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19 maio 2017

aqueles assuntos pra fazer chorar


Acompanhava o AfterEllen quando era bom, bem escrito e feito por um staff inteiramente queer. Hoje fico com o Autostraddle porque é a única opção viável de informação LGBT lá de fora que possa me ajudar com algumas coisas. Poliamor é uma delas. 

Toda vez que leio um bendito artigo, eu tenho uma vontade danada de abrir um buraco, bem fundo, e me enterrar de baixo pra cima, em um ritual sistemático. A experiência inaugural não foi tão boa assim e óbvio que me deixou com impressões ruins do que poderia ser.

A concepção de um relacionamento em que pessoas pensam como indivíduos e não como casais, buscando intimidade e vivência com outras pessoas além do tradicional é algo tentador pro meu projeto anarquista de observar o mundo, maaaaaaaas infelizmente a vida real também me mostrou que pedras me ensinaram a voar. Isso mesmo.

Mesmo que o Poliamor seja de certa forma o mais razoável que entendo para pessoas se conectarem sem a cobrança bizarra da sociedade monogâmica, ainda travo com trocentas coisas, a comunicação por exemplo. O sistema de gestão da informação. A cisma dos papéis bem definidos e categorizados.

Creio que para chegar a um nível de decidir ser/estar em um relacionamento poliamoroso deve haver um entendimento bem mais elevado do que possuo - ou que construí socialmente nesse corpo em que habito - talvez na próxima vida consiga me encaixar nessa. Ou não.

Então na lista de assuntos que me fazem chorar amargamente, acrescenta aí não compreender bem Poliamor. E parar de ler artigos com essa temática, pelamoooooor.







15 maio 2017

le petit muerte

O problema não é a causa disso tudo. 
O problema são as pequenas coisinhas que matam.
Pequenas mortes.

O que mata é não poder ter seus dedos ficar entrelaçados nos outros dedos, em público não pode.
O que mata é não poder sentar ao lado de quem ama porque vão perceber, em público, que não deveria amar aquela pessoa.
O que mata é não ter escolha de palavras quando perguntam o estado civil, mesmo após anos de vivência, de rotina conjunta, de vidas entrelaçadas (como os dedos lá de cima).
Não é o grande problema que mata, mas são os pequenos, todos os dias, se repetindo em uma espiral de não-expectativas.

O que mata é a olhada de cima abaixo em como você se sente confortável sendo você mesmo. 
O que mata é a recusa de emprego por ser quem você quer ser, mas em público não pode
O que mata é a vergonha da família, do não poder falar
O que mata é o silêncio de quem tá junto e sofrendo o mesmo assassinato todos os dias. É o ninguém falar
O que mata é cada "Eu gosto muito de você, mas não posso ficar contigo", porque em público não podemos
O que mata é não esperar por mais nada, porque esperou tanto por algo inesperado na vida e ter nenhuma expectativa de viver aquilo novamente. 
O que mata são as contas das soluções paliativas médicas, dos atestados de sanidade, das terapias, dos medicamentos, das taxas a mais, da burocracia. Isso pode ir à público.

Isso que vai matando um pouco a cada dia. 

O que mata é outra vez não poder contar com ninguém quando a coisa aperta. Em público não posso.
O que mata é quando se convence disso é de que em público não pode
O que mata mesmo é ter um termo científico pra isso só esperando o momento oportuno - entre um diagnóstico caseiro, paranoico, atestado por autoridades e outros - para aparecer. 
O que mata é colocarem uma categoria em que não se quer ou se imagina encaixar. 
O que mata é aquela foda muito boa na noite anterior e se sentir sem vida pro resto do dia. Porque entre quatro paredes tudo pode, mas demonstrar carinho em público não pode
O que mata é saber que a foda não vai acontecer novamente, porque não vai haver mais do que aquilo.
O que mata é ver que ainda estão matando gente como a gente, porque em público não pode.
(mas matar pode, em público tá virando moda) 
O que mata é dizerem que é invenção da cabeça, modinha de intelectual, que é fase, que vai passar quando achar um padrão decente pra colocar no lugar. Essas coisas em público não pode
O que mata é não se ver em lugar algum. 
O que mata é ver que a mídia mata quem você acha que pode representar um pouco daquilo que você sente na maior parte do tempo. 
O que mata é não ter a ilusão de conto de fadas, nem de final feliz. É não sonhar mais.
O que mata é não poder passar os dedos nos cabelos de quem ama, nem que seja discretamente, em público não pode.

