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20 setembro 2017

sinalizações mínimas

Fonte: Independent.co.uk

Lendo sobre as experiências do se encontrar como trans de algumas pessoas queridas aqui das imediações e uma constante no processo de se entender em certa identidade de gênero e orientação sexual foi a do banheiro.

Problemas com banheiros públicos foi uma das sinalizações que pelo jeito não pertencia a uma identificação de gênero que a normatividade constantemente me esmagava. Desde que me entendo por gente - e as filas e os olhares e os contra-ataques - o uso do banheiro com aquelas plaquinhas malditas dizendo feminino e masculino tem feito alguns episódios básicos de constrangimento. Esse que por acontecer várias vezes quando criança, não me importava mais quando adolescente e agora na vida adulta.

Quando se é criança, tem o perdão da traquinagem de "talvez errou o banheiro", mesmo que os olhares adultos sobre meu corpo fossem de estranhamento passageiro, já que uma criança que aparenta ser menino, não possui nenhum traço imediato de reconhecimento entra dentro do banheiro feminino, pulando em uma perna só e entrando em um box para um xixizinho básico (e o alívio de realizar esse ato primitivo) deve ser admoestada no mesmo momento.

Estranho porque ao serem acompanhados por mães, os meninos são aceitos em banheiros femininos de uma forma usual, mas quando se tem 12 anos, não desenvolveu peitos e quer ir ao banheiro e tem uma fila de mulheres, o olhar muda. Esse olhar de "esse corpo é alienígena nesse espaço" ou o "errou de banheiro".

Então há a contraparte de frequentar banheiros masculinos, pois quando a necessidade se torna urgente, não pouparei esforços em aliviar a bexiga - prender xixi não é comigo. O olhar é outro. Já ouvi desde palavrões a reações de intensa timidez por parte dos caras. A ameaça de violência ao corpo alienígena?

Urrum, nem precisa estar explicitado e palavras. Apenas acontece.

Apesar de ainda preferir usar o nomeado feminino para não sofrer violência maior, volta e meia recebi uns olhares de censura. E nem aparento inteiramente a leitura de corpo do "sexo oposto" a que fui designade. Enquanto ouço e leio testemunhos de pessoas trans que sofreram as piores humilhações nesse espaço privativo, me pergunto toda vez que ganho olhar de censura ao entrar em um banheiro feminino se algum dia alguém vai decidir descer a lenha em cima de mim.

Mas xixi é xixi e não prendo bexiga. É ruim, causa problemas depois.


Quando estava a trabalhar em instituição tradicional da cidade, recebi algumas reprimendas sobre "errar de banheiro" quando na verdade até meu crachá estava explícito meu nome dado de nascença. Uma foi uma senhorinha apavorada ao entrar no banheiro, eu com escova de dentes na boca, espuma de pasta de dentes abundante. Disse em alto e bom som que ali era banheiro de mulher, que eu não deveria estar ali.

Botei água na boca, cuspi na pia e disse sorridente que sabia da placa ali fora e que ela me incomodava também. O banheiro masculino era igual ao feminino, eu só usava porque a torneira ali não respingava tanto. Ela entendeu o que quis dizer, creio eu, pois sorriu de volta, sinceramente é entrou e um dos boxes pra fazer xixi. Felizes fomos nos aliviando do peso na bexiga.

A outra foi uma das alunas que atendia no local de trabalho, ela não compreendeu que usar o banheiro é um direito de todos e assustada saiu para a porta para chamar o segurança. Eu tive que lembrar a ela que tinha um livro do vestibular na prateleira que ela tava procurando, se ela quisesse ir depois na biblioteca, seria bem legal.

Não precisei citar a fragilidade dessa violência velada, nem precisei dar sermão. Mas volta e meia o olhar de censura? Yep.

Me declarar como transgenero está sendo um passo e cada vez, até essa aceitação de quem sou e como funciono interage com a sociedade. Muit@s trans sofrem violência pesada todos os dias, privad@s de direitos básicos, sentindo o peso do mundo nos ombros por escolherem ser el@s mesm@s,enquanto eu fico nesse limiar entre parecer ser e parecer estar. Não é justo. Mas também não desejo ser socada pela minha identidade de gênero e não gostaria que ninguém passasse por isso.

Cisplay?

Talvez, mas sempre me senti confortável com o "entremeios" - é o que a normatividade me deu pra poder sobreviver. Se algum dia irei mudar minha aparência por completo para me enquadrar num padrão pré-determinado pela militância? É exatamente isso que me faz querer sair correndo para o lado oposto quando ouço sobre estereótipo sapatão. Por que determinar rótulos e caixinhas, pelamoooooor?! Já não é repreensivo demais estar sobre pressão social todos os dias?!

A minha conformidade de corpo é de estar transitando entre as duas leituras, mas também não me deixando ficar cega, surda e muda quanto a violência constante que pessoas trans são obrigadas a passar todo santo dia por um padrão ilógico de entendimento.

E apenas um adendo, só me descobri trans há pouco tempo, para me desvencilhar de muitos recortes sociais vai demorar um bocado. Queria ser mais androgino, mas aonde estou/sou está tudo bem. E admiro profundamente quem decide mudar totalmente a norma em que vive para mostrar sua corporeidade.

Enquanto isso, sustos no banheiro vão ocorrer - sempre estiveram comigo mesmo.

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