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03 maio 2017

[contos] menina das estantes

Título: menina da estante (por BRMorgan)
Cenário:  Original/Cotidiano.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 352 palavras.
Status: Completa.

Percebo tímida no trato
Curiosa no olhar
Observa cada milímetro de poeira
Pregada na lombada do livro mais velho
No cheirinho novo do papel não usado
Livros são seu carinho diário
Provavelmente seu conforto

Material de estudos nas mãos
Lápis meio comido na ponta
Borracha riscada de tentativas
No fundo do estojo giz de cera
Lápis de cores incertas
Tem mais roxo que verde ou
Vermelho e um preto que confunde com lápis de verdade
Apaga apaga apaga com vontade
Outro problema do livro bendito
Cartilha de bons modos, impresso especialmente
Pra não dar voz aos seus

Apaga apaga apaga
Borra de borracha espalhando na mesa cheia de coisinhas
Tantos livros como aquele
Um caderno estufado de tanta escrivinhança
O apagar da borracha faz com que o papel engrosse
Página testemunha de um erro ínfimo do problema do bendito livro
Ou confundiu o lápis de cor com lápis de novo

Entre as estantes, caminha, observando atenta
Quem vem e quem vai
Livro qualquer na mão mesmo que não tenha idade pra tanta letra
Entre uma prateleira e outra descobre
Uma pequena miragem do que é ser gente grande 
Apaga apaga apaga no caderno estufado
Nervosismo
O problema não é tão fácil assim

Vem ao balcão, tímida no trato, curiosa no olhar
Pede atenção, uma ajudinha,
Não liga pra minha letra não
Não olha meus desenho não
Não percebe nas páginas fofas de tanto esfrega borracha não
Nunca acerto de primeira
Nunca resolvo de primeira
Nunca consigo saber o que é coisa com coisa
O que você faz tanto lendo número nos livros?
Posso ajudar?

E o exercício esquecido com meia página já rabiscada de cálculos que são tão esquecidos quando se cresce
Na biblioteca ela vem todo dia estudar
Pra estudar a gente e mais gente
Observar cada milímetro de poeira, de grafite, de clipe solto, de bilhetinhos de lembretes, de canetas sem tampa, aqui ela fica
Percebo tímida no trato
Curiosa no olhar
Observa cada milímetro de poeira
Pregada na lombada do livro mais velho
No cheirinho novo do papel não usado
Livros são seu carinho diário
Provavelmente seu único conforto

28 abril 2017

[conto] a garota da gravidade

Título: a garota da gravidade (por BRMorgan)
Cenário: Original/Cotidiano, Nova Orleans.
Classificação: 16 anos (distorção de convenções morais, confusão mental, uso de drogas lícitas).
Tamanho: 1.301 palavras.
Status: Completo.
Personagens: Joanne Ulhoa, Melinda Bretzer, Molly Bretzer
Resumo: Quando se troca os medicamentos, há sempre as consequências. Jojo sofre de um tipo de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e tenta conviver com isso da forma mais sadia possível.
Disclaimer: Mais sobre Forgiven Jojo Ulhoa tá aqui nesses links [x] [x] [x] [x] - A inspiração pro conto veio com a minha música favorita do Scalene (abaixo, com letras!) e foi um desafio que me dei ao escrever o esqueleto do enredo antes da música acabar :)


Jojo era bem controlada na maior parte do tempo.
Tempo
Tempo
Tem-
Quando tinha tempo, passava mais tempo pesquisando os efeitos colaterais daquele histamínico que todo mundo tava falando bem. Experimentou um deles com os remédios atuais.

