Pesquisar este blog

04 julho 2020

o Tempo e o tempo

Ocorreu que em algum dia nublado naquele auditório da universidade dos Stormtroopers uma aula de literatura seguia com a excelente explicação sobre tempo e narrativas. Você veja só, o Tempo dito pela capeta-lismo é uma incógnita de 24 horas, 7 dias por semana condensada em 44 horas semanais de trabalho forçado para manter a máquina pulsando e jorrando óleo pegajoso na geração seguinte. Foi-se assim que na discussão entre as diferentes narrativas entre a africana e a ocidental, descobri que o Tempo era uma convenção não tão estabelecida assim.

Eu sempre tive a percepção dele em relação ao meu corpo como um eterno jogo de coelho branco da Alice no país das maravilhas - o camarada que vivia atrasado, sabe? - então desde que me entendo por ser autômato na máquina oleosa, o Tempo significou muito pra mim, ainda mais na questão de NÃO perdê-lo.
Creepy as fuck já te isso internalizado desde meus 11 anos.

Então naquela aula, ao quebrar esse paradigma que eu defendia com unhas quebradiças e dentes molares, saía das aulas com a impressão de que a Vida era um trem tão bizarro que eu deveria parar de contabilizar ela de alguma forma. Funcionou por um tempo, até a máquina oleosa cuspidora de peças me dizer que tava errada. Ela te engana fácil.

Tempo cortando as asas do
Cupido (1694), por Pierre Mignard


O Tempo em si pode variar em vários momentos da vida, os meus tem sido perceptíveis na mudança de ritmo em tempos em que fico doente, ou quando arranco aos poucos (aos murros ou com um canivete enferrujado) uma flecha desviada que o guri estrábico e sem noção, filho daquela que não deve ser nomeada no panteão helênico - que é totalmente oposto da explicação de narrativa que me livrou de protocolos em pensar o Tempo como um ser apressado, angustiado e devorador de seus filhos. Na doença, no desamor e na medicação forçada percebo que isso tudo cessa e um novo ritmo bizarro de vida se propõe sem pedir licença alguma. Apenas chega. Eu que me vire para tentar me adaptar.

Os momentos são arrastados, como uma corda elástica sendo puxada até seu máximo e com todas as medidas de segurança para não escapar ou arrebentar (afinal, há o Tempo capeta-lista rondando ali em volta), mas extremamente tenso e pulsante. Com medicação isso piora, pois a percepção de que já está sendo desacelerado vem com tudo em um trem descarrilhado chamado "Sossega o facho". Isso me dava calafrios quando mais novilhe, após tratamento com substância derivada da morfina por mais de 1 mês, hoje, sento nos trilhos e espero o tal trem me atingir em cheio.

A percepção de Tempo ali me é muito estranha e complexa de raciocinar, pois meu cérebro, esse órgão que não mais faz sinapses devidas quando estamos nesse estado febril e incapacitado, não consegue compreender que meu corpo tá pedindo socorro faz tempos e eu, como sempre negligente, não presto atenção até ser atropelada, ou ter uma anemia beirando a profunda. O Tempo se arrasta, como um imenso gigante titânico vindo em minha direção, de mãos de dedos sangrentos esperando capturar e engolir a próxima vítima. Por alguns momentos acho que esse mesmo titã maldito sopra coisas em meus ouvidos enquanto estou esperando pacientemente a próxima dose de remédio.

O Tempo, então, se torna um vilão necessário, para curar o que tenha que curar (consegui já arrancar parte da powha da flecha no murro, perdi um pouco da cor na vida, mas saiu alguns destroços. Com ela um pouco de meus intestinos e pode apostar aí uns 5 litros de sangue) para bagunçar o que precisar bagunçar, resetar algum sistema falho. O último foi minha paciência não tão finita, virei uma pessoa paciente com os outros, esqueci que era pra ser também comigo mesma.

O Tempo e a Paciência - que não foi glorificada com um patamar divino, uma pena, eu já teria construído uma igreja pra Ela -  me ajudaram a não enlouquecer imediatamente, mas sim em um conta-gotas bem uniforme, de poucas sensações que estavam lá irem se perdendo, um tato que não está mais tão aguçado, os nervos ópticos que não captam mais algumas cenas, os ouvidos já estragados, os espasmos periódicos que chacoalham para uma nova menção de realidade. Na conclusão do filosofamento, meu ritmo de 2014 pra cá tem sido ditado por um titã maluco canibal e uma noção esquisita de paciência. Quem lê parece maluquice mesmo, para quem vive, é decidir que nesse acordo entre as duas entidades há de preservar alguma coisa (qualquer coisa!) para sobreviver.

O que esse Tempo diz
não são boas novas.
Sobrevivência é o que estou tentando cometer aqui. Às vezes isso é interpretado como algo ruim.

Agora, na mesma situação de parada brusca, ritmo interrompido de expectativas (desde quando deveria estar alimentando elas?!), uma pandemia global, um sangramento real e um afetivo, um luto sistêmico de relações entre o ambiente e eu, por alguns minutos acho que me perdi de novo nesse poço sem fundo do Tempo - o Cronos, não o Pai Tempo.

Eu havia feito uma promessa no começo do ano: ter mais paciência comigo mesma. É metade do ano e o carma miojo veio lindão me cobrar por isso. Superefetivo! Os motes estão mudando, as proteções estão se consolidando, os sumiços e as conchinhas sendo juntadas em um murinho invisível de autopreservação.
(Tá, é sobrevivência ou autopreservação?! Decide! Decide!)

O Tempo passa moroso, diferente da narrativa que eu seguia desde sempre, e modificar algumas linhas do código tá fazendo efeito aos poucos: 1 dia de cada vez virou 1 hora de cada vez, 1 crise de dor de cada vez, sinceramente? Menos 1 dia, menos 1 batida do coração, tanto faz.

Só queria que a dor parasse.
Ela vai algum dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário