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09 agosto 2018

[interlúdio] vivendo um dia com bode amarrado na perna

Viver com o bode amarrado na perna é mazomeno assim:

Esse bode é ilustrativo, o meu costuma ter a péssima mania
de balir tão alto que me atrapalha com o restante das coisas

Acordar terrivelmente cansade de uma noite cheia de sonhos que não vão acontecer e de pesadelos que já aconteceram e parecem não serem colocados na pasta de lixo mental que deveria desaparecer do repertório onírico, mas levantar né? Há algo a ser cumprido, logo não adianta pedir os 5 minutos na cama. É levantar, se arrumar no automático, fazer um esforço pra colocar comida no estômago e enfrentar o mundo barulhento lá fora. Aqui dentro tá bem alto também, mas depois de um tempo acostumar com a cacofonia de barulheiras vira rotina.

Porque o volume dos meus fones de ouvido está sempre no máximo, mesmo eu não conseguindo ouvir direito as músicas e a infecção sazonal no ouvido faz parte do mecanismo nada agradável de coping.

Aí surge algo que faz com que me sinta útil pra sociedade, o estágio faz isso que é uma maravilha. Ali consigo centrar o que me resta de ânimo e vontade para tarefas que não necessariamente vão gastar minha energia. Se tiver algo do tipo aí vou deixar o barulho de dentro da cachola cuspir algo nada a ver, tipo ajeitar as cadeiras de jeito diferente, botar algo diferente no telão do lab pros estudantes verem enquanto se acomodam na aula, pensar em uma postagem besta para ajudar a divulgar algo. Isso que é preciso pra tudo vir de forma mais fácil de lidar com a cabeça já cheia de palavras nada felizes sobre mim mesme, lembranças fragmentadas de episódios tristes e plim! O vídeo no telão dá munição para formular um esboço de cartaz de organização do que vou tratar no TCC. Mesmo sendo bobo, mesmo sendo amador, mesmo sendo talvez imprestável e que não vá usar.

Café. Oh café.

Essa porcaria acaba entrando na equação, pois preciso me manter acordade até a aula que vai ocorrer em menos de meia hora no lab. Quando passo muito tempo dentro do meus pensamentos, o plugue da vigília desliga quando menos espero. Mecanismo nada saudável de coping again. Café resolve o trem, ou Pepsi. Como é mais fácil encontrar o primeiro, vai nele. O ritual do fazer também reanima os músculos. Passar o café no filtro e cafeteira, penso sobre como seria a minha vida se não tivesse que conviver com o fato de entrar no padrão de fazer as coisas no automático e não sentir meu corpo em absolutamente nada por horas (o barulho alto de dentro dos pensamentos pode fazer isso, sabe? Assim como as pessoas fazem meditação esvaziando pensamentos? Mesmo princípio).
E não é falta de Deus no meu coração, argumento com a xícara de café quente na mão, sou feliz com a escolha que fiz pro meu bem estar espiritual meio esquecido.

Música continua nos meus ouvidos ou quando não é socialmente aceitável (responsabilidades e papéis sociais), acabo cantarolando incessantemente sem perceber enquanto faço a rotina do lab. O tema do dia foi aquela tosquice de "This Charming Man" do The Smiths, porque a voz da bixona raivosa do Morrissey me faz ficar bem seja lá com o que seja. The Smiths sempre me deixou mais feliz do que sei lá... Músicas pop trash pré-adolescentes. E a letra é creepy, mas também rola uma historinha ali, pensar na historinha é legal, não com o Morrissey de protagonista (todo mundo odeia o Moz, inclusive a banda), mas o que raios essa ambiguidade de "When the leather runs smooth on the passenger seat?" - tá de brinks tio Moz jogando um shady...