Só pulou o tarja preta.
Não era bom arriscar com a tarja preta.
Tarja preta
Tarja vermelha
Tarja preta
Vermelha
Pre-

Começou o dia assim.
Desligou a luz do banheiro, foi para a sala.
Pílula das 6h com o intervalo da pílula de 6h25.
Os passarinhos lá fora estavam bem animados para aquele dia tão normal.
Sem problemas
Sem ataques de pânico
Sem achar que alguém iria aparecer do nada a acusando de cada detalhe esquecido por ela enquanto estavam juntas
Sem cismar com a limpeza excessiva
Sem rasgar a própria pele por esfregar demais ao se lavar
Sem problemas

Desligou a luz da sala, ligou a do banheiro.
Abriu o armarinho do banheiro e cuidadosamente escovou os dentes carinhosamente com sua escova de dentes especial, cerdas macias e creme dental eficaz.
Tudo seria sem problemas hoje.
Seu reflexo no espelho mostrou um cenho neutro, como sempre, sem o sorriso excessivo de sempre, sem os músculos doendo no pescoço
Sem problemas
Como sempre
Sempre
S-sem-

Desligou a luz do banheiro, ligou a da sala.
Tomou o de 06h45 e anotou religiosamente em sua tabelinha perto do armário de remédios na cozinha.
Menos um dia do tarja preta, mais um dia do tarja vermelha.
Organizar por ordem de hora e de cor.
Tarja preta
Tarja preta
Tarja Ver-
Vermelha
Tarja vermelha!

Desligou a luz da sala, ligou a do banheiro.
Lavou as mãos novamente.
Com menos força, mais concentração
Os cantos das unhas, passar álcool naquele arranhão de ontem, não esfregar tanto pra não arranhar mais, se machucar mais, não, não, não pode mais aparecer assim no hospital. O que diriam? Que estava precisando de férias? Que não estava bem? Que os remédios não funcionavam de novo? O que diriam? O que diriam?

Os passarinhos lá fora, nesse astral em que viviam bem, ainda felizes com um dia desses, um belo dia, um ótimo dia, seria um ótimo dia, tinha que ser um bom dia 
Um bom Dia
Um bom Dia
Um bom Di-

Óbvio que o efeito não foi o esperado, sentiu o corpo mais letárgico que o normal, a gravidade a chamando devagar, desligando a chave que mantinha sua lucidez, uma felicidade esquisita se alojar em suas entranhas, uma nova sensação que os outros remédios não davam.

Era natural ficar assim tão feliz?
As pessoas normais eram assim?
O tempo todo?
Não sabia
Não sabia
Não sabia
Não sab-

 - Não tô bem... - disse para si mesma, mas quem respondeu foi seu colega de trabalho perguntando sobre o próximo paciente.

Uma típica segunda pós-feriado, homem jovem, branco, classe média alta, lacerações nas mãos, torso estourado, pescoço quebrado em ângulo errado, estilhaços salpicando um rosto sem mais estrutura óssea que lembrava um ser humano, cheiro forte de bebida, asfalto e decomposição. Pra um dia desses, seria um dia bom, um dia bom, tinha que ser um dia ótimo.

Viraram pra ela no plantão das 4h
 - Oh doutora, eu não tô bem... Faz um favor me deixa zen.

Não era psiquiatra, muito menos clínica.
Assistente de médico legista.
O bendito nem ficava na cidade e só passava uma vez por mês pra assinar óbito.
O resto? Era ela.
Ela e a equipe.
E o zelador.
Senhor bacana.
Bem bacana.
Limpava bem os cantos e a maca e a pia de metal e sabia mexer na estufa, a estufa, não deixa a estufa parada muito tempo 
Tempo
Tempo
Temp-

O paciente já era outro, não deu tempo de responder o que pediu medicação.
Alguém deve ter tirado ele dali, só pode, quantas horas?
Qual hora?
 - Pronde foi o cara do acidente?
 - Você liberou hoje cedo, Ulhoa...
 - Mas... Eu nem vi o tempo passar!
 - Hey, Jojo! Como vai?
 - Eu? Pois eu vou bem! - pra onde foi seu tempo? Pra onde foi o cara acidentado? Quem era que estava pedindo remédio pra ficar zen? Havia alguém pedindo remédio mesmo?

