-instalado e sufocar até a morte quem desvia do normal?

Pra que entrar em desespero com isso?
Pra modiquê perder noites de sono, suco gástrico estragado, tentativas de interação e buscar aprovação se NÃO É ESSA A RAZÃO de aceitar a missão?

Conviver com esfinges, minotauros, reis megalomaníacos, deuses abusivos, Dédalos e Ícaros está perfeitamente encaixado no meu empirismo. Relevar a importância deles em minha vida pessoal/profissional é que está sendo novidade. A conclusão geral de mais um episódio desse teatro que insistimos chamar de vida?

Mantenha a vida pessoal LONGE da profissional. 
Faça o que a função pede. 
Não seja idiota em achar que vão dar a mínima (não irão). 
Você é um mero parafuso no mecanismo, seja invisível.
(Tá sendo ótimo, empirismo nunca me decepcionou ao me distanciar do objeto de estudo)

30 maio 2018

[escorregadios] pequenos deslizes


Título: pequenos deslizes (por BRMorgan)
Cenário: Feéricos - contos para sonhar.
Classificação: PG-13.
Status: Incompleta.
Disclaimer: Esse conto faz parte do Projeto Feéricos "Escorregadios" que está sendo postado aqui no Archive of our own [clique aqui] - essa série é inspirada em Múmia - a Ressurreição (um dos melhores cenários de RPG do antigo Mundo das Trevas).
Personagens: Margaret "Doddie" Dodson, Gloria Smith, Anthony Lackfin, Terrence Filligan, o Xerife, Mendigo do Arges.
Resumo: No interior de uma cidadezinha, longe da Metrópole, há um grave acidente de carro.1999 é o ano e muitos eventos estarão ligados com o cenário do Ano do Escaravelho.

"Estrada deserta, pouca iluminação, o vapor de uma maquinaria subindo pelo ar, cheiro de óleo e gasolina vazando empesteando o asfalto sem muita manutenção. Um cervo abatido no meio da pista, um rastro enorme de sangue acompanhando o rastro de borracha derretida de pneus.
Um gemido de dor. Uma mão parcialmente suja de dedos quebrados aparece no matagal que esconde um brutal acidente de carro."

Continua aqui...

27 maio 2018

[conto com angie] terra dos sonhos de ninguém

Título: terra dos sonhos de ninguém (por BRMorgan)
Cenário: Feéricos - contos para sonhar.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 493 palavras.
Status: Completa.
Disclaimer: Esse conto faz parte do Projeto Feéricos "Conto com Angie" que está sendo postado aqui no AO³ [x]
Personagens: Angie.

Resumo: Ângela Filha dos Ventos entrou sem querer em um ônibus escolar quimera. Isso mesmo! E a quimera temporal a levou para um lugar onde apenas as lendas dos mais velhos contavam que existia. Ali ela ficou presa por 42 anos até certo grupo de caçadores de quimeras a encontrarem e a resgatarem do limbo.

[...] A Terra dos Sonhos de Ninguém. 
Sem alarmes e sem surpresas. 

Estou dentro de um ônibus escolar. 
Aqueles amarelinhos horríveis, com cadeiras tão velhas e empoeiradas que parece que estamos aqui há muito tempo. 
Agito minha cabeça, quero acordar de alguma maneira, pois não quero acreditar que estou realmente aqui. 
Não aqui. 
Não justamente *aqui*.

Vou para uma das janelas de vidro embaçado, nada. 
Nadica de nada, nem ninguém.[...]

26 maio 2018

[interlúdio] as vibrações amanteigadas da vida


You're looking at me like I'm preyed upon
I'm gonna give in to you
Anything more and it's game on
Have you ever been in love

I've been sleepwalking the corner of hypnotised
I'm gonna give in to you
I couldn't help it even if I tried
Have you ever been in love

Playing in the garden of glorified
Sleepwalking the corner of hypnotised
Loving in the rubble of a landslide
Waking in the wonder of a sunrise

You're the something on my mind
Butter flutter in my breast
You're the something on my mind
Butter flutter in my breast

I've got a fear I'm running out of time
I'm gonna give in with you
2016 never felt so fragile
Have you ever been in love

We're playing in the garden of glorified
Loving in the rubble of a landslide

You're the something on my mind
Butter flutter in my breast
You're the something on my mind
Butter flutter in my breast
The Corrs "Butter flutter" - Jupiter Calling (2017)


Quando seus códigos de conduta pessoal não te permitem ir muito além daquilo que é esperado em situações específicas. 

Isso e o medo quase irracional de falhar novamente em me conectar emocionalmente com qualquer pessoa.

"Mas tem que se arriscar, melbeim!Viva a vida!!" - diz uma vozinha bem fininha lá no fundo da cachola.

*quede o emoji de dedo do meio hein*

20 maio 2018

o balanço da primeira semana

Ao que tudo indica, em 7 dias alocada em nossa morada, houve uma sessão descarrego no Zé Bunito e ele mudou da água pro vinho. Ver os dois gatos se entendendo tão bem, brincando, zoando, fazendo trapalhada e descobrindo novos cantos e jeitos de nos deixar desesperadas está sendo incrível.

O frio não tá ajudando, óbvio.
Todo mundo no estágio intensivo com Morfeu no meu quarto, pois é o local mais quente da casa.
Sério, mantenho esse local o mais protegido de friagem possível, pois a vida lá fora é cruel e gélida.
E NO MEU QUARTO É MODO ACIMA 26º GRAUX MODAFÓCA!