Pensamentos aleatórios ajudam a não me fixar num único ponto. E se esse ponto é ruim (usualmente é), escrever ajuda. Ou fazer piada sem graça. Nos dias bons é escrever, nos ruins piadas toscas, afinal de contas se não rir de alguma coisa, acho que finalmente o dia que tento adiar (e rezar pra nunca acontecer de novo) não chegue.
(as estatísticas aí todos os dias aos poucos me convencendo que me aceitar como sou não vai ser um final feliz como imaginava quando tinha a mínima ideia de quem era)

Então quando vejo algo que talvez vá me deixar ruim (sempre tem, hoje foi lembrar que não estou produzindo com um projeto e isso vai me causar ansiedade de não atender expectativas impossíveis que eu mesme coloquei), a quiançada do colégio começa a gritar em sincronia com System of a Down no áudio do PC e isso me faz rir alto e sem ninguém por perto.

E é a melhor sensação que tenho no dia inteiro. Rir alto e sem ninguém pra julgar da minha idiotice com algo tão banal.

Alguns dizem até que é prejudicial pro quadro nada acolhedor de sanidade, mas é o mínimo que posso fazer para me sentir bem comigo mesme: rir da sincronia de crianças berrando enquanto tem heavy metal de fundo.

Nesse meio tempo tem alguém especial me mandando mensagens, e mãe que é mãe, mesmo tão longe, sabe como sacanear as crias sem perceber. Tenho meu momento de sentar após a aula tumultuada que acabou de acontecer (tantas vozes e filtrar palavras para pegar as demandas e deixar todo mundo confortável e sabendo que estão aprendendo) e pensar que se eu estivesse em algum outro lugar ou não estar em lugar nenhum, não seria possível de ser abençoada com uma pessoa tão querida e de coração tão amoroso quanto minha Amme. E que no Urban Dictionary eles têm uma definição totalmente diferente do usual para a expressão "power bottom". Onde chegamos a esse ponto da conversa, não sei mais, rio mais pelo absurdo da lógica de raciocínio entre duas pessoas que estão há milhas longe uma da outra, mas que a sintonia continua sem muito esforço. Esses detalhes da vida só vim perceber com mais idade, o quanto o carinho por alguém pode ser infinito se não há pressão alguma.

"Viu? Já foi pior. Agradeça por mais um dia." - essa é a vozinha da Razão juntando as mãozinhas com a Emoção e fazendo uma coreografia contemporânea dentro de algum órgão no meu corpo.
(Gosto de imaginar que o ponto de encontro seja no baço, é dali que parte muitos humores mesmo)

Aí as pernas dão umas tremelicadas, porque preciso me movimentar, a lombeira da vigilância constante chegando ao fim, sabe? Aí se você me ver me movimentando sem parar fazendo trocentas coisas é porque é meu corpo resistindo ao desânimo ou esvaziando a ansiedade. E o desânimo vem impiedoso sem eu saber onde exatamente começou, apenas aparece, talvez foi o de não almoçar direito, o de não ter apertado os gatos mais cedo, de não ter feito algo lá em 2007 ou lembrar de como eu me sentia em 2012 e que agora, no presente, em 2018 não consigo chegar perto daquela sensação sem ter uma reação de total aversão defensiva. Que horrível. Pra quê tou pensando nisso afinal?!

Esses pulos no espaço e tempo são constantes pra quem se perde em pretérito mais que perfeito de tempos verbais que não vão acontecer. Nem deveriam ter acontecido pra início de conversa.

Aí no impulso - e não costumo ter impulsos - mando mensagem sei lá porquê para alguém que admiro e confio muito. As pernas precisam se movimentar, então checo se posso (a responsabilidade em cima da responsabilidade com mais preocupação que não deveria ter) e decido ir caminhar. A pessoa sempre esteve comigo nas boas e más horas, bora? Bora. Botar as pernas pra andar e o corpo pra esquentar (esse frio arruina com muitas sensações ultimamente).

E tenho notícias ótimas.
E recebo certezas para se fazer.
E consigo conversar com pessoas! Até com quem deveria atravessar a rua na mesma hora e nem ter contato visual.
E fazer piadas toscas pra deixar a conversa não tão indo na constância da troca cordial de palavras de forma civilizada.
E as pernas que antes estavam molengando pra andar estão firmes, sem dores, apressadas, mas ali. Caminhar faz bem pra circulação, me faz sentir que é vida passando pelas ventoinhas da circulação. E coisas vão dando certo, e a vida vai fluindo bem e não há muita coisa no mundo que vá me tirar do humor razoável costumeiro. Realmente espero que não aconteça nada pra me tirar desse parâmetro.

