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22 abril 2016

o morgan mais velho


Eu poderia começar a escrever um livro infantil com a temática sobre a minha família por parte de pai. Daria uma estória e tanto!

Créditos da foto: Marlon Gaspar pelo Panoramio
Então hoje, após 19 anos sem uma conversa franca com o Morgan-mor, sentamos perto da Figueira Centenária, olhamos um pro outro e fomos conversar. O grande problema aqui é que a falta de comunicação perpetua dentro da família, sempre com a omissão de saberes, conhecimento, passados e lições. "Não faça o que eu faço, mas também não vou te explicar como não fazer o que fiz de errado, então é provável que você erre da mesma forma, se não mais epicamente". 

Mazomeno isso.

Já tava sentindo o comichão de ver os mais velhos por determinado assunto não-falado entre os familiares (um dos muitos), e crendo que as respostas viriam naturalmente, assim se foi.

[EDIT] OMFG havia esquecido que amanhã é dia de São Jorge!! E putz, Lua Cheia?! Resolução tava pedindo pra ser atendida prontamente!


Minha avó materna morreu há alguns meses atrás, fomos ter conhecimento disso só agora, parte de mim ficou arrasada por perder uma parte da história que não ia mais conseguir ser recuperada (avó sofria de Alzheimer), mas aí o comichão veio escandaloso. Tem mais gente na equação que tá minguando e eu, como a eterna idiota resgatadora de histórias para prolongar sei lá o quê - talvez a busca egoísta de querer saber de onde raios vim e como isso me afeta hoje - fui lá tentar compreender o que eu sentia.

Eram perguntas sobre a família Morgan em geral, como tinha sido a infância deles, qual era a orientação filosófica-espiritual, quais eram as percepções de realidade. Bem, acabei detectando muito do caboclo em mim. Algumas idéias fora do padrão, o idealismo estranho de seguir coisas sem muito sentido ou lucro, até entendi a parte do cara se virar para o pentecostal pra se sentir mais à vontade consigo mesmo. Eu já fiz isso e não deu certo. Ser politeísta está dando certo até então.

O que me doeu foi ouvir uma frase que já ouvi dos belos lábios de linda pessoa: o tal do "espírito livre".
O cara é de Aquário, vai entender qual é construção sobre esse termo na perspectiva dele.
 
Entendam, meu pai não criou raízes, não buscou se manter muito tempo em um lugar, com as mesmas pessoas, nunca fixou morada que pudesse voltar. Em essência o cara é nômade, e isso me incomoda um bocado porque querendo ou não uma parte de mim que se materializa em discurso mais lírico-amoroso também é uma nômade, sem-teto, menina de rua, outsider. Essa guria me persegue criativamente desde 2012 e desde essa época é que resolvi abrir o meu coração pra alguém.

Coincidência? 
Freud diria que não. 


Nem vou entrar na explicação psicológica desses fatos - pra isso que faço terapia, muito obrigada - pois posso ver claramente que aquela powha de karma familiar existe, e PRECISO dissolver antes que me mate. Ou me deixe em estado permanente de letargia emocional.

O que fui fazer hoje foi um exercício de reconhecimento, o de olhar bem pra quem me botou no mundo e dizer: "Oh, teu trabalho foi bem feito. Aos trancos e barrancos, obrigada por me proporcionar essa vida".

Agradeci pelo gosto musical despertado cedo, por nunca faltar nada na mesa enquanto ele estava em casa conosco, agradeci por me colocar nessa família estranha dos Morgan. É o máximo que posso fazer após 19 anos de omissão. Às vezes a gente se esquece de agradecer aos que mais nos magoam pelas lições ferradas que aprendemos, todos aqueles que pisaram, ignoraram, subestimaram, torceram para tudo dar errado, se omitiram (caso do velho), alimentaram esperanças em vão, abriram um rombo na caixa torácica e extraiu o coração sem nenhuma anestesia. 

Para esses, um muito obrigada. 
Sincero, sóbrio, amargo agradecimento.

A conversa se foi como esperava, o que eu queria saber não está contido nele, mas sim na minha avó - outro passo que terei que dar com mais cuidado ainda - sem querer fazer comparação besta com a minha área, mas vamos dizer que a remissiva me apontou pro cabeçalho de entrada principal que eu já sabia que existia. Nem precisou de consultar outra ficha catalográfica. Nem precisou apelr pro MARC21.

(coincidentemente a medalha de São Jorge que carrego como escudo no meu peito acabou de arrebentar e se perder dentro do ônibus enquanto escrevia esse texto, esplêndido!)

Não vou perder o foco, ainda há o comichão, ainda há coisas que me ocorrem - como foi nos dias hardcore após o acidente - e que estão aqui, eu não sei wtf como lidar, mas estão na batendo na porta e esperando eu atender.

Pode ser uma maluquice isso tudo que escrevo, talvez quando estiver mais velha essa powha toda não faça nem mais sentido, mas uma coisa eu entendi hoje: falta de comunicação resulta nas piores formas de tormento.

E karma fucking existe, foi só dar uma olhada pro camarada com os olhos cheios d'água e ver que aqueles olhos também são meus, tem sangue ali que é meu, que tem certos comportamentos e certos vínculos que passaram pra mim mesmo com pouco tempo de convivência. O orgulho tá ali também, alojado bem entre os pulmões, pai aprendeu como lidar com o dele, já eu preciso fazer com que o meu não me devore antes de conseguir decifrar.

Até agora tou com a do "espírito livre" entalada na garganta... Porque ouvir isso da única pessoa em que se amou verdadeiramente sem medo de nada e depois ouvir novamente de alguém que não fez parte da minha vida em momento algum é que nem aquela extração de músculo cardíaco sem anestesia que citei ali em cima. É como ver um mini poster passando pelos seus olhos do tipo: "Uuuuuuuuuuh eu te avisei!" - isso atinge o Orgulho bem diretamente. O tal do "espírito livre" não me passa ainda e definitivamente não foi feliz a escolha de palavras aí no contexto.

E acreditem, não estou interessada em repetir a experiência traumatizante novamente.
 
Isso vai me deixar ruminando um tempo, porque é assim o processo, mas valeu a pena. Abrir o diálogo foi preciso. Não há como resgatar 19 anos perdidos, mas dá pra construir alguma coisa aí, o que for. Nem que seja tomar lanchinho com ele uma vez por semana pra papear, não espero muito das pessoas, não quero forçar também a barra.
 
Lição para a posteridade: ter mais conversas com quem deve estar me protegendo. Sim, sei que vocês tavam comigo, obrigada por me darem sabedoria e alteridade pra ouvir e falar sem parecer babaca.

Conclusão da ópera dos Morgan: É assim que se atinge a maturidade pelo jeito, deixando pra trás algumas concepções, aprendendo a alternar realidades e assimilando o máximo de informação que houver.

Ps: Banho longo com sal grosso? Yep, sal grosso, porque a carga foi pesadinha.

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