O que mata mesmo é ver isso acontecer há poucos bancos no ônibus para um lugar onde supostamente deveria (e se proclama) dar segurança de viver como sou. 
O que mata é ver isso acontecer enquanto um casal padrão normativo fazer isso e muito mais, bancos a frente, sem ser admoestado. Em público não pode. Eles podem.
O que mata é ver aquela fagulha ínfima de cumplicidade, de carinho, se tornar um olhar desconfiado ao redor e um sorriso amarelo para se explicar. Em público não pode.
O que mata mesmo é ainda ser obrigado a se explicar por querer dar carinho a alguém que amo.


O problema não é a causa disso tudo. 

O problema são as pequenas coisinhas que matam.
Pequenas mortes.

E como elas vão silenciando a gente, aos poucos, conta-gota, até a normalização ser habitual, o controle imediato, as ações de sobrevivência mais automáticas.

O que mata mesmo é isso. 
E em público não pode
Pro resto da sua existência miserável nesse planeta: em público não pode.

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N/A: Le petit mort é uma expressão francesa para conotar o orgasmo "a pequena morte", já muerte é uma alusão a Santa Muerte, a padroeira dos pobres, dos comerciantes ilegais e traficantes, e não tem nada a ver com prazeres.

14 maio 2017

[conto com angie] como os pesadelos são construídos

Título: como os pesadelos são construídos (por BRMorgan)
Cenário: Projeto Feéricos.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 2.126 palavras.
Status: Completa.
Disclaimer: Esse conto faz parte de algum rascunho perdido meu do Projeto Feéricos que vocês podem ver os pedaços sendo costurados aqui nesse post [x]
Personagens: Angie, personagem sem nome
Resumo: Filha dos Ventos tem uma história para contar aqueles que querem ouvir - como os pesadelos são construídos. E como eles tomam forma quando um feérico se aproxima demais deles.


'Dolina Śmierci do artista polonês Zdzisław Beksiński -  (Fonte: Carajaggio)
Tá preparado meeeeeeesmo pra ouvir essa? 

Já avisando que não pego leve quando é pra falar do meu assunto favorito N, ão tá 
Vai nessa mesma? 
Então senta esse traseirinho lindo aí no chão e me ouve. 

Essa foi de verdade mesmo, quando era um toco de gente, sem muita coisa aqui na cuca, cuca fresca, novilha, infante, bem assim mesmo, alcançando metade do joelho. 

Você perguntou se nós temos pesadelos, pois te digo. 
O tempo todo. 

E como são feitos esses pesadelos? Como pode a gente tão perfeito assim (foi você que falou, não tenho nada a ver com isso aí e a tua opinião) ter pesadelo? Ter medo? Nos sonhos a gente não se dá sempre bem? Não é isso que os poetas escrevem quando inspirados? Sócios de uma vida que não vai existir aqui? Pois te digo, papudo, a gente tem pesadelos sim e faz uns bem horríveis, viu? 

Quando eu era um tiquim de gente e não sabia quem era, os meus pesadelos eram como pequenos duendes chatonildos me cercando a cada passo que eu dava, me acompanhando em toda esquina que parava pra pedir esmola, entre cada dia escaldante debaixo do viaduto, entre os sacos plásticos do Posto 2, cada dentada em comida do lixo, cada engolir de água de chuva. Aí que eu fazia uns pesadelos bem fofuxos. 

É nesses momentos em que a gente perde a inocência pro mundo louco aqui fora, tem como não. 

10 maio 2017

padronização de mariposas


E o padrão persiste. 
Por alguns segundos prendo a respiração, é o que posso fazer sem causar nenhum distúrbio perceptível. Uma parte é querendo que aquele sentimento não suba do diafragma pros pulmões, traqueia, garganta, língua, solta respiração, devagar, sem pressa.


Pode ser a ansiedade, não é. 
É outra coisa.


O sentimento desce, ralo, digerido, liquefeito em uma emulsão viscosa, devagar, inundando os poros, afogando células, dando de beber a pensamentos nada ortodoxos para a hora.

Disfarça, olha pro relógio, nem de tarde ainda. 

É pra se ter esse tipo de devaneio a essa hora? 
Tem hora pra devaneio? 
Está sendo impróprio, invasivo, simplório? 

Respira de novo, devagar, não deixa subir outro acesso, alguém pergunta: "Cê tá bem?" - oh e como! 
A sensação - lida em algum livro decano empoeirado em alguma estante - é de euforia. 
Das brabas. 

Aquelas que dá voz de perdição eterna em inferno cristão. 
Parece que não acaba nunca. 
E também não volta a acontecer sem antes ter esse padrão.

Padrão besta.

