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25 julho 2017

Biblioródias - canção de escárnio


Fiz uma canção de escárnio pra quem mais amo.

E para momento literário fofuxo, deixo a definição de canção de escárnio, ok?
(Sim, vai ler na Wikipedia, tou aqui pra repassar a informação, não pra dr aula de Literatura.)

A gente vive numa caixinha, povo.
Não vamos negar.
O mundo lá fora é tão vasto e cru que é óbvio que irei ficar confortável em um lugar só e não cuidar de selvagens dentro das escolas,
Selvagens atrás das grades
Selvagens enfiados no mato nos confins do Brasil.

Não sou assistente social.
Não sou explorador aventureiro
Não sou babá de ninguém
Não sou como esse povinho aí

Nasci da elite mais refinada da erudição europeia,
Vim fugido pra essa terrinha abençoada em que tudo nos dá
A falta de culhão de monarquia atrasada culturalmente
Filho de herdeiro, de fubá, de sinhá
Achando que ser doutor é o topo da cadeia alimentar

Claro que na cadeia alimentar, toda espécie tem sua evolução.

Se ontem eu digeria burocracia pra escovar os dentes com os dicionários,
Hoje sou obrigado a virar jurássico,
Empoeirado com essa moçada que adora desconstruir paradigma com bisturi tecnológico.
Mas meu amigo, paradigma é temporário,
Sempre se eu fui paradoxo
Até que prove ao contrário
Ou "seje menas" nessa canção de escárnio

Faço parte de uma "profissão em extinção"
Computadores chegaram revolucionando a forma de obter informação?
Continuo aqui.
No mundo a Internet mudou a configuração?
Continuo aqui.
Inventaram outra nomenclatura pra designar o que faço (só que com mais bytes, mais outros termos científicos que você quiser adotar).
Continuo aqui.

Sobrevivo.
Tenho lei e tudo.
Escolas de louros espalhadas no país,
Escola que limpa mouros, esses não entram aqui
Escolas que higienizam ensinando algo que dizem que ninguém mais precisa
(tem a Wikipedia e Doutor Google agora)

Formo uma minoria de elite, branca, especialista em qualquer coisa que sirva no momento.
Conhecimento de tudo para servir de nada
Gratuito? É de graça, com a minha salvaguarda
Educo neutralidade em cada passo que ajudo o pupilo dar.
A lei me garante.
Os decretos também.
Minha imparcialidade se confunde com apatia que é só um reflexo do meu comodismo.
E ainda assim, continuo.

Desde Alexandria.
Desde a primeira dinastia.
Desde a primeira vez em que a escrita esteve presente na sua vida.
Continuo.

Sabe por que não faço mais que deveria?
Por que alguém vai fazer por mim,
Essa molecada com as fuças grudadas em tecnologia.
Esse é o desejo deles, não meu.
E eu continuo.

A quem sirvo não é pra todo mundo,
Não é pra ser,
Que meus teóricos preconceituosos, sexistas, machistas,
Crias de um sistema de manutenção permanente do patriarcado,
Estejam mais certos que qualquer outro de outra área.
Perpetuo os manuais sem averiguar as pistas
De uma violência muda, surda e cega

Conhecimento é poder.
Informação é a única realidade.
Eu tenho a chave.
E eu continuo.

Mude os termos, as nomenclaturas, as ementas, as leis, os decretos, os códigos, os anseios, os afetos, o chão a lamber, mude, se mude, faça upgrade.
Eu continuo.

Um monumento em homenagem a inércia.
Eu continuo
Te encarando como esfinge, dando a charada e penalizando seu mínimo erro.
Eu continuo
Devorando seu fígado, e você acorrentado
Eu continuo
Sendo a pedra que se precipita no alto do penhasco infinitas vezes
Eu continuo
Um diploma, um canudo, um juramento me habilita
Eu continuo mesmo assim.

Você, você faz reformulações, reedições, renovações.
Como todo organismo deve ser reinventado para se legitimar nessa sociedade desigual.
Eu continuo, não permaneço, óbvio!
Mas aqui, continuo.

Eu continuo! (tá me vendo aqui?)
A profissão que será "extinta" daqui alguns anos
O profissional que "não serve pra nada"
O "trabalhador encostado" que reclama demais
Ninguém pediu sua opinião, eu existo
(você também, caro amigo, você também)
Eu existo desde que homo sapiens começou a fazer conexão com as sinapses do sistema nervoso
Talha, cunha , argila e arconte
Pergaminho, papiro, hierofante
Continuo, tou aqui, tá me vendo?

Tudo na ordem? Tudo no progresso ?
Identidade, CPF, comprovante de residência e 2 contatos por favor?


05 julho 2017

[conto com angie] o esquecimento

Título: O Esquecimento (por BRMorgan)
Cenário: Projeto Feérico.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 1.654 palavras.
Status: Completa.
Disclaimer: Esse conto faz parte de algum rascunho perdido meu do Projeto Feérico que vocês podem ver os pedaços sendo costurados aqui nesse post [x]. Esse plot me foi narrado há 5 anos atrás. Resolvi fechar um ciclo que estava precisando ser terminado.
Personagens: Gaimer Jones (Stardancer), Angie.
Resumo: O Tempo passa diferente para os feéricos, os mais velhos sentem isso diferente. Para aqueles que se esquecem do Sonhar, as consequências são muitas. O Esquecimento é um dos mais tenebrosos acontecimentos que um feérico pode sofrer em sua longa vida. Angie sabe muito bem disso. 
N/A: ouvindo In Every Sunflower do Bell X1 no repeat?


A porta de madeira, a tela da varanda meio comida no chão pelos cães de anos atrás, enterrados por padecerem de velhice no quintal dos fundos. O clima da primavera de um sol tórrido lá fora no asfalto e o mormaço habitual do começo da tarde. O som baixo da vitrola localizada em cima da geladeira, a rádio local dando informações da tempestade que caíra dia atrás na cidadezinha. 

Seu telhado sobrevivera por pouco com a ventania e os galhos quebrados espalhados pelo quintal da frente. Dentro de casa era como uma muralha de sentimentos medidos e calculados. Ali entre a tela da varanda para proteger de mosquitos e moscas, ruminava com sua miopia:
Quem bateria a sua porta essa hora da tarde quente?

Na poltrona deixou seu objeto de trabalho, a talha para madeira, o objeto esculpido em uma das mãos, os passos lentos causados pelo avanço da idade. 

Chave menor.
Chave maior .
Uma virada no trinco sem óleo.
Trinco com corrente de correr.
Porta de madeira primeiro .
Tela da varanda depois. 
Estava esquecendo de algo? 
(Sim, perguntar antes de tudo quem estava na porta) 

A cozinha era menor que lembrava, tantos anos atrás.
Cada coisa em seu lugar.
A mesinha farta de lanchinhos da tarde, ocupada por livros velhos, encerados, encadernados. Pequenas peças de madeira, gatos em miniaturas bem detalhadas, pintados a mão, alguns com detalhes tão vivos em pedrinhas coladas, outros em poses esquisitas esperando uma crítica menor. 

O barulho do microondas chamou atenção dos dois ocupantes daquela cozinha minúscula.
Um bipe mecânico que anunciava a saída de algo a se sorver amargamente.
Café requentado.
Para a visitante com leite tipo C para ficar ralinho.
Açúcar.
Muito.
Ainda perguntaria para essa visita regular o porquê de tanto açúcar. 
O médico dissera que açúcar fazia mal. E ovo e queijo e carne e manteiga. Comia pão molhado no café para satisfazer o gosto. Era melhor assim, o médico disse. 

- Você parece bem... - a menina disse trêmula. Ela sempre tentava esconder o medo na voz. Pigarreou para responder, era o começo de conversa afinal. Ser educado com a juventude era algo que aprendera no centro comunitário. 
- Ando fazendo exercícios... Ajuda a manter o pique. 
- Bacana, tranquilinho... 
- E você, como está? - ela deu de ombros, ela sempre fazia isso quando queria enrolar. - Não tá aprontando lá naquele hotel, né? 
- Oh não! Tou dando aula pros grandões agora... Cê lembra do Quentin? Ele tá dando futebol pra criançada...
- Isso é bom...! A verdadeira felicidade no caminho da sabedoria é aquilo que passamos para os mais novos... 
- Oi? - falaram quase ao mesmo tempo.
- Sim? - cada um em seu tom de voz surpreso.
- Isso que você falou agora. 
- O que eu disse? - ele coçou a cabeça com a parte achatada da escultura que tinha começado ainda não mão. A menina foi até ao microondas, tirou o pote de tampa rosa do compartimento. Não lembrava de ter colocado aquele pote ali, muito menos de ter um pote assim. Hermético, com furinho a vácuo. Hmmmmm, prático. - Oh sopa! Legumes? 
- Como cê gosta... - ela disse com um sorriso trêmulo, servindo a mesa para dois, na companhia dos gatos de madeira, pratos fundos, colheres um pouco tortas pelo uso. Não estava frio ali, o termostato do dia era de tarde quente lá fora. Perguntaria a ela o porque de estar sempre tremendo. - Emílio mandou lembranças e caprichou no temperinho... 
- Oh sim, sim... - uma colherada se multiplicou em várias. Logo seu prato esvaziou, a colher torta deixada no fundo. Barriga cheia, gostava dessa sensação. Assim como pegar o sol da manhã quando caminhava pela vizinhança. Gostava das visitas da menina também, mas não lhe agradava o jeito como ela usava roupas.

Chamariam ele de velho rabugento, mas ela costumava aparecer como se tivesse saído de uma briga. Ou acidente de carro. 
Era essa a expressão que lembrava para descrever ela.

- Bem, bem, bem... - ele anunciou acariciando a pança avantajada da idade.
- Gostei dos gatinhos com pedrinhas... São muito bonitos. - ela comentou timidamente.
- Oh sim, levei alguns para o centro comunitário! Esses aqui são os que mais deixam as pessoas felizes... - apontando para os enfeitados com tinta especial, pedrinhas cintilantes e traços longos nas pernas. 
- São muito lindos mesmo... - lembrou se de repente que havia feito algo especial para a jovenzinha, levantou-se com dificuldade do banquinho da mesa cheia de coisas e estalando a língua, gesticulou para chamar atenção da menina que observava o seu prato de sopa ainda pela metade, frio, e uma colher torta segurada por uma mão trêmula.

