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17 outubro 2017

a prova-ação da senhora escrita

Sou contra avaliações da forma que se configuram desde forévis. 

Avaliação, prova, teste não prova com exatidão a quantidade de conhecimento retido no cérebro de uma pessoa, nem como mensurar o que uma criatura aprendeu ou não. A linguagem é algo incrível de ser estudada, mas causa muitos problemas de interpretação. Tentar decifrar isso em uma folha de papel com questões aleatórias sem um propósito, aí sim teremos o grande problema.

Hoje fiz a prova que mais me fez escrever e pensar no curso. Yep. A última vez que fiz isso foi em 2007, com cerca de 9 páginas, frente e verso pra olhar pra cara do professor, pra prova e ter aquela revelação instantânea: yep, é pra isso mesmo que vim fazer nesse mundo. Escrever.
 
O que muitos acham que é repetecos do looping, para mim se torna mais árduo de encarar e refletir sobre a profissão quando se encara uma disciplina dessas. A disciplina já na reta final para quem vai caminhar pro TCC e tudo mais, a união de quatro ou cinco disciplinas em uma só para verificar o quanto nós entendemos o que raios viemos fazer aqui.

A subjetividade de uma prova objetiva me apavora. V ou F pra mim é entregar uma sentença de afogamento de nota. Marcar a correta e a incorreta me dá calafrios intensos em agonia e sofrimento. Por favor, não vamos falar sobre marque a alternativa incorreta, correta nesse contexto: é pedir para enfiar a caneta no meu globo ocular e girar algumas vezes até meu cérebro começar a funcionar adequadamente.

E aí há questão de que pessoas são diferentes para assimilar dados que se tornam informações quando você dá significância naquilo para então na síntese ter essa surpresa que se tornou conhecimento. E conhecimento pesa em nossos cérebros.

É por isso que a gente precisa de livros e suportes tecnológicos pra botar essa tralha toda, nossos cérebros não foram feitos pra isso. Mas com um certo treino e rotina dá pra se aguçar algumas habilidades. Por isso existem bibliotecários de perfis diversificados, porque essa galera se especializa em algo pra poder ajudar a gente com aquilo que não compreendemos pesquisar muito bem. Pra isso existem professores, pois são eles que usam ferramentas institucionalizadas, testadas e legalizadas pra reter parte do conhecimento que precisamos aprender para viver. Pra isso nosso cérebro serve, adaptação, assimilação, reinterpretação e execução.

Repete tudo de novo.
Tô simplificando os esquema tá? Tem mais coisa no meio. Muito mais. Galera que estuda isso fica biruta ou vira psicolinguista, mas fé na Ciência povo, explicação pros esquema existe. 

Então quando recebo uma prova de dez questões dissertativas com uma folha branca para respostas, o bicho miserável dentro de mim que cultivei com muitoooooo desgosto na Letras resolve acordar. E ele acorda rugindo, tão alto que a única coisa que consigo pensar é: "Bom trabalho professor."

Porque vai me fazer escrever textão e assim como meus colegas. Vai fazer nós remoermos os confins de nossas massas cinzentas para produzir um texto e todo o processo dolorido de externar aquilo que parece pertencer apenas ao interno. Vai mesmo me fazer PENSAR na minha escrita, nas escolhas da minha vida, nas habilidades que adquiri durante esses anos nesse curso. Vai botar em cheque TUDO que eu lembro até agora de todas as disciplinas em forma de quê? De texto. De puro e socialmente aceito instrumento de manipulação intelectual: o texto escrito.

Conseguem entender a dimensão dessa ação de pegar papel, caneta e arcabouço teórico que você construiu em cima de algo e botar pra fora? Escrever dói. Tão mais que pensar em escrever. Pessoas desistem de escrever antes de pensar em começar. Essa ferramenta segregadora inventada para impor dominância sob algo ou alguém é a Dominatrix de todo seu escrevente, pobres nós escravos intelectuais dessa Senhora tão cruel.

Ali na prova dissertativa é onde tenho o real controle da minha vida de escriba. 
E sério, pra quem costuma não ter controle algum da maioria das coisas que acontecem - chame de acaso, caos, blá-blá-blá destino é outra piada sem graça que os deuses inventaram pra curtir com a nossa cara, assim como o Amor (e essa piada é a mais engraçada, pra eles, não pra nós)

Mesmo que saia tudo errado. Mesmo se tenha erro de concordância, falta coerência entre parágrafos, não siga o enunciado, não importa: ali, eu, papel e prova, rascunho (porque eu preciso ter certeza que produzi aquele texto e foi manuscrito, não digitado) me entrego de corpo e alma pra essa função tão dolorida. 

Escrever dói.
Meus dedos pararam de funcionar depois da sétima questão e faltava três pra passar a limpo. 

Eu fiz a melhor prova de todo curso, com certeza. 
Não porque domino satisfatoriamente a Domina Escrita, não, ela ainda me controla 24/7, em cada pensamento não externalizado, em cada ideia que não consigo colocar em prática, no bendito projeto que possivelmente vai mudar minha forma de ver o mundo e de retribuir onde queria tanto ajudar a crescer (bibliotecas escolares). Ela me ensinou a olhar o mundo de uma forma que não consigo mais desver. 

Dez questões para responder em 1h40m. 
Garranchos em três folhas A5, frente e verso, os rascunhos são rápidos, porque a letra é trêmula, apressada, sem regra alguma de acentuação ou ortográfica. Já o passar limpo? Aí começa a sessão masoquista. 

Porque passar a limpo é te obrigar a ler aquilo que você produziu, é jogar na sua cara o que pode ou não ser o resumo de sua história dentro de uma instituição. 

Quantos alunos não vi desistirem de um simples parágrafo por verem que são incapazes de lidar com a situação? Já vi doutores entrarem em crise existencial por não encontrarem a palavra certa para o parágrafo certo. Já li escritores que sangravam, choravam, esperneavam, colocavam pedras dos bolsos dos casacos e se afundavam em rios no meio do nada. 

E é isso que a melhor prova que já fiz no curso me fez sentir depois de tanto tempo. 

Foram 1h40m de exercício mental sobre a escolha que fiz há quatro anos atrás. O que terapia, esportes radicais, drogas, futebol causa em muitos, a escrita me proporciona em experiências catárticas como essa. 

Não tô nem aí se tirei dez ou zero ou meio, o que me interessa é que pela primeira vez em quatro anos senti de verdade o que significa ter o peso das escolhas nas costas. E apreciar. E estar feliz. E saber que mesmo se não for corrigida totalmente (como já vi docentes já praticando esse delito de nos obrigar a escrever e não dar valor algum para aquilo produzido - gente já fui obrigado a fazer resumo de manual de instruções. Isso sim é desperdício de tempo e de intencionalidade do exercício da escrita), tô feliz, tô sorridente, quero apertar a mão da docente e dizer que "Bom trabalho. Você me lembrou o que vim fazer aqui.

Avaliações, testes e provas não conseguem dizer exatamente a profundidade de conhecimento retido e mantido. Já o exercício de escrita, quiriduns? Ah, isso nos ensina lições tão inquietantes que o único jeito de me livrar dessa sensação de dever cumprido é escrevendo. E era isso que tinha que escrever. Sempre sob o chicote da Senhora Escrita, sempre mandando e desmandando na minha vida desde que me conheço como gente.
(Tem gente que vive, a maioria só existe, lembra Oscarito?) 

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