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27 outubro 2019

[bibliotequices] sistemas de classificação e comparações com a vida real

Tem umas parada na área da Biblioteconomia que pode ser usada como metáfora pra coisas do cotidiano. 

Tipo (o que tá parecendo) dicotomia monogamia e não-monogamia. A guerra santa dicotômica que mais pega fogo em ambiente virtual... 

Existem 2 sistemas de classificação de assuntos superpopulares e extensivamente usados para organizar um acervo de uma biblioteca. 

Sistemas de classificação servem para a gente encontrar melhor (ou assim supõe a teoria) os livros nas prateleiras. Eles costumam ter uma cronologia ascendente de assuntos. Dá até para traçar a História da Humanidade ao ver verificar os assuntos e seus desdobramentos. 

CDD, sistema decimal de Dewey, um dos mais usados em bibliotecas de pequeno e médio porte ou que não necessitam de especificações nos assuntos. Bibliotecas públicas, escolares e algumas comunitárias seguem esse sistema porque é "mais fácil" de classificar os assuntos dos livros e não gera um número absurdo de grande na hora de imprimir na etiqueta e colar (pra quê colar gezuis?! Pra quê?!) ao terminar o processamento técnico do livro. 

Maaaaaas quem inventou esse sistema largamente difundido nas bibliotecas do mundo inteiro foi um déspota bibliotecário babaca misógino racista, que foi rebaixado a um ser medíocre e hipócrita por suas opiniões nas grandes entidades de valorização da profissão bibliotequera. 
(Sabe o que é banir o nome do cara do principal prêmio internacional que prestigia a classe? Bem, isso que ocorreu com o Zé mané) 

Esse manual é impregnado com uma doutrina cristã-judaica embebida de branquitude yankee-centrica que espelhava e ainda espelha como a minha área não se dá o trabalho de entender que 95% do planeta Terra NÃO É americano-estadunidense. 
Quer um exemplo básico? Estamos em 2019 e ainda tem classe de assunto da CDD que NÃO FOI modificada desde o século 19, em assuntos delicados e/ou que estejam enquadrados na discussão de temas étnico-raciais, a CDD é uma vergonha tamanha que na prateleira de religião, a 290, serve pra jogar as "outras religiões/mitos". 

Nem vamos entrar na 150 (Psicologia) e na famigerada inimiga minha, a 616 (Medicina e todo o ranço ali embutido). 

Aí tem a CDU, sistema decimal universal. 
Foi o troco dos europeus (belgas) Otlet e LaFontaine que decidiram pegar o caderno do Dewey pra fazer cópia pro trabalho da escola, mas acabaram fazendo um trabalho mil vezes melhor e com nota máxima. A CDU é um sistema complexo, com mais detalhes, e com um número monstruoso nas etiquetas. Ele foi pensado para centros de informação que necessitassem de uma classificação mais específica, como Arquivos, Bibliotecas especializadas e universitárias. O motivo? 
Porque nesses ambientes mais elitizados de ensino e conhecimento os assuntos vão se tornando quase uma frase inteira. 

Exemplo: 
Hermenêutica provavelmente estará em algum lugar na 100 da CDD, mas a Prosopopeia da Hermenêutica listada em periódicos científicos entre os anos 1940 e 1970 na região do Cazaquistão é mais possível estar em uma biblioteca especializada e com um número tão extenso que não vai caber na lombada.
(aliás se você entendeu a minha piada interna sobre Prosopopeia da Hermenêutica, vem cá pra eu te dar um abraço!) 

A CDU também tem muito conteúdo ferrado da CDD por não sair do rolê eurocêntrico, branco, elitizado, estigmatizador, mas olha só! Deixaram abertura para adaptação de assuntos com mais versalidade que a CDD! 

Tem até duas centenas para encaixar assuntos novos! 

Quer começar a fazer a revolução via estantes? Bota fogo no quengaral e expande nessas duas centenas (com 999 oportunidades dentro de cada centena, e mais 999.999 microchances de revisar conceitos dentro de cada número seguinte a centena). 

Há a questão do acesso e custo-benefício:
A CDU é traduzida em português e são 2 tomos não tão exagerados de tamanho com um preço razoável. 