Será que ela tinha tanta fome para tremer daquele jeito?
Alguns colegas do centro comunitário tinham problemas de locomoção, equilíbrio, coordenação. Faziam fisioterapia, tomavam remédios, visitavam seus médicos.
Conseguiam ter uma vida boa. 
- Espere aí, sim? Tenho algo para você... - Ele começou sua empreitada frustrada de lembrar onde tinha colocado o presente para... Para... Qual era o nome da mocinha...? Estava na ponta da língua. 

Gavetas. 
Armários. 
Debaixo da cama. 
Atrás da cortina.
Entre as almofadas do sofá.

Ela falava algo lá da cozinha minúscula, não conseguia ouvir direito pela surdez parcial em um dos ouvidos, mas a idade também prejudicava o seu entendimento. 
- Seja lá o que esteja procurando... Queria que soubesse que... 
- Calminha que vou encontrar, sim, sim... - retirando livros grossos de capas de couro e decoradas com fina caligrafia em seus títulos. 
- Eu não trocaria por nada do mundo por ter te... 
- Será que deixei na garagem? Sempre deixo coisinhas na garagem, parece coisa de velho gagá ... - Ele caminhava para lá e para cá, tentando agora lembrar do que procurava. - Oh sim! O seu presente! 
- N-não precisa, Sr. Gaimer... 
- Claro que precisa! Fiz para você, quero que fique com ele... Pra guardar de lembrança. 
- Vai valer a pena ter essa lembrança... - o sorriso dela não tremeu, foi de orelha a orelha, tristonho, quebrado, como uma despedida.

Ele parou no meio da sala, camiseta de fundo azul com uma estampa de girassóis por todos os lados, de botões amarelos, calças seguradas com um cinto novo (De quem ganhara, não lembrava), cabelos grisalhos ralos e longos bem presos no cocuruto com um elástico sem cor. Mocassins sem meias. Ele usava um relógio enorme no pulso agora.
Os dois se olharam em silêncio.
Como em uma despedida.

 - Eu não trocaria por nada nesse mundo... Por ter te conhecido...
 - Menina, você não terminou essa sopa, hein? - ele disse quase automaticamente. Não entendia porque ela ter se encolhido no lugar, como um bichinho enjaulado.
 - E-eu... - a voz vacilante, o sorriso trêmulo, tudo estava ali, mas o que era não sabia. Uma fungada profunda com um suspiro - Eu não trocaria essa dor horrível que sinto aqui dentro por nunca ter te conhecido... Você sempre foi o melhor pra mim... Sempre vai ser o melhor de mim...
 - Mas o que você está falando, hein? - o sotaque dele estava diferente da última vez que se lembrava. - Vamos, termine a sopa aí e venha me ajudar a... O que eu tava procurando mesmo?
 - Olha pra mim, por favorzinho?
 - Oi?
 - Stardancer...? - ela pediu com lágrimas nos olhos. - Olha só um pouquinho pra mim? Eu não quero esquecer disso.
 - Disso o quê? - ele deu de ombros como ela fazia quando não sabia como responder uma pergunta. Ela puxara isso dele. Em algum segundo entre respirar fundo e piscar, ele teve uma pequena fagulha de memória antiga: um caminho iluminado pelas estrelas, uma música muito bonita, uma dança, um teto cheio de pedrinhas coloridas, gatos de verdade, uma vida que não se lembrava mais de ter tido. - Menina, você tá bem?
 - Eu vou ficar. E você também. Quero muito que você fique bem.
 - Oras, não precisa chorar, hein? - ele disse se aproximando dela em passos cuidadosos, não sabia o que estava acontecendo para ela ficar tão emotiva. Ela deu um passo para frente, como se quisesse dizer algo, assim de repente, se retraiu ao mesmo tempo, segurando o corpo em um abraço em si mesma.
 - Eu te a... - a batida na porta interrompeu o momento. Gaimer Jones arrastou os pés até a porta para ver quem era a visitar.
 - Deixe-me ver quem é que está na porta, sim? - ele disse com um sorriso ameno. A jovenzinha devolveu com um aceno de mão.

Primeiro a chave menor, depois a chave maior.
Uma virada no trinco sem graxa, trinco com corrente de correr.
Porta de madeira primeiro e tela da varanda depois.
Estava esquecendo de algo? 
Perguntar antes de tudo quem era, Gaimer.
Como esquecia de uma coisa dessas?
Abriu a porta.
Era a cuidadora com as compras.
Legumes, frutas, farinha e fubá.

 - Sr. Gaimer, já em pé? - ele olhou ao redor na sala de tantos móveis e quinquilharias suas.
 - Sim, sim... Me senti disposto essa manhã... - ele disse coçando a cabeça com a parte achatada da escultura em que trabalhava algumas horas.
 - Bem, isso é bom! - a cuidadora de idosos do condomínio residencial em que Gaimer Jones, renomado fotógrafo, explorador de savanas, lugares exóticos e países fora do mapa. Ela tirou as compras das sacolas e com uma voz calma e monótona puxou conversa. - O que acha de sopa? Capricho no temperinho que você tanto gosta... - ela disse com uma voz mais instigante. Era como ela ganhava as discussões.
 - Sopa é ótimo! - ele coçou a cabeça novamente e encarou seus mocassins. Será que esquecera de alguma coisa e não conseguia lembrar o quê? Olhou o seu relógio de pulso, parara de funcionar há 13 minutos atrás.

 - Está procurando por alguma coisa, Sr. Gaimer?
 - Não, não... Acho que acabei me confundindo de novo com o que fazer... Meu relógio pifou. - mostrando o pulso para ela.
 - Está tudo bem mesmo? - a cuidadora perguntou com mais ênfase. Ela fazia perguntas demais quando achava que ele estava ficando gagá.
 - Sim, jovenzinha... Não precisa se preocupar, hein? Vou voltar ao trabalho, tenho 2 gatos para terminar antes do almoço...
 - Oh e para quem será esses presentes tão adoráveis...?
 - E-eu não sei... - ele respondeu para si mesmo, testa franzida, um pote de tampa rosa que não era seu ali na mesinha da cozinha minúscula. Estava esquecendo de algo que não...?

...

(Alguns ciclos precisavam ser completados. Outros caíam no esquecimento)

04 julho 2017

[conto com angie] humanidade é carvão

Título: Humanidade é carvão (por BRMorgan)
Cenário: Projeto Feérico.
Classificação: PG-13.
Tamanho: 1.150 palavras.
Status: Completa.
Disclaimer: Esse conto faz parte de algum rascunho perdido meu do Projeto Feérico que vocês podem ver os pedaços sendo costurados aqui nesse post [x]
Personagens: O Devorador de Sonhos, Angie.
Resumo: Quando uma criatura primordial do Sonhar decide sair da Neutralidade, é isso que acontece.
N/A: Trilha sonora? Vai ver o post anterior, sim? ;)

Piscar os olhos.
Piscar.
Umedecer esse órgão novo.
Dois órgãos novos.
Muitos novos de muitos como os outros.

Quando o Vazio era o único sentido, agora o emaranhado de órgãos amontoados em um fluxo quase perfeito. O universo inteiro engendrado dentro de si, de si, como um ser vivente.
“Só eu sei...
Só eu sei...”
Dizia a velha canção...

E doía.

Em uma manhã chuvosa em algum lugar de algum lugar. Diferente do que estava acostumada em outras vidas. Ser vivente agora. Poderia categorizar as suas experiências em outros tempos como “vidas”. Era dessa forma que os Filhos mais novos entendiam o Tempo, a Sina, a Morte, o Destino.

E nessa chuva desgraçada que molhava os ossos.
(Ossos, ossos, nervos, músculos, sangue, fluidos, ritmos)
Nessa chuva que entrava em cada poro, orifício, encharcando alma, espírito, película fina de essência de glamour puro despedaçado para abrigar esse corpo frágil, real. Ser vivente real. Vivo.
Ritmo de tambores, barulho do mar, quebra das ondas, ritmo, canção, Vida.

E doía.

Os órgãos que piscavam focalizaram a sombra ali, bem perto, ao lado da comoção no beco sujo e cinzento da Metrópole. Fazendo as últimas anotações em seu livro anterior. Aquele maldito livro que carregava acorrentado em seu corpo como um mártir da própria existência. 
Juiz, carrasco, júri, advogado, vítima, acusado.
Julgamento. Neutralidade. 
Era isso que se lembrava de outros mundos.
Não lembrava do porquê estar doendo.
De qual crime que cometera para sua Sombra estar ali, tão perto e tão longe, observando corpos vivos em uma roda irregular, exclamações altas, gritos de agonia. 

Neutralidade. 
Deve ter sido isso.
Quebrara com a regra que não se quebrava: Neutralidade.
Juiz, carrasco, júri, advogado, vítima, acusado.
Julgamento. 
Neutralidade. 
Era isso que era no Mundo Além dos olhos dos Filhos mais novos.

A Neutralidade que nutria em seu ser vazio era o horror dos Filhos de Danuu. Temerosos por estarem sendo julgados sem perceberem (Como se fosse possível), horrorizados por existir personificações da Sorte, da Sina, da Morte, do Destino. E isso os abusados Feéricos morriam de medo: pregados eternamente em um Destino diferente dos Filhos mais Novos, Destino desconhecido, silencioso, cruel, devastador. 

Banalidade.
O mundo preto e cinza.
A perda do Glamour.
O fim da Magia.
O insuportável vício pelo Tédio.
A destruição completa de uma alma tão antiga e carregada de Sonhos.

O Fim.
(Fora isso que questionara? O Fim?)

Em outro piscar lembrou de vozes, muitas vozes, vociferando acusações, uma jaula, um palanque, uma forca, um espetáculo, uma multidão. Cabelos de fogo, diferentes dos seus. Um antigo, primitivo, antes deles mesmos, renascido, selvagem em seu estado catatônico de nascer. A Vida foi devolvida antes do esperado. Sentia isso se tivesse órgãos para sentir, coração, emoções. Julgamento sem seguir a Lei Maior.

Sem Neutralidade.
(Fora isso que questionara?)

A execução pelas mãos de outrem. Mesmo suas palavras sendo proferidas. 
Profetizadas. 
Algo sobre o castigo de um crime maior. 
A Traição na Casa de Fiona.
(Fora isso que questionara?!)