Tarja preta das 06h
Tarja vermelha das 06h25
O remédio novo (tarja preta) às 06h40
O sem tarja das 06h45
Ou era o novo a essa hora e o sem tarja...

Desligou a luz da área de trabalho com os "pacientes", maca grande, ocupante de tamanho pequeno, que seja desmembramento, não violência infantil, que seja acerto de contas dos traficantes, não atentado ao pudor contra menor, que seja...

Desligou a luz do corredor, ligou a do banheiro.
Repetiu as doses do começo da noite para garantir, sem problemas, sem problemas, nada iria atrapalhar aquele dia, esse dia, não esse dia.

Ligaram a luz do cubículo.
 - Jojo, levanta. O intervalo acabou faz 15 minutos atrás, você pediu pra eu te avisar quando a paciente das 4h chegasse?
 - Que paciente...? - a gravidade novamente a desligou do mundo ao redor.

Segunda vez só aquela semana. (Semana?! Quanto tempo estava tomando o novo remédio? Era ainda o novo?)
 - Por favor minha querida não inventa de se medicar, a paz que procura não é química. - disse alguém um tempo atrás ou foi semana passada?
Quanto tempo perdera naquele consultório novo mesmo?
Por que foi lá mesmo?
Será que foi o tal do tarja preta que a deixou tão calma assim?
Tão feliz?
Tão...

 - Eu não sei... Não tou bem... - respondeu a uma pergunta qualquer. Quem segurava sua mão grudenta de doce derretido pelo calor insuportável na cidadezinha era uma criança.
Menos de 6 anos, olhos vivazes, joelhos ralados, pé direito que não parava de se mexer pra cima
Pra baixo
Pra cima
Pra baixo
Rápido
Rápido
 - Rápido! Toca no verde! Sorte hoje ou amanhã?
 - Oi? - a calmaria de sempre (Sempre? Não era semana passada? Pronde foi seu tempo?!)
 - Vamos Molly... Deixa a doutora lavar as mãos e aí vamos para casa.
 - Oi?
 - Vamos pra casa, não? Hoje é dia do filme?
 - Eu não sei...
 - Jojo, você tá bem?
 - É natural se sentir assim?
 - Assim como?
 - Tão feliz...? Consigo ver beleza em nós... - a pessoa a beijou na testa, a menina abraçou sua perna, fazendo um barulho de balão furado com a boca.
Sem problemas
Sem neuras
Sem ataques de pânico
Sem medo de ir ao café para pegar algo pra comer e ver alguém conhecido
Sem medos

Desligou a luz da sala, foi até o sofá e se aninhou entre duas pessoas que a lembravam que logo a lucidez a desligaria mais uma vez, a gravidade que a puxava na órbita dessa família incomum era a chave para se encontrar novamente
Novamente
Novamente
Nova
Mente
Ment-

Abriu os olhos na manhã seguinte.
Sem luzes para apagar ou acender.
Apenas.
Sua respiração, seu batimento cardíaco, o ronco da barriga, o ressonar da criança tão agitada no filme agora dormindo o sono dos anjos (seja lá o que o padre quis dizer com isso).
Respirar devagar
Não acordar o anjo fragilizado
Por uma bronquite asmática 
Dente trincado
Maxilar em formação
Bruxismo
Trincado
Trincando
Mordida errada
Ressonar baixo
E trincado
Baixo
Silvo
Um ronco

O remédio das 06h
O tarja preta das 06h25...?
 - Antes que você acorde a criaturinha, são 9h10. Você dormiu como pedra. - a voz que a acalmava avisou ao pé do ouvido.
Dividindo a mesma cama
O mesmo lençol
O mesmo cobertor
O mesmo ar
O mesmo espaço entre o tarja preta e o vermelha, o antiácido, o histamínico, rotina
 - É natural ficar assim?
 - Assim como? - respirou
 - Tão feliz?
 - Eu não sei...