A CDD é um monopólio que desde sempre é editada em inglês ou raramente em espanhol. AND FUCKING 4 TOMOS PESADÉRRIMOS DA POWHA! É $1200 gold!!!

Debaixo do link, mais filosofamentos básicos sobre isso.


Cês perceberam no decorrer do texto que a minha opinião é total contrária a essa CDD reprodutora de preconceitos e whitewashed da minha área. Eu e a torcida do Flamengo (e do Fluminense, do Botafogo, do Vasco, aaaaaaah todo mundo!) também acham que a CDD é um poço de contradições e a solução seria queimar esse manual inteiro, refazer um sistema novo que prestasse, refletisse a realidade vigente brasileira e esquecer que Dewey existiu, maaaaaas aí que tá: em toda biblioteca que trabalhei usa a CDD por inúmeras razões plausíveis, mesmo com esses problemas gravíssimos no teórico e gênesis. 

E milhões de outros lugares em que bilhões de pessoas passam diariamente estão enquadradas e enfadadas a usar a CDD como modelo padrão de vida (nas estantes), assim como a monogamia, sem fazer uma reflexão sobre o que raios estão reproduzindo e que estão afetando. 

No jogo do "vai pelo mais fácil e pelo que todo mundo conhece" a CDD ganha. Assim como a monogamia humana, conceito promulgado como padrão vigente e indissolúvel nos esquemas de relacionamento entre hominídeos. 

Não é que a monogamia é mais privilegiada por ter mais alcance, é que o sistema que a compôs (assim como a CDD patriarcal, heteronormativa, cisgênera) IMPÔS uma forma única de afetividade que infelizmente a maioria das pessoas vai seguir, sem fazer reflexão teórica, intelectual, filosófica sobre. Assim como um manual maldito, cheio de erros cruciais de contexto, ideológico e explicitamente elitista-tecnicista "este é o correto a se seguir, meros mortais ignobeis", a monogamia é o padrão desejável para muitas pessoas. Não tem como retirar isso delas. 

Particularmente eu adoro o joguinho de sinais e a facilidade de acesso visual da CDU (lembrando que a comparei com a não-monogamia, aquilo que não é vigente, não é comunalmente aceitável em todos os lugares, e novamente, a CDU habita/se estabelece em ambientes acadêmicos, de alto nível e grau de estudos e igualmente elitizada e cristalizada), politicamente falando a sacada dos belgas em catar a CDD e fazer cola melhorada foi o golpe mais bem sucedido da Biblioteconomia (e mais útil, aliás!), mas infelizmente no meu mundo de bibliotecas públicas e escolares CDD é rei supremo e não posso fazer nada contra isso.

Nem que eu adore o sistema diferente do padrão normativo geral. 

Há outros sistemas de classificação como a da Library of Congress, mas entramos novamente no balaio yankeecêntrico de visão norte-americana estadunidense de enxergar o mundo. 

Há sistema de cores também, simplezinho pra setor infantil que às vezes não precisa de classificação quando se está em uma escola (a devolução do livro é mais garantida em ambiente escolar). Funcionaria esse em comparação a relacionamentos humanos? 
Cunharam a tal da amizade colorida por um motivo. 

Ligar pontinhos faz bem, gente. Pratiquem! 

Há também o meu sistema de classificação favorito que é ter sistema NENHUM. Pois se eu sei que CDD é CDU não irão satisfazer o meu ideal de biblioteca - e aí é uma opinião pessoal, intransferível e não divido com ninguém, é minha ninguém tasca, pra quê usar sistemas? 

Por que não pegar as "boas" coisas de ambos? 
Por que não matutar sobre as falhas de cada um? 
Por que não experimentar cada sistema como uma experiência científica em desenvolvimento? 

Eu posso fazer isso, pois tenho ciência de que tenho privilégios e expertise suficientes pra estudar tal coisa e tirar conclusões dali que podem ser mudadas e retiradas da sagrada dicotomia. 

Mas e a pessoa que não possui o mesmo conhecimento que o meu, não teve as mesmas condições e oportunidades, sabe-se lá WTF é CDD ou CDU? 
(eu só quero pegar o livro pelamoooooor, não complica!!) 