Pode ser um sorriso no meio da multidão, um olá tímido, uma mensagem qualquer no meio da tarde. (Ainda é tarde?! Pode pensar nesse tipo de coisa a essa hora?) 

E pimba! 
O que não existe, acontece. 
O que nem devia funcionar, funciona.

Borboletas no estômago, dizem. 

Prefere mariposas no baço, porque por estudar muito a língua dos intelectuais acabou adotando muito deles pra si, e borboletas são horripilantes com suas transformações hediondas. E como volta e meia seu baço dava sinais de vida (morto-vivo) era ali que mariposa, ínfima que fosse, pousava e era duplicada  a cada breve sorriso no meio da multidão.

Que padrão besta.

Fez ao mapeamento disso, pra entender melhor, pra não se deixar cair na mesma armadilha, para não sentir coisa alguma, conhecer o inimigo antes de atacar. Ser hipócrita, ser feliz com o que tinha, ter menos empolgação e mais responsabilidade.

E o padrão seguia. 

O sorriso na multidão virou conversa no meio do hall, do nada, assim como se não quer nada, aquele papo furado que não leva a nada. 
E mais mariposas produzidas em velocidade da luz. 

A luz que nem vinha de dentro, mas uma placa de neon luminosa e tentadora.

O sorriso é o mesmo (e como não reconhecer aquele sorriso tão expressivo?), a voz é mais calma e puxando algumas vogais que lembrava (Lembrar? Devanear é o termo no manual grosso da academia), uma pergunta aqui, outra ali, comoassimnaosabiaqueeradetalescolaeformadaemtalclasse?!

Muita emoção pra pouco tecido cardíaco.

As mariposas que estão já circulando pela corrente sanguínea não dão trégua, a próxima frase sai gaguejada, um grupo em especial se debate entre o pescoço e as maçãs do rosto, nunca sentiu sua cara ficar tão quente sem ter febre. Mariposas no baço com padrões óbvios de fazer passar vergonha por demonstrar demais. Acerta o compasso dos batimentos acelerados (desde quando tem corrente e ritmo ali?! Malditas mariposas?!), pede licença, precisa de ar, a reação primária voltou com toda força, desafiando gravidade, chegando de supetão, acertando um dos ouvidos em cheio, um deles entope e ouvir se torna difícil.

Apenas o ecoar do sorriso lindo em papo furado no Hall. (Sorriso tem som?! Por favor, que não esteja sofrendo de sinestesia a essa hora da tarde?!)

Lava o rosto queimando sem razão. 
(Porque a Razão, a Razão dos intelectuais não explica direito essas coisas sem teoria complicada e química e leis da reprodução. Tem um termo para isso naquele manual de anatomia que insistem em ignorar. Há também instruções naquele trambolho. Bem breve, mas certeiro na descrição) 

Lava rosto de novo.


A queimação vai descendo, rosto, queixo, garganta, traqueia, pulmões (tá difícil de respirar direito aqui desde quando?), diafragma, um soluço, alto, incontido, segura o ventre esperando que a sensação vá embora, não vai.
Maldito padrão besta.

Um gole generoso de água gelada, substituindo a sensação calorosa e pecaminosa por outra mais incômoda. Lutar contra as próprias vontades é um esforço em vão quando se tem a pessoa que deseja tão perto, mas tão longe do toque. 
(e não vai acontecer, não não não não precisa acontecer, por que raios acontecer, tá ficando biruta? Quais são as possibilidades de...?)


Volta com menos certeza do que quer e o que o corpo quer. 
Devaneios impróprios não contam mais aqui. 
Tenta reagir naturalmente, tudo tranquilo, tudo profissional, não tem motivo algum de...


Uma das mariposas, esperta que só ela, finca as patinhas peludas insectoides no músculo de bombeamento governado por quatro cavidades, sim, aquele órgão amorfo que não faz diferença alguma quando você não está vivo para senti-lo, mas agora? Agora que decide funcionar?!

O inseto imaginário fica ali, esperando o momento certo, para avisar a seus comparsas que na próxima conversa de corredor, no próximo aceno, no próximo sorriso, vai ter milhares ali lembrando que a vida continua mesmo se tudo aqui dentro parece arruinado, destruído e contaminado.

Maldito padrão besta.

08 maio 2017

essa tal liberdade

Porque não há nada melhor que aliviar a tensão de um assunto sério com uma música de pagode trash dos anos 90...

A Malévola awesome do Um sofá para Cinco havia escrito um texto muito bacana há um tempo atrás e por incrível que pareça o tópico voltou a rotina aqui das caraminholas ao me deparar com algumas conversas que ando tendo com pessoas queridas próximas.