Será que foi o tal do tarja preta que a deixou tão bem assim?!

26 abril 2017

Interlúdio - horas de dormência

Nas horas da dormência Entre uma injeção de cafeína e outra Direto na veia Navegando entre as veias subindo Contra a maré subindo Para onde é o centro de todo mal Martelando no fundo Um eco eco eco eco em larga escala Martelando algo do passado Que não tão passado assim Acontecendo agora em plenos Em frente ao Bem diante de Acontecendo agora mesmo Martelando mais alto que os Sons da cidade Das máquinas barulhentas Dá música alta entupindo ouvidos Boca Ouvidos Nariz e garganta Entorpecendo aos poucos a sensação Sem ação O eco vai diminuindo a cada passo Nem parece que estava em crise alguns minutos atrás Nem parece que estava para perder qualquer resquício de humanidade Racionalidade Civilidade Moralidade Onde foi que perdeu as Forças Correias Correntes Na jaula continua a sombra Ou a sombra escapou e deixou o Corpo escapar por um momento breve pra sentir o gosto Que nunca vai poder ter Perder as estribeiras Afrouxar as correias Quebrar as correntes Perder um pouco de si No próximo Próximo da fila, por favor! No próximo escapar da jaula Quem vai ficar vigiando as grades? Quem vai ficar de olho na fechadura? Quem vai olhar olho no olho e dizer com todo desgosto É hoje que é o próximo? O próximo gosto? O próximo gasto? O próximo olho Por pouco É só um pouco pra perder mais outra Outra jaula Outra corrente Outra correia Outra estribeira Outro eco Outro prego impiedoso achatado por Outro martelo Outro passado pra escapar Outra injeção de cafeína por favor? Subindo contra a maré Devagar com a dormência

(até a crise cessar e sobrar euforia)

aprendimento no agradecimento

Uma coisa que aprendi de uns anos pra cá foi de agradecer as pessoas que me deram oportunidade de crescer como ser humano, como profissional, como estudante e tal.

Os altos e baixos que já havia escrito em alguma postagem anterior mostrou isso, ontem eu tava em péssimo estado, hoje trmho mais lucidez graças a algumas pessoinhas que brotaram ontem e foram ao meu encontro.

Uma delas faz aniversário hoje e com o pouco tempo de convívio já me mostrou que muita coisa da vida se conquista com insistência e sensibilidade com o próximo. Ela é um dos exemplos mais admiráveis de vivência na carreira onde tou me enfiando e isso significa muito pra mim.

Agradecer faz bem, sabe?
Ter essa gratidão por quem te apoia, tem um carinho especial e te deixa feliz por saber que essa pessoa existe no mundo.

É meio isso.

Escrevi pra não perder esse fio da meada dentro do ônibus e não conseguir resgatar o feeling do dia de hoje.