Para quem quiser me estrangular, meu modelo ideal de biblioteca é a do Caos.
O meu modo de ver bibliotecas é como um local de referência de informações para as pessoas se sentirem tão a vontade no espaço, que elas mesmas terem a iniciativa de conhecer o acervo de cabo a rabo e o organizarem como queiram em um senso comum. Meu ideal de leitor é aquele que transforma a biblioteca não como lugar onde vai encontrar conhecimento, mas como extensão de seu próprio conhecimento. O conhecer o acervo, se habituar a posição nas estantes, o entender a disposição dos livros, o compreender que mesmo no Caos há a ordem desalinhada, o de AUTOGESTIONAR o lugar responsavelmente para o bem de todos, o de funcionar em comunidade, sabe? 

Essa era a intenção anos atrás... 
Impossível você diz? 
Livros são para serem usados, nenê, tio Rangs que cantou. 
Se você ainda não chegou a esse level de desapegar de modelos vigentes, vai sempre cair na dicotomia (às vezes maquiavélica!) de estruturação da sociedade. 

Esse textão todo por quê? 

Comparar Monogamia (CDD) e não-monogamia (CDU). 
Ambos são estruturas de organização e padronização na nossa sociedade.
Ambos estão aí em evidência por mais tempo que nossos ancestrais possam lembrar.
Ambos causam danos irreversíveis e reversíveis e determinam lógicas e modos de se comportar, pensar, agir e reproduzir.

A CDD pode ser uma vergonha patriarcal em forma de manual, mas é a mais acessada por milhões de pessoas no mundo. E não adianta espernear que não vai mudar tão cedo! 

A padronização é essa, se vira com o que tem, mas não quer dizer que não precise ter uma reavaliação dos conceitos teóricos dessa porcaria. Também não invalida pegar conceitos de outros sistemas e embutir na CDD conforme sua vivência na biblioteca e PRINCIPALMENTE NA EXPERIÊNCIA DO LEITOR PELAMOOOOOOR!!! 

Usar CDU na vida é de uma parcela privilegiada, com mais estudos, mais domínio de códigos linguísticos e apropriados da área específica da Biblioteconomia - sério gente, nem a gente da Biblioteconomia às veeeeezes entende WTF a CDU em certas ocasiões (maldita 616!!! Maldita 616!!!), porque eu obrigaria alguém que não possui a mesma bagagem de conhecimento que o meu a decorar essa powha toda? Ou seguir apenas a CDU?
(Na real minha vontade é de botar fogo em sistemas de classificação e rotulação, será que não deu pra entender que quanto mais se polariza em dicotomias, MAIS a gente afasta as pessoas que realmente precisam desse conhecimento para melhorar a vida delas?) 

Então ao ditar ditames sobre monogamia (CDD) ou não-monogamia (CDU) vamos revisitar a questão de "seguir manuais de classificação" de pessoas. 
E todo mundo sabe que dá ruim quando não se há tem vontade de ruminar esses conceitos e sentidos. 

Deixa eu terminar essa ruminação da pior maneira possível: quem sou eu na fila do pão pra dizer qual sistema é o mais legal, importante, privilegiado e massacrador de vidas inúteis como a minha? 

Entre CDD, CDU, monogamia, não-monogamia, Pergamo, Alexandria, na saúde, na doença, no trisal, no matrimônio com divisão de bens, no poliamor, na relação abusiva, no amadurecimento emocional, na perpetuação de gaiolas, grilhões, prisões de regras opcionais, continuo a ter disposição em não perder meu tempo pensando demais nisso, afinal, deixa eu usar meu privilégio branco aqui que não permite amar mais de uma pessoa por vez, porque sou incapaz de prestar atenção em mais nada além da pessoa que me afeiçoo raramente. 
(Como Hermione Granger citou uma vez, é possível que eu tenha o quociente emocional de uma colher de chá) 

Estamos aqui pelas pessoas não pelo conceito de coisas. Ou manuais de classificação formulados por um canastrão patife. Galere intelectual não sacou que esse conhecimento que temos aqui nas estantes NÃO CHEGA nas pessoas que não tem acesso as mesmas vivências que a gente e NÃO ADIANTA empurrar esse conhecimento que temos goela abaixo da maioria, porque não vai ser uma mudança da noite pro dia.

Sim, dicotomia cansa, mas polares opostos se digladiando, pior ainda.

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