Tá rolando edredon com cheirinho gostoso de amaciante e secado ao sol, tá tendo modo analógico ouvindo CD em mini system de 2001, já rolou lágriminhas de nostalgia ao ver fotos minhas da década de 90 do século passado e também teve um alagamento básico por distraimento de água na máquina. Uma caixa de livros foi atingida, justamente a que tinha as primeiras edições de Rurouni Kenshin e Chobits.

Era pra entrar em pânico full mode?
Yep, mas convenhamos? 5 leis de Ranganathan na cabeça e respirar fundo, botar os encharcados na frente do aquecedor e esperar milagre. 

Há as dores também.
Elas voltaram com tudo. L5 e L6 estão fazendo campeonato de screamo nessa banda trash da minha coluna vertebral, nada que analgésicos não resolvam e paciência. Não adianta perder a calma dessa forma. 

A vida acadêmica tá sendo uma fucking bagunça, as usual. Teve barraquinho em postagem biblioteconômica como sempre e agora resolvi abstrair de um bocado de coisa pra não perder o fio da meada. Afinal de contas, foi exatamente isso que era o objetivo quando decidi ano passado voltar a morar com minha mãe novamente. Os 5 anos que fiquei longe dela nos ensinaram pra cacete como é difícil a convivência e os limites de uma e outra, mas acho que o que mais tá sendo surpreendente é o fato dela ter mais tolerância e eu mais calma.

Tudo que era preciso era um alinhamento de frequências de rádio.
Tá rolando isso também. Cada uma respeitando o lugar da outra e tomando conta da outra na questão de bem estar e saúde. A cabeça também tá ficando menos pesada com os pensamentos, o que agradeço imensamente, pois não preciso mais entrar no modo overthinking desde que estou dentro do busão voltando pra casa, o medo de estar sozinha em um lugar que não me dá mais segurança e plim, plim, saber que meus gatos estavam incomodados pra caramba com o confinamento.

Aqui pelo menos todo mundo tá fodido, mas se diverte.
(Referência #SddsOrkut)

Então tá indo bem, primeira semana okay.

16 maio 2018

medidas drásticas

Começa com um leve distraimento de palavras, uma falada que soa arrastada, talvez nervoso, talvez dificuldade em se expressar devidamente (afinal tenho simpósios inteiros dentro de minha cabeça antes de abrir a boca sobre qualquer coisa). 

Aquela sensação de "acho que estou esquecendo de algo?" vai subindo aos poucos, como uma aranha de muitas pernas afiadas, mas cuidadosas em seu andar. O foco então é então aumentado, como um estalo estático de pura adrenalina direcionada.

Prestar atenção em tudo ou apenas em um detalhe? 

A ansiedade decide na hora. 
E dói a escolha por não ser a outra. 
A ansiedade escolhe, mas também me convence que a outra opção também era válida. 
Meu cérebro discorda dessa premissa. 
É impossível, nesse estado semiacordado, manter a atenção em duas coisas totalmente opostas. 

Logo a aranha de muitas pernas, afiadas em suas maquinações, fria em sua execução, decide o que está em jogo: a atenção tão forçadamente ansiosa ou sucumbir novamente as medidas de precaução. 

Medidas drásticas. 

Meu corpo e mente estão acostumados com esse tratamento de choque. Tá tudo bagunçado? Confunda tudo. Tá tudo desordenado? Crie mais caos. Tá tudo barulhento? Faça mais barulho até ensurdecer. Tá em seu pico de energia recuperada, mas é a ansiedade dando o ultimato: "Ou vai, ou vai!

Então a aranha, de grosso corpanzil denso, quente, coberto por pelagem tão enganadora para fingir conforto e tranquilidade, se deposita em meu peito. Devagar, lasciva, sem pudores, deita. 

Medidas drásticas. 

Minha cabeça tomba sob meus braços cruzados em qualquer superfície sustentadora. O mínimo zelo com a postura já arruinada, espinha de muitas injúrias, costelas de muitos resíduos, órgãos de muitos estilhaços. 

A próxima lembrança é nula. 
Se a aranha está ou não adentrando meu peitoral, entranhando entre meus pulmões e se alojando em meu coração fraco, não sentirei. É momentâneo. Um instante entre estar completamente em sua sã consciência, firme de suas faculdades mentais, em domínio de seu próprio corpo, essa máquina infalível até que se prove o contrário. 

Cerca de uma hora perdida. 
O que parecia ser momentâneo.
O que parece ser um piscar de olhos. 
Cinquenta e oito minutos malditos perdidos em algum lugar entre o Erabo e o limbo. 

Onde as almas dos adormecidos vagueiam, os proscritos se revezam, os que não mais pertencem a essa existência reinam. 
Onde os doutores tentam desvendar com os aparelhos de polissonografia, os cabos e as anestesias, os treinamentos exaustivos e a disciplina diária. Cinquenta e oito malditos minutos perdidos em um oceano invisível entre os vigilantes e os adormecidos. 

A aranha com tanto poder, espreme devagar meu fígado, libera líquido viscoso, nocivo, espeta com sadismo meu spleen. Acordar de um sono profundo, terror abrupto, perda de tonus muscular, escape da consciência, estado vulnerável. 

Medidas drásticas. 

A fúria irmã da mesma besta primitiva urra. Ira instintiva por situação tão delicada de sono repentino. 

Não será exaustão? 
Não será preguiça? 
Onde escondo a indignação? 
A vergonha pessoal? 

A aranha escarnece, ainda alojada em minha corrente sanguínea, pronta para ser expelida e voltar ao processo novamente: espreitar, vigiar, se arrastar e atacar silenciosamente quando esse corpo aqui não estiver pronto para mais outro ataque. 

É assim que me sinto quando caio no sono sem mais nem menos durante a aula.