Volto pra rotina, continuo meu trabalho, mais disposição, com fome, lembro de comer algo que trouxe de casa, e é gostoso no paladar. Tudo parece mais acentuado quando me permito sentir o gosto da comida. As costas doem, óbvio, a movimentação toda faz isso.

Esse humor fica até o final do expediente, sem precisar de muito mesmo, não preciso me policiar tanto quanto acho que deveria estar nas conformidades do padrão, do ser como acham que devo ser para passar a ser algo que provavelmente não me agrada. São os desafios de quem tem bode amarrado na perna.

O se aceitar com mais gentileza e carinho.
Não deixar a barulheira de dentro confundir o que se faz do lado de fora.

Porque a vontade maior o dia todo era de ficar em casa, chorando em algum buraco cavado a murros dentro da minha cabeça e nutrir nada de bom para o resto do dia, até chegar o outro dia e colocar no repeat. Mas a rotina não deixa, felizmente a rotina não permite. A rotina que mata uns é que me deixa viver funcionalmente por mais um dia e que provavelmente vai me obrigar a continuar a não entrar nesse espiral de puro vazio e cinzento que parece estar sempre perto, com algum tentáculo invisível me agarrando quando as coisas ficam difíceis de suportar.

Talvez seja o bode na perna que ame o tentáculo (não se discute aqui a piada sobre futanari, o bode tem uma essência sádica, mesmo sendo silencioso na maior parte do tempo) ou tenha uma atração irresistível ao turbilhão cinzento. Vai entender essas paixões de sentimentos e situações intangíveis.

Aí quando a rotina acaba, o fechar da porta do lab, o entregar de chaves, o que fazer agora? Ir para onde supostamente deveria ir? Começo a escrever freneticamente nesse bloco de notas, esperando que o escrever vá me livrar de uma decisão que não vou gostar de ter feito. O escrever quando o dia tá bom, é parece plausível pra o estado de agora. Já o vórtex ali perto, só esperando uma fraquejada minha pra me engolir, sem perceber pego o ônibus errado que leva mais tempo pra chegar ao destino. Entre a catraca e o banco no fundo penso no que tou perdendo onde supostamente deveria estar. Distraimento, cartão caindo das mãos, os olhares que se voltam por conta desse deslize social. Não me sinto confortável, mas também não me importo mais de ser desajeitade com as mãos e errar de cartão novamente.

Entendam, há uma diferença enorme entre se sentir mal por se constranger em um ônibus lotado e o não sentir mais nada por não ter mais ânimo algum de estar constrangido. O que parece blase no momento é um puxão na perna do bode amarrado sobre como você não tem mais condições de interagir ao exterior com a mesma sensibilidade que lá no começo do dia. Isso se chama apatia.

E apatia é uma erva daninha tão perigosa que se for deixada ali por muito tempo destrói qualquer percepção sua de sentir e vivenciar. Sacas o trem do Oscar Wilde de a maioria das pessoas existirem, não exatamente viverem? Tá nessa praia aí.

Tem música nos ouvidos, tento seguir o ritmo com os pés, tento me imaginar ir com o mesmo ritmo pra onde deveria estar. Ver amigues e colegas de curso, evitar outros, escapar de outrens, manter a distância segura e saudável de poucos. Será que vale a pena gastar energia com essa dança macabra de desvencilhar-se de quem suga sua energia que já tá bem baixa e que droga... Conversar...?

Palavras faladas são as que mais me gastam, tem que formular frases, sentidos, expressar intenções e expressões, tudo já a essa hora é desgastante. Se preocupar antes do ocorrido também é algo que acontece naturalmente sem eu pedir.