O que seria real?
Por esses olhos recém-abertos via que aquele mundo de antes não agradaria seus Ensinamentos, sua Lei Maior, seu Caminho Prateado. 
Não desistiu, escolheu.  
Por que não escolher? 
Em definir quem deveria acolher.
“Só eu sei o que será
De nossos sonhos
Só eu sei o que virá
De outros mundos
Pra dizer...”
A velha cantiga ia e voltava, como um eco em um precipício sem fim, repetia com os tambores, as ondas do mar, os ritmos de um corpo vivo então: “A Humanidade é carvão em meu suor, então saí da minha cela...”

Cinza era o céu, a manhã chuvosa no beco de algum lugar da Metrópole.
Nada mais era como antes achava. Acordou no chão sem entender a confusão ao seu redor.
(Por que doía tanto? Por que não reconhecia mais sua Sombra, acorrentada no imenso livro da Neutralidade?)

Acordou no chão, despido, minúsculo, dolorido e sem razão, e percebeu que foi desconstruído de seu vazio, castigado para a renovação. Da boca de um estranho vivo, imundo, maltrapilho, vagabundo, sem teto ouviu as primeiras palavras em seus ouvidos agora atentos ao mundo:
“Óia só esse tiquim de gente! Vestida que nem acidente de carro!”

Risos.
Choro.
Agonia.
Saiu da cela.
A jaula do vazio da Neutralidade.

O que era real?
“Só eu sei o que será
De nossos sonhos
Só eu sei o que virá
De outros mundos
Pra dizer...”

A música retumbava em seus ouvidos vivos. Os olhos pequeninos em uma cabecinha de recém-nascido, parto sofrido e acidental debaixo de um viaduto em uma manhã chuvosa. O cheiro veio aos poucos. O tato, dedos trêmulos sem coordenação. O paladar amargo, as nuances de uma existência que jamais tocou comida ou bebida.

E doía.

A sua Sombra se afastou lentamente, sem dar Adeus, dar explicação. Apenas uma lembrança que não mais ficaria ali, entre a vaga impressão de uma ilusão e uma alucinação. Tentou se movimentar naquele corpo gelatinoso sem sustentação. Frágil, sem orientação. A memória definhava, desintegrava como areia em um deserto infinito. O ritmo dos tambores codificado para o seu coração pequeno, no peito descoberto, a comoção urrava.

Sirenes.
Gritos.
Agonia.
E doía.

“ – Todo mundo pra parede! Todo mundo pra parede! Agora!”
“ – Afasta aí vagabundo! Tira a mão!”
“ – Não força a barra senão leva chumbo nas fuça!”
“ – Ajuda aí, seu puliça! Ajuda!”
“ – Falei pra ficar de cara pra parede, porra! Mãos na cabeça, abre as perna!”

A Fome.
Com tudo no mundo dos Filhos mais novos iria se acostumar, com uma habilidade invejável de transformar Sorte, Sina, Morte, Destino em ferramentas para ajudar as pessoas. Mas a Fome?
Essa permaneceria.

“- Bota essa coisa aí no camburão! Levar pro Hospital, porra!”
“ – Leva nossa anjinha, não, seu puliça!”
“ – Cala essa boca, vagabundo. Tá vendo a merda que deu aqui?”
“ – Chama o rabecão, véi... Tem jeito não...”
“ – Deixa a nossa anjinha aqui, seu dotô puliça... A gente cuida dela...”

Estampido, alto, forte, cheiro de pólvora.
A Humanidade é carvão em seu suor, vestida como um acidente de carro.

Piscou os olhos.
A maldição dos antigos em seu corpo renovado.
Esquecimento.

Era uma manhã chuvosa de 1969.
E a Humanidade deslumbrava a ida à Lua no mesmo dia.
Não se lembraria de quem era até segurar a mão de Stardancer em um beco imundo como aquele em alguma parte de alguma cidadezinha ao redor da Metrópole.
Não se lembraria do que era capaz de fazer ao entrar naquele ônibus-quimera em 2013 quando o meteoro caiu lá do outro lado do mundo.
Quando conseguiu enganar um de seus antigos associados.
Quando voltou a entrar no Caminho Prateado sozinha.
Quando voltou ao Vazio e se lembrou de que Neutralidade fora seu pior pecado.
Vagueava nessa realidade para não voltar mais àquela ilusão.

03 julho 2017

[videos] a luz e a sombra/branco por scalene



Ainda vou ter forças para escrever algo sobre a Angie inspirada nessa música. Porque, olha só, pqp gente! Essa guriazinha eshu changeling não sai do meu campo gravitacional de escrita (tentei, tentei, não deu!) e volta e meia tem algum rascunho não processado aqui na fileira, no celular, nos cantos de páginas de textos acadêmicos.

O que para alguém que escreve deve ser uma maravilha, para alguém que NÃO QUER escrever sobre ela nesse exato momento da vida tá se tornando insuportável. Não no sentido da palavra que me aborrece, mas o de não caber mais nos feelings. Há muita coisa para se falar da Ângela Filha dos Ventos, há trocentas estórias para narrar, estruturar, redigir, editar, desgastar, vociferar, desmantelar em lágrimas, porque é isso que essa chuchuzinha faz comigo quando vem aquela inspiração das Musas.