Para fins de conhecimento, esse texto foi escrito para eu revisar meu discurso, pois é dessa forma - através da escrita - que consigo me encontrar como pessoa, como ser pensante.

Então o que eu escrever aqui são impressões que tive por experiência própria e que não necessariamente contam como a realidade de todo mundo que sofreu/sofre dependência emocional por outrem ou alguma coisa.

Um traço forte na personalidade de pessoas que já tiveram um trauma em relacionamentos de qualquer tipo é a tal da dependência emocional que nos impulsiona ou repulsiona (Essa palavra não existe btw) a nutrir ou evitar tal bichinho roedor de autoconfiança, identidade e amor próprio.

E é triste ver como uma pessoa tão centrada, pé no chão e aparentemente em sã consciência pode fazer ou causar enquanto está nesse ciclo vicioso de dependência emocional por outra pessoa ou situação que possa estar sofrendo.

Descobertas!!

Gente, eu descobri pra que servem engenheiros da produção!!
Alimentar a confusão no meu Plutão em Escorpião!!
Rimou!

(de resto não faço a mínima ideia do que eles fazem da vida.)

conselhos valiosos

Recebi os seguintes conselhos nessas 2 últimas semanas. Valiosos, só para constar:

1 - seja mais filha da puta.
2 - tem coisa que só você vai conseguir se levantar sozinha.
3 - você precisa pedir ajuda quando precisa pedir ajuda.

São meia noite e dezesseis de uma segundona, após domingo esquisito e surreal. Triste por assim dizer, foi um vazio oco bem no meio do estômago com uma ligeira sensação de dor no baço. E com esses 3 conselhos ecoando nas caraminholas, bora filosofar.

03 maio 2017

[conto] conto agridoce

Título: conto agridoce (por BRMorgan)
Cenário:  Original/Cotidiano, Nova Orleans.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 708 palavras.
Status: Completa.
Personagens: Joanne Ulhoa.
Resumo: Jojo e suas reminiscências sobre a vida cotidiana sem a pessoa especial.
Disclaimer: Mais sobre Forgiven Jojo Ulhoa tá aqui nesses links [x] [x] [x] [x] - A inspiração pro conto veio com a minha música favorita do Pato Fu, aquela música que não devo me atrever mais a tocar em violão algum D:


Acordou cedo, de uma noite sem sal. 
Pouco atendimento no seu plantão, o que significava que teria que subir para cuidar dos vivos. 
Tédio mortal, com a ironia de mãos dadas. 

Na salinha de máquinas de café, automaticamente esperou o seu ferver os dígitos já comidos por produtos químicos e intensa higiene pessoal. Engoliu sem açúcar mesmo, encarar a velha enfermeira da noite, ouvir o sermão do chefe de plantão, escapar os ouvidos das fofocas dos residentes do ano. 

Enquanto eles achavam que a vida universitária era o milagre mais incrível do mundo, Joannes Ulhoa se escolhia em seu lugar. A vozinha dentro de sua mente, travestida de intuição, sabedoria ou bom senso pediu pelo amor de todos os santos em que ela se recusava a rezar antes de dormir com o rosário deixado pra trás pela mãe falecida que não tocassem no nome de certa pessoa. 

Não era necessário citar aquele nome, até porque qual é a razão de lembrar que tal pessoa existia se ela evitava de mostrar que estava ali.

 - E a Claire está saindo com um bonitão da pós, você soube? Um partidão! - risinhos, eufemismos sobre o sortudo com muitos adjetivos no aumentativo, um olhar curioso para aquela ali, encostada na parede, bebericando café amargo, sentindo o gosto azedo de uma vida quase doce e amarga no final. 

Algum outro comentário sobre como o casal parecia feliz e foram em uma festa chique. Mais risinhos, uma chamada de atenção.
 - Você não sabia doutora? Ela não era sua melhor amiga? 

Melhor amiga. Amiga. Melhor. Claire de la Fontaine era qualquer coisa agora do que melhor. 
Ou amiga. 
Ou os dois juntos. 

Nem quando se entendiam ocasionalmente poderia reconhecer Claire como melhor amiga sua. Melhores amigos são confidentes, confiam um no outro, estão presentes na vida do outro, escutam, aconselham, são... Bem... Amigos. 

Não respondeu a pergunta, saiu sem alarde, sabia que já estava tarde, mesmo não tendo pressa nada a esperar. 
Melhor amiga
Alguém que passara cerca de 3 anos da especialização grudada a você apenas para coletar dados sobre a própria pesquisa e depois publicar sobre isso sem sentir uma pontinha de remorso seria o exemplo de melhor amiga? 
Afinal de contas, de todas as noites juntas, os plantões, as discussões, as confissões, os surtos, as lágrimas, valiam como amizade? 

