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05 julho 2016

as categorizações que me matam

Vou começar a problemática trazendo o incrível, maravilhoso e awesome sauce da minha vida queer, além de ser minha inspiração automática em tudo que faço na vida. A minha terceira avó.
(Para referência, havia uma comunidade no Orkut com o título David Bowie é a minha terceira avó com ele vestido de avó, mesmo)



 - Você é homem?
 - Ultimamente sou um alien, tipo Superman, só não vim de Krypton.
 - Você é bichona.
 - Olha, adooooooro, obrigada, mas a única coisa agora é: véi, devolve o livro que cê tá desde começo do mês? Tem coleguinha na fila querendo ler e você nem pra devolver?
 

Estava ouvindo isso com mais frequência que o imaginado (o recorde estava na infância). São falas de crianças com menos de 10 anos, que visitavam diariamente a biblioteca onde estagiei. Ao me deparar com isso, o meu choque era apenas interno, aprendi a fazer egípcia, strike the pose and Vogue. O que poderia me desmantelar emocionalmente há anos atrás, agora chega a ser trivial. Sou bicha? Sou. Vou fazer o quê? Eu sou bicha, tá tudo certo pra mim. 

O fogo de pesquisar intensamente sobre um assunto é que você acaba descobrindo muito sobre si. Here is the thing: a forminha em que fui moldada era de aço reforçado, mas uma coisa que me faz derreter que nem manteiga é quando certas teorias se aplicam certeiramente em algo que lá dentro já desconfiava desde sempre. Talvez essa parte minha de sempre questionar primeiro e depois ver se a prática pode ser aplicável me deixa em umas posições de não-posicionamento.

Isso tá aflorando teoricamente com todo rebuliço que a graduação está causando em algumas perspectivas engessadas, algumas bem bem bem forma de aço puro, sabe? Estudar com outras mentes fora do padrão comum de sintonia com o mundo é gratificante às vezes, mas dá nó na cabeça, acredite.

Debaixo do link tem rebeldia bowieana, muita autopercepção e tchanan, me identifico como não-binárie!
(E sim, ainda tou acostumando em usar pronomes, artigos neutros nas postagens, adequação linguística tensa!)


Quando o assunto é sexualidade e corpo, sou bem em cima do muro. Não porque a minha criação cristã-protestante não me deu oportunidades de entender o que se faz com esse corpo material aqui: "[...]vosso corpo é o templo do Espírito Santo" - tá lá em 1 Coríntios 6:19, grudado pra sempre na minha mente, e haters gonna hate, potatoes gonna potate, acabei caindo no lugar-comum de citar aquele livro menos vendido que a saga Harry Potter junta (Sim, os números não mentem, tia J.K. vende mais que a Bíblia). Mas fazer o quê?! Esse trem foi o que moldou a minha adolescência!

O que vivencio desde criança é esse sentimento de imparcialidade e tudo é possivelmente discutível. Até as coisas que não precisam ser discutidas, até aquilo que ninguém quer que seja discutido, mas hey! Sempre vou achar uma forma de acabar discutindo o trem que é indiscutível (???).

O corpo está nessa imparcialidade, pois desde pequena a auto-imagem que nutro de mim mesma é completamente contrária à disposição de discursos de gêneros que vemos. Não me sinto à vontade com vestidos, a cor rosa me distrai pra cacete e comportamentos "femininos" esperados - toda a bagagem cultural, política e social de ser mulher - me parecem ilógicos. Assim como não acho graça em demonstrações de testosterona dos meninos, o "machão comedor" que é empurrado goela abaixo como default, não entendo porque coçam/ajustam sua genitália em público sem receios e definitivamente, a lógica do mundo masculino é mais pirada que as imposições lógicas do feminino.
(óbvio que alguém teria que ser dominador e outro dominado, hello? Foucault na cabeça?!)

Aquela normatividade que me incomoda, o fator de que para representar certo modelo de ser humano preciso preencher todos esses pré-requisitos. Não funciona comigo desde criança, continua não fazendo muito sentido agora. Por que seguir essas regras sociais de trato estético, neurótico, se não me sinto confortável em nenhum dos dois lados?

Por que raios tem que ter dois lados?
Gente, a gente enxerga em 3D, há pelo menos umas trocentas dimensões, mais de 6 sentidos, teorias de universos paralelos, Física Quântica, esse trem de dicotomizar TUDO tá ficando chato! Já não ajuda no processo usual de transformação histórica/social (Sim, andei lendo Marx de novo, me processem, não gosto do cara), não ajuda nos conflitos intra-interpessoais, não garante coisa alguma entre o trem de "certo" e "errado" se tem trocentas possibilidades no meio disso tudo AND "sim" e o "não". É estranho quando se olha o plano geral da linguagem para retratar o mundo.
Por isso que Linguistas são meio birutas surfando na maionese?!