Essa letra em especial me chamou atenção mais pela parte final da primeira música (A luz e a sombra), que é basicamente o dilema da vida da Angie no mundo Feérico. E eu levo à sério demais a concepção de personagem da mocinha, ela se estruturou de emoções que eu mesma estava experimentando na época, para então haver aquele elemento inexorável de "coincidência" (Chamem do que quiser, magia, feitiço, ligação entre dois pontos, telepatia, lalalalala i can't hear you...) e depois plim! Surge essa coisinha bizarra vestida como um acidente de carro para me atormentar de tempos em tempos.

Também tenho minhas limitações quanto ao escrever sobre ela, porque por um lado não quero dar muito spoiler e ao mesmo tempo nem apresentei ela para o mundo como queria. Talvez deva ser isso mesmo, o limiar entre o escrever apenas para mim mesme e/ou não escrever coisa alguma, ter uma contraparte fictícia me cutucando continuamente para me lembrar sobre um projeto que mais me faz querer gritar de agonia por não saber mais como escrever do que me dar boas risadas como antes.

É a fucking vida de escriba.
Alguma coisa sempre vai ser deixada para trás entre a papelada.

Acordei no chão
Despido e sem razão, e percebi

Desconstruí, nos renova
Só eu sei o que será de nossos sonhos

Só eu sei o que virá de outros mundos
Pra dizer:
Pelas ruas eu procurei
Só preto e cinza encontrei
Como irei reinventar minha sombra
O que será real?
Dessa janela eu via que o mundo atual
Não me agradaria
Por que não escolher?
Eu mesmo definir qual devo eu acolher
Só eu sei

Assim como o maldito coelho da Alice, sinto que com a Angie, estou sempre atrasade.

02 julho 2017

eu escrevendo textões

https://brdramallama.tumblr.com/post/161873162996/mewhen-im-all-about-library-information-science


Tradução:
"Eu não sei como ficar  emocionalmente neutra quanto estou escrevendo sobre algo que sou apaixonada. Eu tenho paixão, Winn. Um tanto disso."

Assim como a herdeira de Krypton, me acomete de tempos em tempos essa imparcialidade nos julgamentos quando vou escrever algo que está aparelhado ao conjunto coração/alma. Biblioteconomia vai bem nessa estradinha sem retorno.

Aliás, as postagens estão meio raras esses dias, culpem a volta da dor nas costas e o meu cérebro sendo ocupado por trabalhos acadêmicos (que não vou aproveitar tão cedo em qualquer coisa na vida de estagiárie).

23 junho 2017

ainda não entendi!

7 semestres.
3 anos e meio.
2 crises existenciais.
1 crise de querer mudar de curso.
E até agora não descobri o que fazem os engenheiros da produção, gente.

Ainda não saquei o que eles querem da vida.
Ainda não entendi o que eles acham que tem que se enfiar na Biblioteconomia.

Ainda não compreendi que quando se metem é para fins nada felizes dentro do curso.
Ainda tou ruminando o porquê deles não terem achado algum outro lugar melhor (Sei lá, curso que dá dinheiro e prestígio, sabe?) para se alocarem.

A única coisa que encontrei de informação relevante é que eles são igualmente evitados nas outras engenharias. O que não ajuda em nada na melhoria da percepção desses incautos transeuntes da Biblio.

Botando Moz pra ilustrar, porque a situação pede

15 junho 2017

sobre burnouts


Here I go, here I go...

Mente vazia, oficina da queridona Lady Ansiedade, do meu coração <3
Como mãe de todos os pavores, fico no aguardo pelo próximo momento lindo de dorzinha localizada. Os neurônios estão trabalhando em outras áreas pelo jeito. O legal de ter uma mente hiperativa é que mesmo quando tou lesada pela dor, vai vir coisa, sei lá, alguma coisa, tipo ontem foi ideia rápida e improvisada na apresentação do trabalho, até que deu certo - no susto, mas deu. O ruim de ter mente hiperativa enquanto se está com dor é que não dá pra executar as coisas que quer fazer. 

É um belo círculo vicioso dos Inferos pra enfrentar. E a Ira costuma vir junto.

A dor nas costas anda me fazendo relevar muitas questões na vida de escriba, até o ato de escrever já está se tornando um exercício difícil - a escrita entra como solução paliativa, um band-aid para uma fratura exposta, um "Calma, vai melhorar" - já que não posso ficar muito tempo sob meus quadris. Hips don't lie, o meu pelo jeito deve estar com uma ficha criminal bem extensa ou é fã do Pinóquio.

E aí escrevi um post angst ontem voltando no busão - porque a menininha mágica da Clamp caótica no meu sistema nervoso me lembrou assim que senti aquela fisgadinha delicinha no ciático - mas fui deletando as coisas mais blergh e coloquei piadinhas toscas e humor dos anos 90.

E uma história bem legal que ouvi/presenciei durante o estágio há uns 2 anos atrás.

12 junho 2017

Ao Dia do Consórcio, com carinho

Hoje foi dia de chá de cadeira, atrasos, máquina de ressonância magnética com altos ritmo de rave (tundz-tundz-tundz) e nem estou medicada. Sério, juro.

