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30 agosto 2019

carta para você que me abraçou no corredor



Foram os 10 minutos mais genuínos da minha vida.
Você me abraçou no corredor por 10 minutos seguidos e não perguntou ou quis algo em troca, apenas abraçou, quieto, curvado, do seu jeito, falando alguma bobagem pra quebrar o gelo que eu me encontrava.



Você nunca pediu nada em troca.
Quando me abraçava.

Não pedia, aliás.
Incrível como não pedia.

10 minutos ou a eternidade, você me abraçou no corredor e eu achei que tinha encontrado alguém próximo para me aproximar.

Seu braço machucado, minha tosse de cachorro velho.

Você me abraçou de lado na emergência quando achei que tava pra pirar a batatinha ao ver o sinal de amarelo na minha pulseira de triagem.
Amarelo é quase internação, dizia a placa e eu com muito muito medo de estar ali.



A tosse não passou, seu braço não melhorou.
Eu tentei te abraçar de lado quando fomos pra ver teu braço.

Não era um direito meu ter essa iniciativa.
Antes de dormir a gente se abraçava, dizia boa noite, deitava com as preocupações de cada um.

Eu pensava em 10 minutos te abraçando no corredor.

Teve aquele dia ruim, muito ruim, em que cada um ficou em um canto da casa, cada um com seus demônios a cultivar, cada um com as palavras horríveis a ruminar.

Não éramos monstros ao meu entender, mas havia a barreira intransponível de ir lá, cruzar aquele corredor onde a gente ficou 10 minutos se abraçando e te dizer em voz alta.

Dentro da minha cabeça eu tava repetindo que não éramos tão ruins assim, éramos o suficiente.
Depois de 10 minutos de autoflagelação - e despersonalização, e disforia, e espiralando em uma depressão profunda, e pedindo socorro sem poder abrir a boca - resolvi botar a mão na maçaneta com intenção de abrir e nunca mais voltar. Lembrei que a chave ficava com você e atrás da muralha.

Desisti.


Talvez eu tenha começado a desistir ali.


Porque desistir da muralha também iria me fazer desistir de você e tudo que obedecemos de códigos de conduta.

No hospital, eu tava morrendo de medo de não mais sair, você me assegurou que só saía comigo do lado.
Debaixo da chuva torrencial, pra poder pegar dinheiro pros remédios, você não falou nada, apenas me abraçou, de lado, no braço bom, não machucado. E eu insisti que você falasse do convento do Hospital de Caridade onde a gente tava.


Hoje eu não sei se você teve algum outro corredor e 10 minutos de abraço.
Sinceramente, espero que você não tenha mais que lidar com a muralha para seu pavor.

Amor não vence todas as batalhas.
Abraços sim.

Eu sinto ainda que você merece muito ser feliz do jeito que você é.
Merece todas as vitórias que conquista da forma como consegue.

Até hoje eu lembro de passar mais tempo te olhando pelo fio do olho e vendo o quanto parecidos nós fomos (Não mais, infelizmente não mais) do que encarando uma realidade que não ia dar para sustentar por tanto tempo.


Eu lembro do pastel.
Da coxinha.
Do papo esquisito sobre bancos de dados, SQL e os dado aguado que não dava pra entender em uma ouvida só.
Eu lembro daquele abraço no corredor.



Porque você não me abraçou com os braços, um machucado, outro sadio, meio curvado, adentrando em território inexplorado com a cara e coragem que só você tem.
Eu lembro porque você em abraçou como irmão.

E é assim que quero lembrar de você.
Abraço fraterno.

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