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27 abril 2022

diagnonsense

"Garota, interrompida" é meu filme favorito de todos os tempos não porque Angelina Jolie ganhou o Oscar com ele (bem merecido, aliás), mas por me fazer entender que havia algo de errado no meu modo de ver o mundo. Não "errado, errado", mas distorcido, diferente do que costuma ser usual. E morrer de medo de instituições psiquiátricas como diabo foge da cruz.

Apesar de me interessar por assuntos psicológicos - inclusive com a feitura de uma personagem por anos com problemas de TOC severo, mesmo sendo técnica de legista por anos a fio - o meu pavor por pessoas psicólogas aumentou consideravelmente após os 11 anos.

E o filme é bom, açucarado no teor Hollywood baseado na memória escrita por Susanna Kaysen, mulher cis branca, classe média alta, norte-americana que se internou em uma instituição psiquiátrica de luxo nos anos 60 quando ingeriu uma garrafa inteira de remédios contra dor e dali em diante teve um diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline que era pessimamente compreendido pela área da Medicina e Psicologia na época. Ver o filme (muitas vezes) e ler o livro me trouxe algum senso de que:
1) "tem algo errado, preciso consertar";
2) dá pra fazer isso sem ninguém perceber, afinal não quero ser internada.

Estamos falando de cidade do interior de Minas Gerais, se adaptando a uma nova política de ressocialização do SUS que não comportava a quantidade de gente com problemas psiquiátricos e em tratamento psicológico. Estamos falando de uma colônia de gente louca e leprosos instalada em um bairro distante e que recebia todo estigma da população. Estar na vizinhança de um dos hospitais psiquiátricos mais requisitado da região sudeste depois do Pinel no Rio de Janeiro também reforçava que qualquer movimento errado poderia ser desastroso.

Debaixo do link tem algumas considerações sobre o filme favorito e diagnósticos dados recentemente.


Adolescentes não têm muita consciência de classe, né? No máximo eu ia mofar em algum centro de apoio ou grupo religioso para "curar" seja lá o que tava errado e eis que aos 13 anos (essa era a minha idade em 1999) decidi que se era pra abraçar a insanidade, que fosse com os braços abertos, chapéuzinho de festa e dê-me os nomes das divindades do Caos que eu acendo vela a cada lua cheia.

"Garota interrompida" também me ajudou a entender algumas questões urgentes sobre sexualidade e gênero que estavam ficando desesperadoras, foi onde ouvi a palavra "dyke" pela primeira vez, foi onde tive desejos imaginários por uma sociopata fictícia que com certeza não era saudável, foi quando me apavorei com o discurso de Lisa Howe para a Daisy e ver que pessoas ao meu redor na vida real eram tão cruéis ou mais com as outras sem nem perceberem.


Eu estava no armário, nutrindo sentimentos por alguém que também se descobria há umas centenas de quilômetros de mim e em uma casa virada do avesso por familiares altamente tóxicos em suas formas de ver o mundo e à LGBTs na época. A sensação de estar em uma panela de pressão era constante, estudar era meu trabalho (tem que honrar o nome da família, seja lá o que for isso), tem que aguentar humilhação, violência verbal e psicológica, tem que passar por esse rito chamado adolescência calade, trancade no quarto, recebendo mais informações que um cérebro imaturo deveria e me afundando na escrivinhância, nada de amizades.

Ser antissocial não era uma opção, era sobrevivência. 

E mesmo que Hollywood tenha pintado o livro de forma mais açucarada possível, de rir com o termo diagnonsense que Lisa diz para Susanna quando elas trocam as fichas pessoais entre elas para saberem o que os médicos estão falando por trás, mas nunca explicando o que é estar insana. Pro meu alívio a adolescência passou e entrou a adultocência enfiada nos estudos e no peso da responsabilidade de ter que prover um pouco em uma casa que se tem um relacionamento maternal abusivo disfarçado de doença degenerativa.

O negócio é, finalmente tive meu "diagnonsense" após 10 anos de idas e vindas à terapia, nos tropeços de quem não consegue ter grana para bancar essa assistência à saúde mental, muitos erros, poucos acertos, muita conversa, poucos resultados. Assim como a vida real.

Transtorno de Estresse Pós-Traumático (provavelmente do tipo "Complexo") com Amnésia Dissociativa.

É isso.

E com esse diagnóstico muita coisa se explica, se encaixa, se configura e me dá chances reais de ter algum tipo de tratamento que preste e me ajude a suportar os percalços de viver com isso. Porque sim, eu vivo com isso desde que me entendo como gente e provavelmente vai perdurar até o final.

É provável que eu vá tratar disso mais vezes por aqui.
Mas não quer dizer que meu diagnóstico seja o que sou, tá?

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