Essas perguntas vão alimentando um monstrinho que vive de papo com o bode e às vezes usa ele de garupa. Faz as pernas tremerem de novo, as mãos suarem, as costas doerem mais, a visão nada alinhada com o padrão (Vida anda filme 3D pra mim desde começo do ano), aquela vontade de chegar em casa, entrar no chuveiro e não sair mais? O pensamento vai se repetindo em um padrão obsessivo: "Você deveria não ir e apenas aproveitar o resto do dia por sua conta." e ao mesmo tempo "Você deveria ter ficado e cumprido com o acordo acadêmico de comparecer nas aulas".

Se devo seguir esses conselhos?
Pros outros digo que pelamoooooor não. Não deixa a vozinha dizer que você está melhor se estiver por sua conta, porque não é assim que funciona! O que posso agora é andar com uma das pernas e confiar na rede que tenho. De pedir ajuda quando o barulho dentro da cachola tá tão alto que não ouço mais a graça de continuar em uma rotina que me obriga a fazer alguma coisa que não seja me esconder do mundo.

Mas meu corpo tá dolorido, tá cansado, tá ficando vazio de vontades de interação, de troca de palavras, de ver pessoas, de ser esse pedaço de mim que só pode ser em um espaço de tempo que é dentro de um ambiente acadêmico (não escolar, não profissional, não particular, não socializado), rir alto de crianças sincronizadas com heavy metal foi o ápice do dia, tão longe aquela sensação de felicidade instantânea com um fato absurdo.

Na caminhada pro próximo busão, olhos grudados no chão, é o mecanismo de coping nada saudável novamente. Tropeçar nas próprias pernas e ver letreiros e rostos dando escapadas no espaço onde deveriam estar também complicam. Preciso voltar a usar óculos, a cada dia que passa, piora a interação com o mundo exterior se meu interior tá ficando estragado.

Eis o problema que vejo: estar em certa idade não me deu sabedoria, mas sim ter certeza do cinismo ou realismo-fatalismo (as estatísticas...). Não há muito que me impressione mais, e o que poderia sim me maravilhar acaba se tornando... Mais outra coisa que aconteceu e não senti totalmente a dimensão daquilo naquela sensação.
(Ou pode ser o bode balindo do meu lado e me convencendo disso.)

Como não entender as entrelinhas, não compreender bem o que me falam (e peço pra repetir dando a desculpa que tou ficando surda - o que pode ter um fundo de razão, já que os fones de ouvido no máximo fazem parte do aguentar o tranco até onde der), deixar coisas caírem, pedir explicações sobre coisas que são óbvias para outras pessoas, mas que meu estado de racionalidade não está mais computando como possível de interpretação. É possível que nessas horas, nessas malditas horas eu volte a lembrar de coisas que não fiz, que fiz, que não falei, que falei e que me arrependo profundamente, tanto que a ideia lá do começo do dia parece ser extremamente sedutora.

É nessa maldita hora que vai passar um mini filme de algo muito ruim que tive que suportar em silêncio para não ser julgada novamente por minha falta de tato. A apatia ali naquela hora foi salvadora de danos morais irreversíveis, mas também só deu o atestado de imprestável para quem precisava de um motivo. Os pulos de espaço e tempo? Bem ali.

Porque a sensação de anos atrás volta e parece que não vai embora nunca, não até dar um basta com algo estúpido. Hoje foi ver pixado no banco do busão a minha frente um pentagrama invertido, com um sorriso.

Esse distraimento besta (trocadilho!), banal, sem noção alguma, desvia meus pensamentos autodepreciativos. Faz a cachola resgatar fatos históricos estudados na enciclopédia limitada do HD mental de como aquele símbolo que muitos acham profano e de significado agourento tá me fazendo rir de novo. Acho que o sorrisinho no meio do pentagrama que tá me fazendo lembrar daquela cena de Forrest Gump em que ele limpa o rosto em uma camiseta enquanto está correndo pelos EUA e sai um smiley printado.



Seja lá quem teve a ideia de juntar profano e zoação merece um high five mental. E pão de queijo de verdade que consegui na Estação. Realmente tá com gosto mesmo de pão de queijo e não bolo de massa de queijo.

Amanhã espero que não seja repeat.
Quero ter forças pra rir das peripécias da criançada de novo, só isso.

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