19 abril 2017

[interlúdio] as pequenas ofensas diárias

Tem os altos e baixos
Tem os altos e baixos
Tem os altos volumes dentro da cabeça, girando ao redor dos ouvidos, até quando estou ouvindo música no último volume, porque é preciso se distrair do que ouvir a autosabotagem esperneando com o bode balindo na perna
Tem os baixos quando os ombros não aguentam muito tempo e as costas vão curvando e o pescoço vai corcovando, o semblante franzindo, o olhar desfocando e tem mais baixo do que alto
Quando deveria ter mais altos que baixos
É uma questão de aguentar o tranco
Aí as pequenas ofensas diárias
Vai tudo pro tribunal das causas realmente pequenas
Aquele júri que fica calado, tenso
Esperando a próxima testemunha botar a mão no livro
Jurar que vai falar a verdade somente a verdade e nada mais que a verdade
Tem os baixos e os altos
Os altos e baixos
Queria um lugar no meio pra me encaixar normalmente nessas parada
Não é só de categoria que tou falando
É de estar enquadrada em algum lugar
Não no alto
Ou no baixo.
Nos altos e nos baixos
Por Odin de saias nunca desce nunca sobe
Os altos e baixos
Aí as pequenas ofensas diárias
Aquela palavrinha bendita
Direcionada a esmo
(nem tão a esmo, tem autoflagelação aí)
Atravessa o ar como um silvo
Tiro certeiro em quem não precisa ouvir
(precisa, não precisa, precisa? Fui bem fui mal fui rude fui benevolente fui alto fui baixo os altos e baixos)
No alto dá pra sacar que não precisava
Ninguém realmente precisa tomar a dor dos outros
Mas tem os baixos, que tá ali só esperando
Os silvos, os tiros, as pedras, as ofensas veladas
Os altos os baixos os altos essaporranuncavaiparardeoscilar
Aí vem as pequenas ofensas diárias
Para de comer
Se nega
Se esquece
Não tem vontade
Nos altos e baixos
Chega a ser um castigo pro pouco prazer que pode obter
Nos altos e baixos
Tou exagerando demais
Tou sendo preguiçosa demais
Tou empolgada demais
Tou fora da casinha demais
Tou fugindo demais
Tou me escondendo demais
Tou prestando atenção de menos
Tou sendo menos amigue 
Tou sendo menos rude
Tou sendo menos acessível
Tou menos online
Nos altos nos baixos
Tou demais tou de menos
Odin de saias, preciso de um diagnóstico? 
Categorizar parece mais fácil
Mais fácil mais difícil
Mais fácil de lidar
Mais difícil de entender
Mais fácil de arranjar uma medicação
Mais difícil se se manter equilibrade
Mais fácil de se desculpar por omissão
Mais difícil de se encontrar na bagunça
Nos altos e baixos
Queria poder entender logo o que é
Aqui do alto (onde estou hoje)
No baixo que vai ser (quando acordar amanhã)
Aí as pequenas ofensas diárias
Vai separando nesse abismo de palavras vomitadas
Unindo todo a a mágoa não processada
Junta, separa, junta, separa
Odin de saias esse binarismo que me mata Todos os dias no alto no baixo
Quando tou no alto
Quando tou cavando pra baixo
As pequenas ofensas diárias
Tribunal das causas realmente pequenas que não dá um veredito
Queria poder... No encaixe
Ou o meio
No alto e no baixo
No meio me encaixo
Será que fui rude demais
Será que me empolgo demais
Será que devo ser menos
Nos altos e nos baixos

29 março 2017

espírito cibernético do Natal passado

Tem um episódio de Aquateen com esse título, decidi catar pra ilustrar o post. Sou horrível com títulos desde 1986.

Duas desculpas esfarrapadas para esse post!
1) deixar esse link pros episódios de Aquateen Hunger Force;
2) relatar algo bem interessante que ocorreu dias atrás.

Sacam aquele conto do Charles Dickens sobre o velho sovina que recebe a visita de fantasmas que falam alguma lição de moral pra ele ser bom, gentil, generoso e socialmente aceitável?

Bem, esses dias eu me vi com 61 anos, empolgada com livros de anatomia, deixando estagiarie aqui boquiaberte com a quantidade de termos técnicos e a avidez de querer entender o sistema esquelético. Havia a parte de discutir ética sobre algumas partes da ciência (embriões e sua anatomia nos livros mais acessíveis), mas eu me vi nessa senhora de nome bacana, manézinha que só ela e dando um show de quanto estava interessada em aprender mais sobre o nosso corpo.

Ao vasculharmos um livro com fotos de células que fazem parte dos sistemas, comparamos juntas em como pareciam com sorvete, salsicha, repolho e variados. Tivemos essa viagem intelectual juntas, eu me vi daqui há 30 anos como ela.