Aí para melhorar o final do dia tão especial, gravei um vídeo. Yep. Isso mesmo.


Para esse Dia do Consórcio, ops dos Namorados, aquela seleção de músicas bregas vai especialmente para vocês, amigolhes enfurnadinhes nas bibliotecas do Brasil-baranil, esperando por aquele encadernado perfeitinho que encaixa na prateleira sem sobrar borda, com cheirinho de papel novo e classificado corretamente.
Entre uma estante e outra, tamos aí, fazendo o seu dia romântico e tosco, mais tosco s2

Não pretendo quebrar nenhum copyright como s trechos das músicas, tou só promovendo um momento de nostalgia dos anos 80 trash com as baladinhas mais melosas do mundo.

Aliás, vocês sabiam que o 12 de junho, Dia dos Namorados (aka Dia de Santo Antônio) só é comemorado no Brasil e que no resto do mundo é dia 14 de fevereiro?! Já usaram o Google hoje para descobrirem o porquê disso?! Ah vai né, clica cá: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_dos_Namorados

07 junho 2017

sumiço

Não era Amor.
Não era.
Não era Amor era
Um número na CID que começa com M54. uns quebrado. No caso a minha lombar.

Traduzindo: de cama, sem movimentos bruscos, nada de PC até domingo,nqda de pegar busão.

Isso porque tenho 1 prova, 2 projetos de pesquisa, 1 relatório e 3 apresentações de seminário para preparar.
(sem contar estágio, revisão de revista AND minha sanidade)

Era cilada!
Cilada, pampampampampanananan.

Ps: médico receitou Tramadon. Voltei pra fila e fiz ele refazer a ficha de medicação. Tava lá no meu effing prontuário o que exatamente Tramadol e qualquer medicamento do tipo fez comigo da última vez. Tou num outro que não é narcótico, mas não sei não. Assim como bibliotecários, médicos não leem os prontuários pelo jeito.


05 junho 2017

coisas produzidas pelos sonhos

Quando se é uma criança com uma imaginação fértil em uma época onde a tecnologia afetava timidamente o que poderia ser produzido depois, tive sorte de ter sido criade numa casa onde tinha quintal enorme.
Dreams, inconsistent angel things...

Já comentei das peripécias de viver na Tiago da Fonseca durante os anos 90, como isso me afetou na escrita e na produção de sentidos para as realidades em que estive inseride. Sonhos estão comigo tão vívidos desde pequene, felizmente muitos me dando inspiração para escrever e narrar histórias - nem que seja só para mim mesme, todo mundo precisa de um pouco de ficção pra não ficar insano - outros, os pesadelos, tem estado comigo também desde que mudei de estado ali na metade de 1994.

Coincidentemente meu contato com bibliotecas foram nessa mesma época. Perceber o mundo de um jeito mais crítico também. Mas os pesadelos estavam ali por algum motivo que não se dá para tocar quando criança, às vezes nem é bom, pois para digerir isso quando novinhe se faz um esforço tão grande que acaba ferrando com a cabeça depois.

Pra quem tem muitos pesadelos desde criança, até que tou bem quanto a eles. Não afetam mais como antes. Comecei a escrever o que lembrava deles após acordar em uma antiga sessão do primeiro Blog que tive (DelusionalWounded, geocities disse bye-bye, weblogger do Terra também, depois domínio próprio e aqui no Blogger pra virar esse que você lê agora), a tal da "Sonhos estranhos com detalhes"


My beautiful grief
Your dreams are my torture

Your dreams my relief



Depois de descobrir como se faz para manipular sonhos - o que chamam de sonho lúcido - durante meus 20 e poucos anos e entender que sonhos, sejam eles bons ou ruins, fazem parte da nossa criatividade querendo dar as caras para algo a ser produzido, transformei muitos sonhos/pesadelos em contos. Das melhores experiências no mundo onírico, consegui tirar um projeto de cenário para fadas - Projeto Feéricos tá devagar, mas tá indo - e mesclando com cultura popular, cinema, música e performance. Dos pesadelos intricados, dolorosos e traumatizantes, consegui compreender como a vida no mundo real, sólido e tátil pode ser uma dádiva a ser aproveitada a cada segundo. Deles também tirei inspirações para muitas histórias, questionamentos, pesquisas, realizações. Sonhar com a própria morte dezenas de vezes numa mesma noite não é saudável para ninguém, mas acabei percebendo que cada batida de cartão ao patrão Morfeu, uma lição era aprendida: nunca subestime o poder do ID, do subconsciente.