 E se alguém perguntasse, diria que foi embora e que o mundo poderia se acabar (mas já havia acabado cerca de 4 meses, 12 dias e dois plantões de 12 por 36.), pois tudo mais que existia só a fazia lembrar que o triste estava em todo lugar. 

Será que era algum truque novo que seu cérebro doutorado em autosabotagem planejava arduamente nos últimos meses sem a única pessoa com quem dividiu mais que metade de seu tempo ali? (Aliás, cérebro esse que tanto gostava de se torturar, por que às vezes se fazia de ruim? Tentando a convencer que não merecia viver, que não prestava?)

Lavou a mão duas vezes, três vezes, mais outra vez para garantir. 
O café ainda amargo no fundo da garganta dolorida, saiu sem despedida, ninguém notou, saindo da vida tão espetacular das pessoas ao seu redor. 
Prontuários de vivos. 
Tédio mortal. 
Café amargo, por que não conservara uma amizade saudável com Claire? 
 (Pois tudo mais que existe só faz lembrar que o triste está em todo lugar) 

Não tinha pressa, nada a esperar. 
Ao sair dali iria seguir o mesmo caminho agridoce, a mesma quantidade de pães, um outro café para tirar o gosto do antigo. Nenhuma novidade no caminho da rotina profissional e a ruína emocional. 

Choraria somente quando trancasse a porta com os dois trincos, duas viradas e checar o batente estava protegendo a corrente de ar frio do corredor. 

Caminharia pelas ruas da cidadezinha, observaria o por do sol descendo no mesmo velho mar. 
Gole amargo de café doce, comprimido azul da tarja preta, comprimido amarelo do tarja vermelha, um a mais para assegurar que o efeito de um a fizesse botar tudo pra fora. Checar as embalagens dos comprimidos, uma, duas, três vezes, até se acostumar com a ideia de que os remédios a mantenham viva e lúcida.

Nenhuma novidade. 
As ruas da cidade. 
O mesmo belo e velho mar.

[contos] menina das estantes

Título: menina da estante (por BRMorgan)
Cenário:  Original/Cotidiano.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 352 palavras.
Status: Completa.

Percebo tímida no trato
Curiosa no olhar
Observa cada milímetro de poeira
Pregada na lombada do livro mais velho
No cheirinho novo do papel não usado
Livros são seu carinho diário
Provavelmente seu conforto

Material de estudos nas mãos
Lápis meio comido na ponta
Borracha riscada de tentativas
No fundo do estojo giz de cera
Lápis de cores incertas
Tem mais roxo que verde ou
Vermelho e um preto que confunde com lápis de verdade
Apaga apaga apaga com vontade
Outro problema do livro bendito
Cartilha de bons modos, impresso especialmente
Pra não dar voz aos seus

Apaga apaga apaga
Borra de borracha espalhando na mesa cheia de coisinhas
Tantos livros como aquele
Um caderno estufado de tanta escrivinhança
O apagar da borracha faz com que o papel engrosse
Página testemunha de um erro ínfimo do problema do bendito livro
Ou confundiu o lápis de cor com lápis de novo

Entre as estantes, caminha, observando atenta
Quem vem e quem vai
Livro qualquer na mão mesmo que não tenha idade pra tanta letra
Entre uma prateleira e outra descobre
Uma pequena miragem do que é ser gente grande 
Apaga apaga apaga no caderno estufado
Nervosismo
O problema não é tão fácil assim

Vem ao balcão, tímida no trato, curiosa no olhar
Pede atenção, uma ajudinha,
Não liga pra minha letra não
Não olha meus desenho não
Não percebe nas páginas fofas de tanto esfrega borracha não
Nunca acerto de primeira
Nunca resolvo de primeira
Nunca consigo saber o que é coisa com coisa
O que você faz tanto lendo número nos livros?
Posso ajudar?

E o exercício esquecido com meia página já rabiscada de cálculos que são tão esquecidos quando se cresce
Na biblioteca ela vem todo dia estudar
Pra estudar a gente e mais gente
Observar cada milímetro de poeira, de grafite, de clipe solto, de bilhetinhos de lembretes, de canetas sem tampa, aqui ela fica
Percebo tímida no trato
Curiosa no olhar
Observa cada milímetro de poeira
Pregada na lombada do livro mais velho
No cheirinho novo do papel não usado
Livros são seu carinho diário
Provavelmente seu único conforto