O tempo passou absurdamente rápido, o atendimento que faço no máximo 5 minutos, foi se meia hora, nem vi. E achei incrivelmente legal de saber que ela estava empenhada em fazer o trabalho mais interessante. E iria falar lá na frente também na apresentação.

Eu observo bastante as pessoas que entram e saem, vejo algumas nuances e rotinas, adoro quando encontro esses cúmplices de rotina, flanando sobre o balcão, rolando no tapete do setor infanto-juvenil. Sendo eles mesmos nessa inversão de valores biblioteconomísticos.

Eu me vi em relance daqui há 30 anos e tou feliz, acho que todo mundo deveria ter esse momento na vida pra começar a questionar algumas prioridades da vida.
Espero que tenham.

25 março 2017

vivências maternas

Uma das vivências que gosto de ouvir de minha mãe é sobre como ela sobreviveu na época da ditadura, em plena juventude, no Rio de Janeiro, com DOPS fungando no cangote dos universitários e coleguinha de sala de aula sumindo a cada semana pra fazer um passeio sem volta.

Ela fala com certo orgulho que no local onde ela trabalhava - uma companhia de seguros conhecida até hoje - um dos chefes a elogiava sobre a organização informacional que ela conseguia ter com os funcionários de um setor inteiro e como tratar tudo de uma forma que todos pudessem resgatar depois. Numa dessas conversas que temos ela soltou que o mesmo chefe pediu para ela fazer um teste vocacional e o resultado foi bibliotecária (!!!), ela polidamente recusou, pois naquela época ser aproximado de Humanas era pra pedir pra estampar um adesivo de alvo ambulante pro governo militarista.

Minha mãe quase se formou em Economia, quase. Faltou 1 semestre para ela formar e os motivos para sair foram diversos - ironicamente os mesmos motivos que fazem muitos de meus colegas da biblio desistirem também - mas a falta de ter uma estabilidade política era um dos mais fortes. Ela não tinha certeza se continuaria no emprego até o final do mês, ela não sabia se o salário ia aumentar, diminuir, inflacionar, ir pro limbo cósmico, ser convertido em dólar, em dinares ou pesares, a incerteza econômica era certa. E ela estava se formando para isso.

Ela tinha seus 20 e poucos e mais anos, solteira, recém-saída de um relacionamento duradouro, morando sozinha há anos, sem apoio dos pais ou irmãos, se sustentando como dava em um emprego que de certa forma dava um pouco de certeza para ela (como pessoa, ela fala muito bem dos tempos nesse lugar), mas não de estabilidade emocional, psicológica ou financeira. Ela fazia o que gostava - chefiar um setor todo de controle de qualidade e depois subiu para alguma coisa no departamento pessoal e ordeira como era, fazia com que tudo saísse nos trinques pra não dar ruim depois.

E isso ela participava ativamente de reuniões, de CIPA, de conselho de sei lá o quê, da atlética da faculdade, mas o medo de travar conhecimento com militar era constante. Não era fácil ser mulher naquela época e muito menos hoje, as práticas de exclusão e repreensão são as mesmas, só muda os cenários.

Ela faz 66 anos hoje, bem vividos, sem muitas pendências, criou as filhas como dava, sobreviveu a casamento sem amor assim oooooh nossa vai ser pra sempre que romântico. Pela vivência dela me deu muitos exemplos do que fazer e não fazer, a principal referência profissional que tive dentro de casa foi ela, e agradeço bastante o apoio que ela tem me dado quando escolhi a Biblioteconomia como minha paixão. Creio que a lucidez dela me trouxe muitos caminhos para trilhar, mas também muitas dúvidas (aquela dependência nociva de achar que sempre estará no colo da mãe? Yep, me livrando aos poucos para meu bem e o dela), a força dela em batalhar todos os dias pra se superar perante uma porção de dificuldades também.