Por que tou cismando com isso agora?
Mesmo sendo enquadrada como homossexual do gênero feminino (por conta de questão fisiológica), me sinto um alien entre as lésbicas que conheço. O enquadramento de categorias feitas está lá, quase que gritando: "Se encaixa logo ou haverá consequências!". Isso irrita um bocado. Até onde supostamente eu poderia me expressar com mais segurança e liberdade me traz mais perguntas e insegurança que no mundo heteronormativo. Não entendo melissinhas e bofinhos e tudo mais. Não entra na minha cabeça como podem separar mais aquilo que deveria estar unido.

Alien de ver a imparcialidade estar ali, estampada nos modos de representação do Ego, quando na verdade eu não tou nem aí pra estar muito ou menos feminina para o exterior. Na maior parte do tempo da adolescência tentei disfarçar isso por conta da vivência em um local altamente atrasado, provinciano e homofóbico, mas é aquela não-decisão que me matava por dentro mesmo.

Assim como a música do Patrono, minha vida foi de não ter certeza se era menino ou menina (E ouvir isso taaaaaantas vezes por anos...). O que consequentemente levava a minha matrona Entesposa a ficar em um redemoinho mesmo. Pensando melhor na letra de Rebel, Rebel, percebo que a reação inicial de negação completa dela fazia sentido. Eu não podia pedir demais para quem não estava preparada psicologicamente para conviver com uma coisinha vinhada cheia de glitter como eu #ModestiaOffline #ProntoPassou

Mas até o ser vinhada me incomodava e como sempre as categorizações me matam.
Porque se não dá pra encaixar em A, provável eu ser B, mas A e B são insuficientes, não quero experienciar nenhum dos dois por ferir meu princípio de "tudo é possível de ser discutido". A coisa fica mais confusa quando se coloca o corpo no meio, porque eu sei o que quero (sexualmente e romanticamente falando), mas as classificações/categorias... Não, elas não exprimem o que me sinto à vontade.

Hot tramp, I luuuuuurv u soooo

A teoria do genderqueer/não-binárie chegou perto e está me deixando mais confortável com isso tudo que passei e ando revolvendo. Não consigo me ver como a sapata convencional binária, porque pelamordeBowie gente! É um absurdo vocês quererem categorizar pessoas em formas de linguagem e gênero. O mundo tá muito fluído pra isso, as pessoas não são mais aqueles pacotinhos prontos que você colocava uns add-ons pra funcionar direito na sociedade. 

Estudar as teorias fez um bem danado para eu poder até me expressar melhor nos pensamentos e também na escrita. Não tem muita coisa aqui no Brasil sobre o assunto, algumas páginas no Facebook que tratam de transgêneros e os espectros ali agrupados, mas não-binárie tá sendo uma escavação do tesouro. Aí caí no problema dos pronomes - que é uma coisa bem resolvida lá nos países de língua inglesa, tem marcação neutra pra pronome, artigo e denominações (eba!), mas aqui não. tem duas formas de se grafar e nenhuma das duas tá ainda me contentando.

Usar o "-e" pode ser uma boa, mas tem palavras que pode confundir mais do que atrapalhar.
Usar "-x" pode ser uma boa, mas também denota algo como: "Hey, estou falando de vários gêneros aqui além da neutralidade.", logo não chega a representar o que eu (como pessoa, escrevendo) estou expressando. Nas postagens públicas que faço em redes sociais tento usar esse o máximo que posso. 

Há a opção de "a pessoa", mas se acostumar com isso vai ser uma coisa bem estranhinha de fazer. Mas vale a pena.

Pra quê essa frescura tia Elza?
Ora pois, eu me incomodo um bocado na escolha lexical de palavras pelo simples fato que se eu sei como dominar a língua, tenho metade do trabalho de dominação mundial feito. É sério! A linguagem é a coisa mais absurda, abstrata, sem noção e manipulável que o ser humano já inventou nesse Universo e saber usá-la de forma adequada para a forma adequada em que você politicamente/formalmente/socialmente/históricamente se encontra/encaixa é tudo.

Depois desse rebuliço linguístico todo e muita leitura creio que parte da minha inquietação se foi como num clique. já sei que posso ser representada por um grupo de pessoas que se identificam com o neutro, já posso me expressar de forma que o mesmo grupo possa me entender e também de certa forma o mundo em sua leitura meio rude de papéis e gêneros, posso também ter mais autoconfiança em certas situações da vida, né?

Ah! Pessoas que são genderqueer podem escolher pronomes também, tipo "-o" e "-a", só fico na sinuca de bico, porque a neutralidade pra mim seria perfeita, mas como não dá pra escrivinhar isso no português, o jeito é improvisation. Continuo com o "-a", porque a cisma ainda não chegou aos limites. Mas já acostumei com o povo me chamando de Mizzz ou de Morgan, logo não preciso me preocupar com o primeiro nome.

Vai ver que era isso aí que tava travando o processo todo, eita...

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