No Projeto Feéricos comecei a delinear algumas histórias que tomassem a narrativa desses sonhos, afinal tudo começou com uma menininha mendiga com um mochilão maior que ela, no meio de uma chuva torrencial, debaixo de um prédio cheio de escombros, me ajudando a lutar contra um monstro feito de vigas de ferro retorcido e pedaços de reboco e concreto. A Angie nasceu ali, de um sonho escabroso em uma noite de verão após chegada ao Rio de Janeiro, perto de um local onde uma tragédia aconteceu décadas atrás e que só vim saber depois quando contei o sonho pra uma pessoa da família que mora na cidade.
(Links para as notícias [x] [x] [x])

Com esse template de narrativa feita, e devorando o Manual Básico de Changeling the Dreaming, veio a confecção de um mundinho muito aproximado do nosso, com muita mistureba da nossa cultura com os diversos lugares que já estive/passei/morei. A Metrópole que é citada nos contos é uma mescla entre centro do Rio de Janeiro, centro histórico de Florianópolis e um pouco de Belo Horizonte. Cada pedaço ali descrito é meio que revisitar esses lugares que passei tanto tempo admirando ou correndo. O Posto 2 do Zé Ferreira, Dona Alcidez e Angie criança é total Avenida Rio Branco, desde a frente da Rodoviária com os hangares portuários, até lá o final chegando na praça dos Bombeiros, passando pelo antigo Hospital Psiquiátrico Pinel.

Mas pra quê isso tudo? porque acabei trombando com esse cara.

Zdzisław Beksiński era um pintor polonês que passou a vida toda pintando sobre seus sonhos. e o que ele via lá eram coisas beeeeeem estranhas por assim dizer. Muito da arte dele é grotesca, vívida e surrealista, então para ter um pouco mais de atenção nas pinturas tem que ter um estômago mais ajeitadinho, uma cabeça mais acertada com certas temáticas. o surrealismo dele, onírico por assim dizer ultrapassa muito das nuances que a gente, meros mortais, consegue produzir com a imaginação.
Nem nos meus piores pesadelos eu tenho lembranças de material como esse.

Duas pinturas que me impressionaram pelo detalhismo e a semelhança tão f*** com o que eu imaginava para o cenário de Projeto Feéricos são essas aí abaixo:

'Dolina Śmierci do artista polonês Zdzisław Beksiński -  (Fonte: Carajaggio)

Essa pintura já havia colocado no conto que escrevi semana passada "Como pesadelos são construídos" ilustrando o feeling das andanças da Angie. Em termos de jogo - Changeling the Dreaming - a Angie tem as skills de passear entre Trods, é como se fossem passagens secretas entre tempo-espaço, poucas fadas conseguem fazer isso com segurança, e como a Angie tá enquadrada como Eshu no RPG, ganha uns pontinhos a mais... Tem todo um background de como ela consegue passear entre mundos, isso vai sendo explicado depois. Há esse rascunho mal processado que escrevi na época em que o cenário tava tomando forma, problemas de bloqueio vieram depois, aí não produzi tanto quanto queria.




A imagem do ônibus abandonado é perfeita para a quimera-ônibus que surgiu depois de um sonho esquisito com caçadores de pokémon que eram fadas (?!) e eu participava do grupo com o sarcasmo e o lolz. Até hoje esse sonho norteia qualquer mudança que eu vá face no cenário de Feéricos, por conta de ser como visualizei primeiro como seria a dinâmica entre os personagens. Tudo bem que Angie não tava lá, mas a forma dos personagens estavam, a motivação também.

O ônibus-quimera é uma daquelas alegorias de pesadelos estáticos que volta e meia visitamos de tempos em tempos, arruinado, enferrujado, pichado e trazendo ferro frio em sua constituição traz todo o pavor possível para qualquer feérico que seja obrigado a estar perto dele. A quimera se manifesta silenciosa, na forma do ônibus e levando seus passageiros para um lugar onde os sonhos estão paralisados.

Vi um ensaio de fotografias de exploração urbana na cidade de Pripyat, onde fica a usina nuclear desativada de Chernobyl, Ucrânia e não sei se vocês sabem, mas lá é inabitável pelos altos níveis de radioatividade no solo, na água, e até no ar respirável em alguns pontos. Tem uns malucos que fazem turismo por lá com todas as precauções feitas pelo governo para não haver contaminação radioativa, aí nas fotos, uma me chamou atenção: o parque de diversões da cidade.

O parque foi para Engel, o ginásio foi a ponte para introduzir a Angie no grupo, já que a menina é ligada ao caos e ao vazio. A desolação de Pripyat mais essa peça do polonês dão um tom para a trama da Angie que me fez questionar algumas coisas na personalidade da personagem eternamente adolescente:
- Como ela chegou ali? 
- Por que ela está ali? 
- Paradas de tempo são possíveis em sonhos? 

O ônibus-quimera respondeu a tudo isso, além de dar um adicional pra Angie, ela sabe o que é ficar entre o Sonhar e o Limbo, ela compreende o que é perder o Glamour para algo tão banal quanto ao tempo.

Ou a minha primeira reação ao ver um quadro dele: "That's the real stuff made by nightmares." e saiu em inglês mesmo dentro da minha cabeça, porque não consegui traduzir isso direito pro português: "Coisas bisonhas produzidas por pesadelos" e aí bati o olho no Manual de Changeling e pimba! Tá lá os Pesadelares como descrição disso mesmo que tive a primeira impressão.

Escrever com algo que está posto na realidade é gostoso, gosto de moldar mundos como se brincasse novamente de Lego - só que com as palavras né? - o que é mais intricado em fazer é adicionar os elementos dos sonhos nisso tudo. E é aí que comecei a escrever esse texto: encontrei o artista perfeito para ilustrar algumas passagens das minhas escrivinhações.