Então desejo a Karolent, a Entesposa um belo dia de Lite (Quem é nerd demais para decorar datas comemorativas na Terra-média, sabe do que tou falando), e que ela possa continuara florescer nesse mundo. Eu não sei o que faria sem uma mãe dessas.

23 março 2017

[conto] a cidadezinha

Esquina da Bourbon Street no French Quarter - Nova Orleans
Título: a cidadezinha (por BRMorgado)
Cenário: Original/Cotidiano - Nova Orleans.
Classificação: 18 anos. (linguagem forte, violência, morte, abuso de drogas).
Tamanho: 4.789 palavras.
Status: Completa.
Resumo: Diálogos quebrados entre os anos de Sarah Irina ingressar na Marinha e a volta forçada para casa.
Disclaimer: Como não largo as vibes de Nova Orleans e aproveitei o cenário que já tenho (Felicidade Adormecida, em breve um link prestável) para colocar essa pequena peça de diálogo. Faz parte desse cenário aqui também [x] - Escrevi esse pedaço em forma de diálogo, então bora tentar deixar desse jeito e ver se flui a história.
Trilha sonora: Sem trilha dessa vez, mas bota tudo que for dos anos 80 aí nessa mistura e um bocado de música country da sofrência mais pra frente.

 - Música boa!
 - Arram...
 - Pensei que o DJ ia só tocar paiera.
 - Oi? Parceira?
 - Paiera! É tipo, música tosca!
 - Mas é música tosca tocando!
 - Quê?
 - Trash dos anos 80 é música de qualidade pra ti?
 - É classicão da porra!
 - Nossa, nunca pensei que você tinha a capacidade de xingar... Estou impressionada.
 - Tem umas coisas que cê precisa saber de mim antes né?
 - Qual tipo de coisas?
 - Cê sabe, essas coisas que só gente como a gente costuma trocar...
 - Acho tão fofo esse teu jeito de confiar sem antes de saber as intenções da pessoa...
 - Uai, não rola isso a esse ponto não?
 - Dividimos a cama uma vez...
 - E outra vez sem a cama... E mais outra sem ter divisão alguma... Eu diria... NOSSINHORA DEPECHE MODE!!
 - Uau, meu ouvido?
 - Foi mal, mas!!!
 - É, eu sei... É a nossa música...
 - Se chegamos ao ponto de ter uma música só nossa, por que não poder contar segredos?
 - Sei lá, a gente tava meio que...
 - Dividindo cama?
 - Isso.
 - Trocando DNA?
 - Okay.
 - Dando uns pegas?
 - Certo, já colocou seu ponto de vista bem nítido sobre esse assunto.
 - Se te incomoda, tudo bem. Deixo baixo que é melhor, né?
 - Música tocando, bico fechado.
 - "Nossa" música tocando.
 - Nossa...
 - Deviam tocar uns punk...
 - Aí cê tá pedindo demais... Vou ali com a turma.
 - Beleza. Te vejo depois?
 - Urrum... Nada de ir pra roda punk, maluquinha...
 - Mas nem vai tocar punk.
 - Quem disse?
 - Você acabou de dizer?
 - Não acredite em tudo que digo, pode ser bem perigoso...
 - Beleza.

os filtros de culpabilidade para o sistema limbico foram atualizados

Clica cá [x] pra entender o que um filtro de sonho faz energeticamente na sua vida.
Assim como esse instrumento de origem mística para manutenção de desejos do subconsciente (culpa o chato do Freud, ele que veio com essa dos sonhos), a vida de adulto - chata por sinal - precisa de alguns cuidados com sonhos acordados. Como por exemplo, manter a sanidade em ocasiões em que o senso geral das pessoas em volta estão fora do padrão - sóbrio, comportado, agindo de forma polida e sem atrito argumentativo. O sistema límbico agradece.

O que ando tendo mais dificuldade por conta de um ser miserável alojado entre o manipura e o svadhisthana que insiste em responder perguntas externas com divagações nada adequadas para a normalidade. Às vezes uma pergunta inocente pode nem passar pelo meu eu tradicional, boboca e contido, ir direto pra caixa de mensagens do bendito e a resposta resultar uma falha vocal ou um atropelo de palavras apressadas pra disfarçar o nervosismo. Em tese era pra dar uma resposta correta e socialmente aceitável né? É o protocolo. Mas aí quero responder algo indevido, insinuante e com terceiras intenções.

Mas não pode, porque status quo é uma ferramenta castradora tão bacana que você mistura com a culpa de sentir aquilo (sim aquilo mesmo) e não poder transparecer sua opinião verdadeira sobre...

A pergunta básica e trivial: "Como vai passar o feriado?" - poderia ser muito bem dialogada com algo igualmente trivial. Vou dormir, vou estudar, vou ser responsável academicamente porque é isso que paga o meu feijão na mesa. Mas não, o ponto de intersecção quer responder: "Na cama, com você de preferência, de conchinha, sem roupas" - mas não pode. Óbvio que não pode. Quem em sã consciência iria dizer isso situação dada? Você responderia isso no meio da rua? No ponto de ônibus? Na fila do supermercado?

Que assunto óbvio, pelamoooooor!! Alguém indaga indignado por estar tratando de uma apresentação mais direta sobre como uma pessoa extremamente tímida, sem prática nas artes de sutileza e sedução (pelo que já ouvi, precisa de expertise e altas skills pra chegar em um ponto aceitável socialmente) precisa parar e se auto questionar de vez em quando. Pode não parecer, mas a vida aqui atrás do muro de concreto firmado pra não sofrer dano por diversos tipos de humilhação, admoestação, acusação, distorção de fala, costuma ser uma guerra civil.

Ser sutil nessas horas é impossível, eu já nem sei mais como fazer isso sem querer planejar falas e as saídas de emergência pra algum tipo de furo. Plus, pessoas ditas socialmente normais, aceitáveis, conforme a padronização não estão acostumadas a ouvir esse tipo de resposta e ter uma reação boa. Na verdade, elas não querem ouvir isso dessa forma. O que é uma pena, porque não encontrei outra forma em que me deixasse confortável para me expressar.

Convidar para um café? Um passeio? Ouvir música alta? Estudar e discutir sobre algum autor maluco? Não pode ser mais simples? Na minha cabeça de melão sim, ter a coragem de falar é que não, por conta desses fatores todos ali descritos.

Ainda mais quando há diferenças de hierarquia, geracional, os idealismos de como introduzir uma conversa direta sobre essa situação. Por Odin de saias, tem a problemática da não aceitação em estar com alguém trans+. E tem a culpa. Essa maldição herdada da sociedade patriarcal ocupa um espaço enorme nessa hora.

Culpa de querer desejar, de se querer ser desejade, uma culpa extra por deixar o corpo (consequentemente as emoções) controlar o racional e bota mais uma pitada da culpa capital pela luxúria acima do socialmente aceitável que já fui repreendide algumas vezes. Tem culpa em tudo aí, dilema barroquista do pecado versus redenção. 
(mesmo eu já sabendo que tenho carteirinha VIP em qualquer opção de inferno ou tormento eterno pregado por alguma crença aí - construtos ideológicos para sufocarmos essa sensação de que se reproduzir sem a expectativa de produzir descendentes e apenas em busca de prazer)

Os golfinhos sabem bem o que estou falando
(E eles serão os primeiros a irem embora da Terra, cês sabem)

Então, o que vou fazer no feriado mesmo? 
Negando mais um pouco desejos reprimidos e oportunidades de novas experiências com quem gostaria de mapear o corpo com os meus lábios. 
(E não pode. Não pode.)

Oh! Artigos! Tenho uma montoeira deles pra ler e escrever um!

(A repetição da frase "aceitável socialmente" para fins educativos. É pra grudar na cachola e não sair, tá?)